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A
vez do
grafeno
Material que rendeu Nobel a físicos russos é objeto de estudo no IFGW
A mesma grafite dos lápis e lapiseiras deu origem ao grafeno – um novo material
formado apenas por átomos de carbono com algumas propriedades
quânticas inéditas –, o qual foi isolado em 2004 pelos físicos russos
Andre Geim e Konstantin Novoselov na Universidade de Manchester, Inglaterra. Seis anos depois, o grafeno acaba de ser objeto do Prêmio Nobel de Física de 2010. Os seus pesquisadores chegaram ao isolamento a partir de uma técnica
simples, extraindo material superfino de um pedaço de grafite comum,
usando como recurso a técnica da fita adesiva. Notou-se que, ao extraí-
la, conseguiram obter algumas camadas de grafte, que ali ficaram
coladas. Ao fazer a visualização em microscópico óptico, foi “enxergada” uma monocamada de átomos de grafite de boa qualidade, o grafeno,
o primeiro material bidimensional até então encontrado. Com essas
amostras, foram feitas publicações em periódicos científicos que
culminaram com o Prêmio Nobel.
Mas, antes desse reconhecimento do prêmio, o grafeno já dava
mostras de que teria vida longa em inúmeras aplicações. Algumas delas
vêm sendo estudadas pelo físico colombiano Dario Andres Bahamon
Ardila, que realiza sua pesquisa de doutorado no Instituto de Física
“Gleb Wataghin” da Unicamp. As suas investigações exploram as propriedades de transporte eletrônico do grafeno em dimensões muito pequenas, olhando mais para as possíveis aplicações em dispositivos eletrônicos, além de suas propriedades de transporte e defeitos topológicos.
Segundo o pesquisador, que tem como orientador Peter Schulz,
docente do IFGW, o seu maior achado até agora foi compreender
que, para ter dispositivos de grafeno e desenhar novos dispositivos, será
preciso olhar na escala atômica. Acontece que não se têm, no momento, ferramentas que mudem
nessa escala, a qual tem o tamanho do átomo (com precisão suficiente).
“Isso equivale a dizer que implicaria mudar todas as propriedades do
grafeno. Ao pegar um átomo dele e transferi-lo para outro lugar, o material mudaria as suas funções originais, pela sua sensibilidade às transformações em nível atômico, o que não ocorre com outros materiais.
Conseguir desenhar naquela escala seria vantajoso porque obteria-se
o mesmo material e, ao mesmo tempo, com pequenas mudanças,
um novo material”, refere o físico.
Bahamon estuda o efeito das vacâncias no grafeno, que consiste
em retirar um átomo do material. Pelo que observou até aqui, por ele
ter apenas uma camada, é muito sensível aos seus defeitos e imperfeições. “Portanto, se tirar um átomo do seu espaço, vai ficar com
um furo no lugar, pelo fato de ser bidimensional. O que descobrimos
então foi que a posição do buraco afeta o transporte eletrônico. Porém
será altamente positivo o estudo que conseguir pôr em prática uma
‘engenharia dos defeitos’, já que não existe a escala atômica tal
como necessitaria”, propõe o físico.
Ao contrário do que acontece em estruturas de silício ou de outros
materiais, no grafeno a mudança de poucos átomos na beirada, ou
a posição do furo – quando vai de um átomo para o vizinho – pode
modificar completamente o comportamento do sistema. “Chegamos
ao ponto de propor essa engenharia, pois com isso quem sabe o grafeno possa ser melhor aplicado na nova e promissora eletrônica que
se vislumbra”, comenta Bahamon.
O grafeno tem sido apontado como o substituto natural do
silício dos chips eletrônicos, por ter propriedades sobremodo especiais. É a matéria mais forte e mais fina do universo que o
homem já conseguiu medir, mais forte do que o aço, ao mesmo passo
que pode ser esticado como uma borracha e conduzir eletricidade. “Além disso, por ser transparente e mesmo assim conduzir corrente
elétrica, tem possíveis aplicações em telas touchscreen, pelo fato
de serem flexíveis e permitirem ser enroladas e carregadas numa
mochila”, exemplifica o físico.
As propriedades de transporte do grafeno, prossegue ele, são equivalentes às do cobre. O material pode ainda ser usado em dispositivos
eletrônicos bem como microeletrônicos e nanoeletrônicos. Cogita-se
que o grafeno é capaz de tornar os transistores mais rápidos do que os
de silício empregados na maior parte dos aparelhos eletrônicos. Com ele,
estima-se que esteja a um passo de fabricar computadores mais efcientes
do que os atuais, sem falar no consumo de energia, que deve ser menor.
