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DESENVOLVIMENTO

 

Sem santos ou demônios
Para pesquisador, o governo não é o grande culpado na
agricultura e o agricultor, tampouco, o inocente

O engenheiro agrônomo Antonio Carlos de Sousa, há quase 30 anos na profissão, reconhece as voltas que o mundo dá. Coordenador geral da Cati (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) até agosto passado, também trabalhou como extensionista na região de Jales durante 18 anos e atualmente dirige o Centro de Informações da mesma Cati. Foi ainda delegado federal da Agricultura entre 1993 e 1994 e trabalhou na Cetesb.

Assim, Sousa assistiu toda a transformação da agricultura brasileira sempre de um posto privilegiado. Em entrevista ao Jornal da Unicamp ele conta sua versão da história e o que a pesquisa, neste caso a Cati, vem fazendo para salvar a agricultura do país.

P – Como a pesquisa ajudou a enterrar a lavoura?
R – Os pacotes tecnológicos da década de 70 foram implementados a partir de uma ação deliberada do estado brasileiro, usando suas estruturas de assistência técnica, extensão rural e pesquisa agropecuária com objetivo de atingir rapidamente altas produtividades, para viabilizar o nascente complexo agroindustrial. Tudo foi facilitado para que, a partir de crédito abundante, o agricultor tivesse acesso a equipamentos, agroquímicos, sementes e todo tipo de tecnologia considerada de ponta. A questão ambiental, então, passava longe das preocupações governamentais, embora entre os técnicos, desde a década de 50, já existisse a preocupação “conservacionista” com questões relacionadas ao solo e à água.

P – A adesão foi voluntária?
R – Nesse contexto, o agricultor foi uma peça importantíssima de manipulação da política oficial. Entretanto, não podemos dizer que o governo é o grande demônio e o agricultor, o santo inocente. Sabemos que ninguém foi obrigado, mas atraído pelas iscas de todo um sistema que aparentemente levaria todos ao paraíso da prosperidade no final de cada safra. Quem embarcou no pacote tecnológico acabou sucumbindo vítima dos bancos, dos preços agrícolas decrescentes, da inflação e da degradação dos sistemas de produção não sustentáveis. Por seu turno, a agroindústria dos cítricos, da cana, e da carne e do leite estão bem, obrigado. Mas não podemos dizer o mesmo dos produtores rurais. Estes acompanham tal prosperidade de longe. O problema deles não é mais apenas transferência de tecnologia, mas como morder um pedaço dessa prosperidade da agroindústria.

P – Quando caiu a ficha do sistema?
R – Diante desse quadro, os agricultores, extensionistas e pesquisadores procuraram situar-se no sistema de produção agrícola minimamente conscientes do papel que estavam exercendo. Uma mudança na forma de abordar o problema passou a ser considerada a partir dos anos 90, diante das evidentes dificuldades enfrentadas pelos pequenos agricultores, principalmente o segmento da agricultura familiar. A partir de uma compreensão construtivista, passaram a ser estruturados os conhecimentos necessários para a afirmação de uma vontade coletiva que, numa perspectiva histórica, sejam referência para o desenvolvimento sustentável e para a afirmação da cidadania do agricultor. Nesse sentido a Extensão Rural, realizada pelos técnicos que trabalham mais próximos aos agricultores, passa a atuar fundamentada na teoria de comunicação conhecida como “Teoria da Ação Comunicativa” (ou Teoria do Agir Comunicativo)1.

P – A comunicação é tudo?
R – Esta teoria diz respeito a sujeitos capazes de linguagem e ação, numa interação onde os atores buscam se entender sobre determinada situação, a fim de coordenarem em comum acordo seus planos de ação. Portanto, a verdade ou conhecimento sobre determinada realidade não está mais apenas num sujeito que detém o conhecimento ( no caso o extensionista) e que o transmite para aquele que não o possui (no caso o agricultor), mas sim na interpretação comum alcançada através do diálogo. Daí o processo de comunicação a ser utilizado pela Extensão Rural, nesta nova proposta, estar fundamentado no diálogo e na construção do conhecimento junto com os agricultores (processo conhecido como “construtivismo”, Cati/2001).

P – Isso demanda por um novo extensionismo?
R – O papel do extensionista neste novo modelo consiste em ser articulador, catalisador, animador, gestor e executor, contribuindo para a participação dos agricultores e assumindo, junto com eles e outros parceiros sociais, a elaboração, execução e avaliação do Plano de Desenvolvimento Local, dentro dos princípios da Gestão Social. Esta mudança de postura em curso na Cati tem suas dificuldades, pois significa uma mudança profunda no modo de agir de toda uma geração de técnicos, que afinal também implica em novos quadros oriundos de uma universidade que lhe transmita esta bagagem, num contexto de estado democrático.

P – E como está se definindo o novo produtor?
R – Os produtores, por seu lado, a partir da livre organização, devem ocupar seu espaço político, negociando suas prioridades em todos os níveis. Neste aspecto, a pesquisa agropecuária necessita abrir a discussão quanto a ouvir as necessidades dos produtores, da forma mais ampla possível, pois as perguntas que estão sendo objeto de estudo são aquelas feitas por quem tem dinheiro para financiá-las, como por exemplo a indústria química e farmacêutica. Nada contra esse trabalho, pois cada um emprega seus recursos da maneira que melhor entender.

P – Quem paga as pesquisas?
R – O problema é quanto ao recurso público. A Fapesp , o CNPQ e a Finep são alguns dos órgãos financiadores da maioria das pesquisas e são recursos provenientes de impostos. As instituições têm feito um enorme esforço para que os recursos cumpram plenamente sua função social. Os agricultores, entretanto, não têm dado muito palpite na priorização dessas pesquisas e seria ótimo que alguém pudesse efetuar uma análise quanto à profundidade desta participação nas pesquisas voltadas a solucionar problemas imediatos dos produtores.

P – Qual foi a maior conquista neste novo panorama?
R – Algumas instituições de pesquisa têm realizado reuniões anuais, onde expõem à comunidade em geral seus planos de trabalho. Só que isso não é regra geral. É claro que, aqui, não estamos contestando a validade da pesquisa pura no seu mais amplo sentido, como o seqüenciamento genético da Xilella fastidiosa (praga dos laranjais),que é obviamente uma conquista de qualidade indiscutível da nossa elite tecnológica.

P – E a descoberta da joaninha?
R – O problema é que por muitos anos gastamos milhões de toneladas de inseticidas, para afinal o professor Santin Gravena, da Unesp de Jaboticabal, provar que, através da contagem de ácaros, pulgões e joaninhas, não haveria necessidade de pulverização nenhuma, e que estávamos jogando fora nossa saúde, ameaçando a vida dos consumidores, intoxicando trabalhadores rurais e contaminando água, solos, animais e todos os nossos ecossistemas. Entretanto, as dificuldades para trabalhos em desenvolvimento de tecnologias para uso localizado são intransponíveis.

P – A agricultura orgânica pode ser a saída?
R – A agricultura orgânica, uma das formas sustentáveis de produção agrícola, desprezada pela maioria dos pesquisadores e extensionistas, prosperou graças à luta política de uma parte da comunidade científica, que ainda não está totalmente convencida da capacidade desse sistema alimentar milhões de pessoas. A verdadeira ciência é muito mais o conhecimento completo da natureza, suas leis, a interação entre os seres vivos e o respeito ao papel que cada um exerce. E, aí, se uma joaninha é tão importante, porque o pequeno produtor, ignorante e analfabeto poderia ser menos?

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