NEOLIBERALISMO As
aspirações generalizadas por democracia, justiça e equidade
estão sendo neutralizadas pela ideologia neoliberal que postula o livre
mercado e a competição como princípios estruturadores da
vida em sociedade. Em conseqüência, a violência das ações
e transações econômicas e seus efeitos devastadores em nível
individual e coletivo, são considerados legítimos e necessários,
sem preocupação com a ética e com os valores sociais. Assim,
a ideologia neoliberal não somente procura justificar o comportamento individualista
narcisista, mas ao clamar por e apoiar as inovações tecnológicas
aceleradas e seus impactos sobre produção, comércio, e a
mobilidade do capital em escala global, contribui de modo decisivo para a globalização
crescente entre e dentre as sociedades. A concentração de riqueza,
poder, informação e acesso fácil a bens e serviços
encontra seus paralelos nos imensos contingentes de desempregados, excluídos,
segregados e alienados, dividindo a humanidade em uma minoria de privilegiados
e a maioria de gente totalmente destituída de qualquer direito à
vida.
SUBSERVIÊNCIA Nem
os pesquisadores dos institutos mais renomados, nem as autoridades titulares das
agências e ministérios nos fornecem indicações claras
sobre as prioridades nacionais, em seus respectivos setores e departamentos. Não
havendo definições por parte do MCT, CNPq etc., cada área
procura manter sua posição na alocação de recursos
orçamentários cada vez mais escassos e não se cria um clima
propício a inovações. Ninguém se atreve a questionar
essa lamentável carência de políticas pró-ativas e
inovadoras na área de Ciência e Tecnologia, aliás, um reflexo
fiel do que ocorre na área econômico-financeira, onde o governo procura
atropeladamente seguir à risca as recomendações do FMI e
do Banco Mundial, mesmo quando essas organizações multilaterais
passam sinais inconfundíveis sobre a necessidade de se mudar o curso das
políticas, particularmente após os sucessivos desastres financeiros
no sudeste asiático, na Rússia, no Brasil e na Argentina.
CORTES A
julgar pelas ações concretas do governo, no socorro aos bancos e
subsídios às empresas estrangeiras que pretendem instalar-se em
território nacional ou, por outro lado, no tratamento das questões
salarial e previdenciária, as prioridades da tecnocracia pouco têm
a ver com o desenvolvimento social e as metas acenadas pelos cinco dedos da mão
do presidente. Efetivamente, os maiores cortes nos gastos orçamentários
do governo têm ocorrido nas áreas de saúde, educação,
habitação e transporte público.
INDICADORES
SOCIAIS Ao contrário do discurso oficial sustentado pelo sistema
científico, não há uma correlação positiva
entre os importantes avanços nas pesquisas científicas e tecnológicas
e a posição de um dado país em termos de indicadores sociais.
Apesar da razoável infra-estrutura científica (universidades e institutos
de pesquisa), em termos de indicadores de desenvolvimento humano, o Brasil permanece
bem atrás de vários países com inferior desenvolvimento em
ciência e tecnologia.
ESTRAGOS Uma
demonstração inequívoca do modo enviesado e dos métodos
adotados pelos discursos oficiais de ciência é revelada por uma análise
das discussões dos problemas ambientais nas reuniões e conferências
internacionais sobre mudança de clima e fenômenos correlatos. Para
evitar a redução de emissões em casa, os representantes dos
países ricos, na evidência de resultados científicos dúbios,
propõem as vias e mecanismos mais complexos para escapar da obrigação
de adoção de uma política de clima limpa e racional, baseada
num quadro de referência sistêmico e interdisciplinar. Alertados pelos
seus cientistas, os governantes consideram política climática apenas
como redução e controle de emissões. No entanto, há
uma necessidade urgente de redesenhar os setores de energia e transportes, assim
como a produção industrial para combater a poluição
do ar e o congestionamento do tráfego. Em vez de uma política climática
baseada numa postura negativa de emissão e redução, necessitamos
avançar com propostas positivas de transformação industrial,
abandonando o estreito enfoque fragmentado, para ser substituído por uma
visão sistêmica de mudança global.
