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Técnica desenvolvida no IQ melhora
qualidade e eficácia de medicamentos
Metodologia que garante controle de polimorfismos
pode ser aplicada em breve em escala industrial
Um dos maiores gargalos da indústria
farmacêutica ainda
está em fazer o controle de polimorfismos nos medicamentos, tendência de uma substância
se cristalizar em diferentes estados. A
sua presença em um mesmo fármaco
pode alterar algumas propriedades
físico-químicas da substância, como
a solubilidade, afetando o seu perfil
de dissolução. Quando não controlados, os polimorfismos podem
interferir no efeito terapêutico, não
produzindo a ação esperada. Mas uma
pesquisa de doutorado, desenvolvida
no Instituto de Química (IQ), propõe
uma nova metodologia que, com a
ajuda da espectroscopia Raman, é
capaz de identificar os polimorfos,
ou tipo de cristais, presentes em
fármacos, de maneira a melhorar
a etapa de controle de qualidade.
O método que também utiliza a
quimiometria – a qual envolve conceitos matemáticos e computacionais
para extrair informação da técnica
espectroscópica que usa luz – se mostrou mais eficiente e mais simples que
os disponíveis no mercado, em testes
efetuados no Laboratório de Quimiometria em Química Analítica (Laqqa).
Lá o químico Werickson Fortunato
de Carvalho Rocha chegou a estas
conclusões, descritas na sua tese. A
parte experimental foi conduzida a
priori com dois fármacos fornecidos
pelo SUS, a carbamazepina, um antipsicótico epilético, e o piroxicam,
um anti-inflamatório. O trabalho teve
orientação do docente do IQ Ronei
Jesus Poppi, que coordena linha de
pesquisa sobre controle de qualidade de fármacos e quimiometria.
Os primeiros resultados se mostraram encorajadores. A expectativa
é de que essa metodologia em breve
entre em escala comercial, uma vez
que ela se presta a controlar esse
problema reincidente da indústria
farmacêutica brasileira. Se controlados os polimorfismos, enfatiza
Rocha, eles podem possibilitar insumos com características diferenciadas, modifcações necessárias no
processo produtivo e fabricação de
medicamentos de melhor qualidade.
Em geral, o polimorfismo ocorre
quando o comprimido é sintetizado,
expõe Rocha, e quando é produzido.
Dependendo de sua cristalização –
como essa estrutura está organizada
– ele pode, ou não, desencadear o
efeito desejado. Se variar a pressão ao
longo da sua confecção, por exemplo,
poderão ser criadas moléculas diferentes do ponto de vista de polimorfsmo, limitando a ação terapêutica.
Supondo-se que haja uma mesma molécula e o seu polimorfo A,
que faz o efeito esperado para curar
determinada doença, quando este
fármaco está sendo produzido e é
feita a compressão para torná-lo
comprimido, pode acontecer que
esse polimorfo se transforme em um
polimorfo B. Se isso ocorrer, talvez
ele não promova o efeito desejado.
Poppi afirma que se o cristal
tiver a forma indesejada, ao invés
de agulha, prisma, ou vice-versa,
isso significa que o fármaco não
surtirá efeito, mesmo contendo o
princípio ativo. Nem sempre, diz, o
comprimido está na forma cristalina
almejada: agulha, quando os cristais
são bem-fininhos; prismática, quando assumem a forma de prisma; ou
metagulha, quando têm uma forma
intermediária entre agulha e prismática. “Em outras palavras, o efeito
do remédio depende da sua forma.
”Ainda não se encontrou uma maneira de driblar de vez o problema do
polimorfismo. As empresas, quando
compram matéria-prima para o fármaco, se veem às voltas com esta
questão, daí o mérito de empregar esta
nova metodologia. “Seria uma contribuição social, no sentido de melhorar
o padrão do remédio no mercado, e
econômica, por representar redução
do tempo das análises”, acredita Rocha. O seu estudo, salienta, contribui
para verificar a distribuição dos polimórficos nas diferentes formulações
farmacêuticas e gerou até agora publicações de peso em duas revistas internacionais – no Microchemical Journal e no Chemometrics and Intelligent
Laboratory Systems (Chemolab).
A carbamazepina, por exemplo,
tem quatro formas polimórficas, ou
seja, ela pode se cristalizar de quatro
maneiras distintas. A forma 3, prismática, conta Rocha, é a mais desejada no
produto fnal que vai para o consumidor. É ela que dá o efeito do remédio.
“Mas, quando retém umidade, começa
a se transformar e então o prisma se
torna uma agulha. Assim é preciso
controlar o processo para que a umidade do ambiente não seja responsável
por esta transformação, prejudicando o consumidor”, adverte Poppi.