Passos
Embora hoje se produzam “placas” comparáveis em tamanho às
telas de TVs de LED das lojas, para uso em microeletrônica, que hoje já
é nanoeletrônica, é necessário saber como as cargas elétricas se comportarão em pedacinhos bem menores. Pequenos focos desse material são
chamados pontos quânticos e um tipo especial desses focos são os
anéis quânticos, com um furo no meio. Essas estruturas podem ser
utilizadas como transistores de grafeno unidos por nanofitas do mesmo
material. Tanto os focos furados (como os não) quanto as nanoftas
foram estudados por Bahamon.
Verificou-se que o material é de fato muito sensível à posição do
buraco. “Assim sendo, no futuro, a gente poderia pensar em transistores de efeito buraco, fazendo-se novamente uma engenharia da sua
posição. Com isso, ter um dispositivo poderia conduzir eletricidade.
Esta é uma aplicação que tem sido muito estudada, ainda sem execução
na indústria”, conta o físico. Também foi avaliado o efeito do menor
buraco que se pode ter no material.
Já foram desenvolvidas técnicas para obter quantidades maiores de
grafeno, como por exemplo aconteceu com uma placa de 70 cm. Por
conta disso, a Samsung já declarou, numa conferência havida recentemente na Coréia, que deve lançar no mercado telas de grafeno até 2011.
Bahamon destaca que, aliado à propriedade elétrica, há um grande
apelo do grafeno para adoção em outros materiais. Seria possível
misturá-lo com o plástico a fm de melhorar as suas propriedades mecânicas, para se tornar mais forte e para ser um melhor condutor. “Fato
é que ele é muito forte, por ter uma camada só de átomos que são mantidos unidos”, explica Bahamon. Em geral, ilustra, outros materiais com
aplicações similares ao grafeno pertencem ao mundo tridimensional,
cujos objetos têm profundidade, altura e largura. O trabalho de Geim
e Novoselov mostrou que o grafeno só tem um átomo de grossura e
possui uma dimensão a menos. Até agora, só ele e no máximo outros
dois materiais, que foram avaliados pelo mesmo grupo de Manchester,
são estritamente bidimensionais. Um detalhe: eles não contam com as valiosas propriedades elétricas
do grafeno. Por isso, o material tem sido bastante pesquisado.
Abordando o prêmio Nobel de Física deste ano, Peter Schulz,
orientador de Bahamon, constatou que a comunidade científica dividiu-se muito quanto ao mérito dessa distinção, reagindo de forma ambígua diante da notícia. “Muitos encararam como prematuro o prêmio,
enquanto outros ficaram exultantes.
Afinal de contas, o grafeno foi obtido em 2004 e depois de tantos anos
o assunto continua em franca expansão, passando do estágio de grafeno
na forma de ‘catar farelos’ para a produção industrial de placas. As
primeiras aplicações estão prototipadas, desde eletrodos para baterias
até telas flexíveis touchscreen para computadores e celulares. O que
poucos, porém, duvidavam era que em algum momento o grafeno seria
agraciado com o Nobel.”
Peter Schulz acredita que o trabalho de Bahamon deverá cooperar muito para a compreensão das propriedades eletrônicas de
estruturas feitas de grafeno. Por outro lado expõe que o apelo social
de uma pesquisa básica como esta fica diluído em uma rede de consequências indiretas, de difícil mensuração. “Isso porque a cadeia de
ações necessária para transformar uma pesquisa básica em um produto
comercial envolve iniciativas de vários atores ligados à inovação.”
Curiosidades
do pós-guerra
Bahamon ensina que o grafeno não é achado na natureza e que precisa estar associado a outros materiais para ter aplicação. Ele foi proposto teoricamente em 1947. No período do pós-guerra, os reatores nucleares eram idealizados com grafite a fm de frear os nêutrons. Naquela época, já se falavam em muitas pesquisas sobre a grafite.
O físico norte-americano Philip R. Wallace usou o grafeno para estudar o material
em três dimensões. Ele analisou primeiramente uma camada e depois
foi agregando outras camadas, até que chegou às previsões teóricas
daquele material. “As suas propriedades eletrônicas já são, portanto, conhecidas
pelo menos há 50 anos”, relata.
Wallace usou a grafite como ponto de partida, assinala o físico. Sua proposta não era estudá-lo só porque naquela época ninguém iria investigar um material bidimensional.
“Já em 1984 Gordon Semenoff propôs o grafeno como um modelo de brinquedo para estudar eletrodinâmica quântica em sistemas de matéria condensada. Até que em
2004 isolou-se o grafeno”, diz o pesquisador.
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Artigos
Bahamon,D.A.;Pereira,A.L.C.;Schulz,P.A.
Inner and outer edge states in graphene rings: A numerical investigation. Jornal:Physical Review B.,79:125414,2009.
Bahamon,D.A.;Pereira,A.L.C.;Schulz,P.A.
Tunable resonances due to vacancies in graphene
nanoribbons. Com aceite no Jornal: Physical
Review B.
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