No piloto automático
Americano cita trabalho da FEQ em estudo
que sugere emprego da lógica fuzzy na aterrissagem de Boeing 747
Em trabalho apresentado
na Conferência Internacional em Sistemas
e Robôs Inteligentes
(International Conference on Intelligent
Robots and Systems) e publicado em
setembro último em book series do
Institute of Electrical and Electronics
Engineers (IEEE), o pesquisador
Lifford L.L. McLauchlan, da Universidade Texas A&M, utiliza resultados de experimentos bem-sucedidos
obtidos no Laboratório de Controle e Automação de Processos, do Departamento de Engenharia de Sistemas
Químicos da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp,
realizados com o emprego da lógica
fuzzy, para fundamentar a possibilidade de sua utilização no controle do
pouso automático de um Boeing 747.
No artigo intitulado “Pouso de
um Boeing 747 controlado por lógica fuzzy” (Fuzzy Logic Controlled
Landing of a Boeing 747), o autor
se vale de dados apresentados em
paper publicado em setembro de
2007 no periódico Control Engineering Practice, denominado “Investigações experimentais em lógica
fuzzy para controle de processos”
(Experimental investigations on fuzzy
logic for process control), de autoria
dos professores da FEQ Ana Maria
Frattini Fileti, Flávio Vasconcelos
da Silva e João Alexandre Ferreira
da Rocha Pereira, e do professor Vivaldo Silveira Junior, da Faculdade
de Engenharia de Alimentos (FEA).
À primeira vista, pode parecer insólito que conhecimentos obtidos em
um laboratório de engenharia química
possam ser utilizados no desenvolvimento de controle automático de vôo
de aeronaves. A lógica fuzzy, porém,
tem sido utilizada há vários anos no
Laboratório de Controle e Automação
de Processos para o estudo de controle
automático de processos industriais.
No artigo publicado, a professora
Ana Maria teve a ideia de reunir trabalhos de controle e automação ali
realizados envolvendo especialistas
das áreas de refrigeração, destilação
e polimerização, todos eles também
com plenos domínios dos processos
de controle e automação. O nível
e a versatilidade das abordagens e
experimentos realizados conferiram
ao trabalho uma particular densidade
e completude que atraíram estudiosos, porque mostra a possibilidade
da aplicação prática de lógica fuzzy
em diversos segmentos da atividade
industrial, o que certamente contribui para despertar a atenção dos
que realizam pesquisa nessa área.
Ana Maria enfatiza que o pesquisador menciona no artigo a parte
experimental realizada pelo grupo,
mostrando a credibilidade e confiabilidade da lógica fuzzy quando implementada em processos químicos e defendendo a possibilidade de aplicá-la
no controle automático de um Boeing.
Mas o alcance da linha de pesquisa
desenvolvida no laboratório revela-se
maior diante da informação de que as
publicações do grupo vêm recebendo
um número crescente de citações das
mais diversas áreas de pesquisas.
Destaca-se particularmente a citação
do professor David Himmelblau, um
dos maiores expoentes na área de
engenharia química, que em artigo intitulado “Aplicações de redes neurais
artifciais em engenharia química”
(Applications of artificial neural networks in chemical engineering) citou
um trabalho realizado por Ana Maria
envolvendo inteligência artificial, referenciando-o dentre os mais importantes em engenharia química que utilizam redes neurais artificiais online.
Lógica fuzzy
Apesar de disponível desde a
década de 1960, a lógica fuzzy – um
dos ramos da inteligência artifcial –
ganhou impulso maior a partir de 1980
e não existem ainda muitos trabalhos
experimentais que a utilizem. Na
maior parte da literatura encontram-se trabalhos envolvendo simulações e
poucos se atêm a aplicações práticas.
“Nossa publicação descreve várias
situações experimentais de sucesso”,
destaca Flávio Vasconcelos da Silva.
O docente explica que a lógica
fuzzy foge da lógica convencional
que é matemática, cartesiana, que se
aplica a uma situação que é ou não
é, sem possibilidade de descrever
situações intermediárias, abrindo
uma série de aplicações nos mais
variados processos. Ela tenta simular a atuação do cérebro humano.