CATÁSTROFES A
distribuição desigual de renda e dos ativos produtivos impõe
muitas restrições sobre as políticas de desenvolvimento dos
países pobres. As safras a serem cultivadas, as fontes de energia exploráveis,
o uso da terra etc., não são mais decididos pelas autoridades nacionais,
mas por forças financeiras externas. Lidando com o problema das emissões
de gás (efeito estufa) os países ricos estão menos preocupados
que no caso do dióxido de enxofre. Não obstante, o aumento da temperatura
global devido à mudança de clima ferirá gravemente países
pobres no hemisfério sul. Um metro a mais do nível do mar deslocará
muitos milhões de pessoas e submergirá faixas de terra em todo o
mundo, enquanto a construção de muros para proteger zonas vulneráveis
próximas ao mar poderá envolver altos custos insuportáveis
aos países pobres.
DIREITO
DE POLUIR Até agora, as negociações sobre mudança
de clima têm produzido poucos resultados, por estarem sendo realizadas entre
parceiros desiguais. Os representantes dos países pobres são inferiores
em número nas conferências e geralmente lhes falta o acesso a informações
relevantes e habilidades de negociação. Por isso é difícil
alcançar acordos sobre a concentração dos níveis de
dióxido de carbono que representam riscos para a saúde das populações.
Os modelos atuais enfatizam a minimização dos custos para os ricos,
mas não a minimização dos riscos para os pobres. Se os países
pobres venderem seus direitos de poluir, quanto estará disponível
para emitir no futuro, para sustentar suas políticas de industrialização?
As quase intermináveis negociações de uma conferência
para outra representam objetivamente um sério atraso na tomada de medidas
adequadas, com isso piorando a situação de iniqüidade, até
um ponto sem volta.
COMITÊ
INDEPENDENTE A adoção do princípio de precaução
e um rigoroso acordo para a cooperação regional e internacional
seriam os primeiros passos em direção ao meio ambiente mais limpo
e seguro. Independentemente dos resultados das negociações, cada
país deveria ser responsável por suas próprias emissões
a serem verificadas e avaliadas por um comitê internacional independente.
ACADEMIA Curiosamente,
a universidade tem resistido e continua a resistir às idéias inovadoras
na produção e difusão de conhecimentos, reduzindo assim,
dramaticamente, sua capacidade de influir de forma decisiva na solução
de problemas que afligem a sociedade. As raízes dessa conduta encontramos
na vinculação política e compromissos assumidos com o poder
o Estado centralizador, a partir de reformas introduzidas por Napoleão,
no início do século 19. Para modernizar o sistema educacional, o
imperador confiou ao seu ministro a tarefa de formar um contingente de docentes
ou instrutores, com forte ésprit de corps para ensinar os conhecimentos
e técnicas, mas subordinando o o que fazer à lógica
política, ou seja, aos interesses do Estado ou dos grupos hegemônicos.
O resultado tem sido o acoplamento do aparato educacional, sobretudo o ensino
superior, à dinâmica da reprodução social do sistema,
formando e treinando seus quadros dirigentes e administrativos. De fato, até
nossos dias, a École Normal Superieur e o Collège de France têm
fornecido sistematicamente os quadros da administração pública
e das instituições francesas, modelo este copiado na maioria dos
países.