Distribuição
Outra questão, sobre a qual Rocha também se debruçou em sua
pesquisa, igualmente importante, é
que existem muitas pessoas hoje em
dia que precisam fracionar o medicamento, dividindo-o em partes.
Para isso, é preciso ter certeza de
que o polimorfo esteja distribuído
por igual em todo medicamento. Se
não estiver, o princípio ativo ficará
consolidado somente de um lado.
Dessa forma, quando a pessoa
toma o medicamento, ela pode correr
o risco de ingerir uma alta dosagem,
por consumir a parte que concentrou
o princípio ativo. Se ingerir outra
parte, pode não estar tomando nada,
deixando de gozar das benesses do
fármaco. Assim foi realizado um
mapeamento das formas polimórficas
no medicamento utilizando a espectroscopia de imagem, que fornece
informações sobre a distribuição de
cada composto na sua superfície.
Com o uso dessa metodologia,
pôde-se verificar se o polimorfo está distribuído uniformemente, pois mediante a visualização
química desses cristais observa-se se de fato o medicamento está
em condições ideais de consumo,
principalmente quando prescrito
o seu fracionamento pelo médico.
A espectroscopia Raman tem
como base medir o espalhamento
de luz (laser) que, incidida sobre
a amostra do medicamento, proporciona informações acerca dos
compostos presentes no comprimido, avaliando se estão na forma
desejada. É necessário, neste caso,
aliar o tratamento de dados usando a
quimiometria, constata o pesquisador.
O efeito Raman baseia-se no espalhamento de luz e foi descoberto
por um físico indiano que recebeu,
em 1930, o Nobel da Física por
sua descoberta. Rocha utilizou-se
desse efeito para realizar o estudo
de polimorfsmo em medicamentos
distribuídos na rede de saúde pública.
Uma das sacadas do método
proposto por Rocha e seu orientador
é que ele não usa solventes tóxicos
ou outros tipos de materiais para a
sua análise. Simplesmente o comprimido é levado até o espectrômetro
e avalia-se a sua interação com o
espalhamento da luz. “Também não
é preciso comprar reagentes para
fazer este trabalho”, informa Rocha.
Futuro
Em decorrência do estudo de
Rocha, ele conseguiu ingressar como
pesquisador no Instituto Nacional de
Meteorologia (Inmetro), no Rio de
Janeiro. Lá ele pretende desenvolver
materiais de referência certificados
(MRC) para o polimorfismo desses
fármacos, provendo laboratórios
no Brasil na área farmacêutica. A
ideia é ter materiais que possam
ser usados como padrão, além de
garantir a qualidade de processos.
“Estes itens são fundamentais para
assegurar a confiabilidade metro-
lógica dos polimorfos nos medicamentos nacionais. Além disso,
é bem possível que a metodologia
gere uma patente no Brasil”, sinaliza.
Além do mais, a tese resultou,
há pouco, na concessão do prêmio
de primeiro colocado para Rocha
na sessão de pôsteres do Congresso Chimiometrie2009, realizado
em Paris, França, conferido pelo
Centre de Competence em Chimie
et Toxicologie Analytiques. O pesquisador recebeu uma importância
em dinheiro e um software comercial para ser utilizado no Laqqa.
Para Poppi, a importância do
estudo do seu orientando está no seu
ineditismo, pois cada vez mais são
fabricados medicamentos genéricos
no país, e a inserção de novas metodologias para melhorar o controle
de qualidade de fármacos vem sendo
uma busca constante. “A metodologia
também pode ser útil para o estudo
do tamanho de partículas e detecção
de interferências em processo de
qualidade na indústria farmacêutica”,
assinala Poppi. Por outro lado, ele
ressalva que a cristalização só serve
para medicamentos sólidos.
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Artigos
■ ROCHA,W.F.C.;POPPI,R.J.Multivariate control chartsbased on net analyte signal
(NAS) for characterization of the polymorphic composition of piroxicam using near infrared spectroscopy. Microchemical Journal, 96:21-6,
2010.
■ ROCHA, W.F.C.; SABIN, G.P.;MARÇO, P.H.; POPPI, R.J. Quantitative analysis of
piroxicam polymorphs pharmaceutical mixtures by hyperspectral imaging and chemometrics.
Chemometr. Intell. Lab. Syst.,2010.
Publicação
Tese de Doutorado:“Estudo de polimorfsmo
em medicamentos utilizando técnicas
espectroscópicas aliadas a métodos quimiométricos”
Autor: Werickson Fortunato de Carvalho Rocha
Orientador: Ronei Jesus Poppi
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Financiamento: CNPq e INCTbio
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