Silva dá como exemplo o banho,
em que se controla a temperatura
sem nenhum cálculo, apenas abrindo
e fechando a válvula que aciona o
chuveiro, sem necessidade de determinar a temperatura exata da água
nem a abertura particular da válvula. Um dispositivo que utilizasse a lógica
convencional para realizar a mesma
tarefa teria que receber a informação exata sobre a temperatura para
que pudesse determinar um valor
exato para a abertura da válvula.
Aplicações dessa lógica em vários
campos da engenharia química foram
apresentadas no artigo que acabou
sendo utilizado pelo pesquisador
da universidade norte-americana.
Ana Maria acrescenta que a lógica
ganhou aplicações experimentais só
depois da década de 80 com o surgimento dos computadores digitais,
que levaram ao aumento da capacidade de processamento. A partir
daí, essa lógica foi transposta para
softwares que permitem o comando
automático de determinados processos, máquinas ou equipamentos.
A pesquisadora afirma que os processos descritos no trabalho publicado
têm características de transiência.
Ela explica que nos aviões sem dispositivos totalmente automáticos o
piloto precisa levar a aeronave até
as condições de cruzeiro para só
então acionar o piloto automático. Hoje em dia, as situações de transiência que o piloto conduzia de
forma manual também podem ser monitoradas pelas máquinas, através do sistema digital de controle
com algoritmos não convencionais
como, por exemplo, a lógica fuzzy.
Transpondo-se para os processos
de engenharia química, Ana Maria diz
que “a subida e descida do avião correspondem ao liga e desliga dos processos químicos contínuos, e também
à operação normal dos processos de
batelada, onde essa condição de transitoriedade se verifica o tempo todo,
e por isso a similaridade de comportamento com o pouso ou a decolagem”.
O professor Pereira acrescenta
que estas etapas de vôo não se dão
em condições uniformes e constantes
e por isso a lógica fuzzy pode ser
aplicada a eles. Silva considera que
não existe ainda possibilidade de
eliminar o piloto, mas seu emprego
permite que ele se concentre em menor número de variáveis e atuações.
Embora os quatro professores
envolvidos entendam de sistemas de
automação e controle, cada um deles
aplicou a lógica fuzzy e participou
no artigo referido dentro de sua especialidade. Assim os professores
Flávio Vasconcelos da Silva e Vivaldo
Silveira Junior se ativeram a processos
de refrigeração; Ana Maria Frattini
Fileti dedicou-se mais especificamente à área de polimerização; e o
professor João Alexandre Ferreira da
Rocha Pereira, embora aposentado,
emprestou seus conhecimentos e cooperação em sistemas de destilação.
Ana Maria explica que na coluna
de destilação em batelada, em que é realizada a separação dos componentes
de uma mistura de hidrocarbonetos ou
de água e álcool, a concentração tende
a variar. “Na reação de conversão de
um monômero em polímero, em que
obtivemos polimetilmetacrilato, que
é um dos tipos de acrílico que existe
no mercado, a temperatura é de difícil
controle. Por sua vez, os sistemas de
refrigeração estão sempre sujeitos a
perturbações externas provenientes,
por exemplo, do próprio leite, sucos
ou fluidos que vão refrigerar outros
equipamentos em planta industrial”.
Alcance
Segundo Ana Maria, em todos
os três processos mencionados a
matemática da lógica fuzzy foi transformada em código de computador,
principalmente através da linguagem
C, que devidamente compilado foi
posto a rodar online para atuação automática na regulação dos processos
de destilação, de refrigeração e de
polimerização. Assim se consegue
que o computador atue na bomba de
fluido térmico para resfriamento da
reação de polimerização que gera
calor; na válvula de refluxo da coluna
de destilação, visando melhorar a
qualidade final do produto que está
sendo separado; e na rotação do compressor do sistema de refrigeração,
de forma a estabilizar a temperatura
do fluido que está sendo refrigerado.