ORÇAMENTO
ATRELADO A pretensa autonomia das universidades tem sofrido pressões
por causa do controle de seu orçamento pelo Estado. Para transformar a
dependência externa em autonomia seria preciso transformar as relações
entre o Estado e a sociedade civil, levando a população a assumir
seu papel de protagonista social através de uma participação
política intensa e crescente. Para que isso aconteça, é preciso
contrabalançar a lógica de poder piramidal do Estado, com as demandas
por autonomia política emanadas da sociedade civil. É através
de experiências efetivas de autonomia que se poderá superar o preconceito
de vínculo estreito entre eficiência e processos decisórios
centralizados. Negar o papel do Estado e de políticas públicas na
execução do planejamento e de alocação de recursos
é irrealista e falacioso. Mas, submeter as organizações sociais
e produtivas geradas pela sociedade civil a um Estado macrocefálico
significaria corromper o processo de desenvolvimento em direção
à democracia pluralista e participativa. A alternativa de recorrer às
benesses do mercado, não tem sido muito estimulante para a produção
de conhecimentos por parte dos docentes e pesquisadores. A ciência fragmentada
e colocada a serviço do utilitarismo não é propícia
a uma produção intelectual significativa e à preocupação
com o destino e os sofrimentos dos seres humanos. Assim, transferindo para as
universidades a função de neutralizar o poder de inovação
intelectual, as elites se protegem contra as ideologias subversivas.
Caberia aos cientistas apontar as opções de desenvolvimento, não
como um projeto monolítico controlado pelo Estado ou um grupo hegemônico,
mas como o resultado de uma multiplicidade de projetos individuais e coletivos
que se empoderam e reforçam mutuamente.
APOLOGIA
DO CAPITAL No contexto atual, as doutrinas e modelos científicos,
em vez de prestar uma contribuição ao conhecimento da dinâmica
econômica e social, se transformam em pura apologia a serviço do
capital financeiro e das elites dominantes. Por outro lado, a escassa produção
intelectual da universidade não incomoda as elites, enquanto ela cumprir
com a função de uma profissionalização pragmática,
cada vez mais questionável à luz das mudanças rápidas
na divisão de trabalho técnica e social. Os eventuais avanços
ocorrem mais por verticalização e especialização,
do que por interação entre os diferentes corpos teóricos.
PAPEL
HUMANISTA A alegada maior eficiência produtiva é invalidada
pela ineficácia social do pensamento e da organização de
trabalho fragmentados e compartimentados, que estendem os padrões das máquinas
artificiais e seus mecanismos ao convívio humano, de forma totalmente contrária
à natureza. Os procedimentos mecanicistas e quantitativos ignoram ou ocultam
as dimensões afetivas e criativas dos seres humanos e, assim, tornam-se
inoperantes ou ineficazes frente aos problemas complexos da sociedade. Eis um
desafio para a universidade: retomar seu papel humanista de vanguarda na geração
de conhecimentos, abrindo-se à complexidade em termos cognitivos e de transformação
estrutural, mediante inovações organizacionais e institucionais.
TECNOLOGIA Não
basta pautar a conduta dos governantes pelos cânones da ciência. Indubitavelmente,
eles nos ajudam a explicar e interpretar a realidade pela formulação
de teorias e modelos conferindo aos seus enunciados plausibilidade e até
confiabilidade. A tecnologia, por sua vez, nos remete à ação
útil e eficaz, relacionando instrumentalmente meios e fins. Mas, a tecnologia,
especialmente a tecnologia de ponta direcionada para e pelo mercado, alimenta
e suporta a estrutura de poder, qualificada como necessária ou inevitável,
portanto legitimada, pela ciência, apesar da miséria e das injustiças
decorrentes de seu uso.
AGIR
COM ÉTICA Multiplicar informações e conhecimentos
não será suficiente enquanto as práticas profissionais e
as políticas públicas continuem alheias a considerações
éticas, de justiça e de equidade. Todas as pesquisas, bibliotecas
e bancos de dados, enquanto não resultem em novas práticas de gestão
e mudanças comportamentais, não resolverão os intrincados
problemas de nossa sociedade, no limiar do terceiro milênio. Em sua essência,
agir eticamente significa desafiar a cultura da submissão e o medo da violência
impostos pelas elites, e questionar as teorias que legitimam a racionalidade do
mercado, da competitividade e da produtividade (espúria!) como valores
universais, desconsiderando o tratamento desumano infligido aos excluídos
e derrotados.
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