Lembram os pesquisadores que
em alguns trabalhos envolvendo
o sistema de refrigeração houve o
cuidado de analisar o consumo de
energia e se constatou que o emprego
da lógica fuzzy leva à sua redução.
Flavio destaca que os trabalhos
desenvolvidos no Laboratório seguem
a mesma tecnologia de hardware – estrutura física de automação – utilizada
na indústria: “O que desenvolvemos
aqui não foi pensado apenas em nível
laboratorial, mas tivemos e temos sempre a preocupação com um trabalho
prático, experimental, possível de ser
reproduzido facilmente na indústria,
porque os sistemas que utilizamos são
os mesmos da indústria, o que facilita a
transferência de tecnologia. Qualquer
indústria pode utilizar a lógica fuzzy
nos equipamentos com que opera”.
Ana Maria acrescenta que toda a
tecnologia desenvolvida no Laboratório permite também que haja um
monitoramento remoto dos equipamentos: “Como já fazem hoje, os
engenheiros não precisam dar plantão
dentro da fábrica para regularizar
um determinado equipamento que
falhou, pois a tecnologia aqui desenvolvida permite o monitoramento e
o controle de qualquer equipamento à distância através da internet,
usando notebook ou smartphone”.
Decorrências
O professor João Alexandre Ferreira da Rocha Pereira lembra que o
Laboratório é um dos pioneiros em
controle e automação experimental
e no emprego experimental da lógica
fuzzy, tornando-se referência. Diz
que o Laboratório começou com o
monitoramento de processos e controles computacionais em engenharia
química. À medida que ocorria o
desenvolvimento dos computadores,
várias metodologias de controle
passaram a ser introduzidas. A lógica
fuzzy veio como sequência natural da
evolução das metodologias de aplicação. Pereira chama a atenção para
o fato de que os softwares e a tecnologia de aplicação que utilizam são
desenvolvidos no próprio laboratório.
O professor explica ainda que
o controle de processos tem por
objetivo principalmente a pureza
do produto, economia de energia,
segurança, controle de temperatura,
além de evitar atividades repetitivas.
Permite ainda a detecção de falhas
que possam a vir ocorrer no sistema
de forma a possibilitar correções.
Para ele, “essa possibilidade é
muito importante em um processo
químico e nosso trabalho permite que
a utilizemos. Na verdade, nós não
temos tecnologia de indústria, nós
estamos desenvolvendo tecnologia
para a indústria. Estamos desenvolvendo aquilo que os outros precisam”.
A consequência disso, destaca
Pereira, é que os alunos de mestrado
e doutorado que passam pelo Laboratório são disputados pelas indústrias:
“Temos dificuldades de manter o
aluno até o final da pós-graduação
porque as empresas procuram engenheiros com esse tipo de formação”.
Silva lembra que a tecnologia
desenvolvida em centros avançados
chega ao Brasil na forma de uma
caixa preta e é utilizada sem que se
saiba o que está acontecendo e sem
que as empresas realizem suas próprias descobertas. Para o docente,
constitui papel da universidade mostrar como esses sistemas funcionam
para que possam vir a ser desenvolvidos e aplicados aqui. Para isso, ele
considera primordial formar pessoas
que sejam capazes de entender o que
está sendo feito e não apenas utilizar
uma receita pronta que vem de fora.
Pereira conclui: “Nosso laboratório está formando engenheiros com
sólidos conhecimentos científicos e
técnicos que os credenciam a atuar
em uma área de ponta nos processos
industriais. Hoje se valorizam produtos
de alta qualidade em que a robótica, a
inteligência artificial e o controle são
utilizados com intensidade. O laboratório está formando pessoas de alto nível
para essa atuação e desenvolvendo
tecnologias nessa direção, que levem à
obtenção de produtos de alto valor agregado, numa área em que a inteligência
vale mais que o esforço humano”.
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Artigo
A. Fileti, A. Antunes, F. Silva, V. Silveira Jr. and
J. Pereira, Experimental investigations on fuzzy
logic for process control”, Control Engineering Practice, vol. 15, pp. 1149-1160, 2007.
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