Programa é estratégico e forma líderes, diz Fernando Costa
CLAYTON LEVY
Um dos protagonistas brasileiros no desenvolvimento do projeto Genoma, o médico e professor Fernando Ferreira Costa, é seguramente um dos mais destacados pesquisadores da Unicamp. Basta um olhar sobre sua carreira para constatar a forte ligação com a pesquisa acadêmica. Dedicou anos de trabalho ao Hemocentro da Universidade, onde foi diretor por dois mandatos; montou o Serviço de Hematologia em 1980; coordenou o Laboratório de Biologia Molecular e de Hemoglobinopatia de 1990 a 1992; foi diretor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) durante o quadriênio 1994-1998; coordenou a área de clínica médica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); e, atualmente, é pró-reitor de Pesquisa e professor titular da disciplina de Hematologia-Hemoterapia.
Não é de estranhar, portanto, que o professor Fernando Costa também seja um dos grandes incentivadores da iniciação científica. Para ele, o programa é estratégico para a Universidade e para a sociedade. Primeiro, porque prepara o universitário para uma eventual carreira acadêmica. O estudante que elabora um bom trabalho de iniciação científica, segundo Ferreira Costa, normalmente tem um destacado desempenho na pós-graduação. “Esse aluno, não raro, conclui a sua dissertação de mestrado ou tese de doutorado em menor tempo e apresenta trabalhos de elevada qualidade”, diz o pró-reitor. Segundo, porque mesmo não se dedicando ao ensino e à pesquisa, esse futuro profissional terá assimilado um tipo de conhecimento que o diferenciará no mercado de trabalho. “Além de ter a visão crítica apurada, ele também será capaz de analisar e interpretar dados com maior precisão”, acrescenta o professor.
Fernando Costa destaca que, historicamente, o nível dos trabalhos apresentados no Congresso Interno de Iniciação Científica da Unicamp tem sido muito bom. Alguns têm qualidade similar ao de uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado. Essa performance deve-se a dois fatores em especial. Inicialmente, à capacidade do aluno da Universidade. Para ingressar na instituição, ele é submetido a uma seleção rigorosa, como é amplamente reconhecido o vestibular da Universidade. Tem a ver, ainda, com a excelência do corpo docente. “Os orientadores dos trabalhos de iniciação científica são os mesmos professores e pesquisadores que atuam nas salas de aulas e nos laboratórios, gerando e difundindo o conhecimento”.
A excelência dos trabalhos de iniciação científica executados pelos alunos da Unicamp tem sido reconhecida, ano após ano, por comitês formados por integrantes do CNPq. “Em seus relatórios, esses comitês têm feito reiterados elogios ao Congresso, tanto em relação ao desempenho dos estudantes quanto à organização do evento”, ressalta o pró-reitor de Pesquisa. O alto nível dos estudos também pode ser medido pela repercussão que alcançam. Conforme Fernando Costa, algumas dessas pesquisas são habitualmente encaminhas para publicação em revistas indexadas de circulação internacional. Na entrevista que segue, o pró-reitor de Pesquisa fala da importância da iniciação científica e de seus impactos no processo de desenvolvimento nacional.
Jornal da Unicamp Em sua opinião, qual o significado desse aumento no número de projetos apresentados?
Fernando Costa Isso mostra o vigor da Unicamp na iniciação científica. Os alunos participam de projetos de pesquisa junto com docentes. Em primeiro lugar, é preciso dizer que houve um aumento do número de bolsas de iniciação científica destinadas à Unicamp. Esse número quase dobrou. Mas, além disso, houve um aumento do número de trabalhos apresentados através de outras bolsas, como Fapesp e SAE.
JU - Esse aumento no número de projetos era algo esperado ou surpreendeu?
Fernando Costa - Já era algo esperado porque, quando tínhamos um número menor de bolsas, a demanda era muito grande. Já tínhamos uma demanda qualificada, ou seja, alunos que deveriam receber bolsa mas não recebiam porque não havia disponibilidade suficiente.
JU - Na sua avaliação, como está a qualidade dos projetos desenvolvidos?
Fernando Costa - A qualidade dos projetos sempre foi muito boa na Unicamp. Muitos dos trabalhos são equivalentes a teses de mestrado ou doutorado e resultam até mesmo em publicações de artigos em revistas internacionais. O que aconteceu é que havia uma demanda reprimida. Projetos bons, mas sem bolsa. Agora eles foram incorporados ao sistema. Com isso, aumentou não só o número de trabalhos mas também a qualidade dos projetos.
JU - Pode-se dizer que esse vigor no campo da iniciação científica faz parte da vocação da Unicamp?
Fernando Costa - Sim, faz parte da natureza da Unicamp. Basta notar que, a grosso modo, o número de alunos de graduação é semelhante ao de pós-graduação. Trata-se, portanto, de uma universidade muito voltada para a investigação científica. É importante utilizar essa estrutura de pesquisa e docentes qualificados, que sabem fazer ciências, no ensino de graduação. Isso é feito não só ministrando os cursos de graduação mas também inserindo os alunos no processo de metodologia científica nos laboratórios.
JU - Por que isso é importante na formação do estudante?
Fernando Costa - Porque desde cedo treina o estudante no método científico. Mas a iniciação científica não é importante só para treinar o aluno a fazer pesquisa visando uma carreira acadêmica. Ela é importante na formação para qualquer atividade porque treina o estudante a obter dados, analisá-los e relatá-los. Poucas universidades podem fazer isso porque poucas dispõem de infra-estrutura e docentes qualificados para dar treinamento de iniciação científica. Isso poderá formar líderes em qualquer atividade, não só na academia mas também em outros setores, como a indústria.
JU - Isso significa que o estudante de graduação que faz iniciação científica pode vir a ser, no futuro, o cientista que fará inovação tecnológica na iniciativa privada?
Fernando Costa - Isso pode acontecer com alunos da Unicamp porque temos infra-estrutura e docentes muito qualificados. Nesse aspecto a iniciação científica é importante porque forma alunos com um grau de diferenciação muito grande. Os alunos não ficam só na parte teórica porque os professores de graduação são, também, pesquisadores. Desde o início, o aluno de graduação é inserido num grupo de pesquisa orientado por um pesquisador. O aluno que faz iniciação científica tem oportunidade de aprender o método científico, que é importante em qualquer atividade. Esse será o aluno que fará inovação na indústria ou terá iniciativa para montar uma empresa de base tecnológica.
JU - O senhor acredita que a iniciação científica qualificada que a Unicamp oferece pode gerar impacto também na qualidade da pós-graduação?
Fernando Costa - Sem dúvida. Não temos dados concretos, mas as informações que o próprio CNPq tenta obter no Brasil mostram que aqueles alunos que fazem iniciação científica têm um desenvolvimento melhor na pós-graduação. Geralmente, terminam a tese mais rapidamente. Por isso, acredito que a iniciação científica favoreça a realização da pós-graduação com maior sucesso e num prazo mais curto. A longo prazo, isso também deverá gerar impacto no processo global de desenvolvimento científico e tecnológico no país.
JU - O modelo de iniciação científica da Unicamp, no que diz respeito à formação do aluno, é muito diferente do adotado por outras instituições de ensino superior no contexto nacional?
Fernando Costa - O modelo da Unicamp guarda semelhança com o das universidades estaduais paulistas e algumas federais, como a do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Mas apresenta algumas características diferentes, principalmente porque é acessível a todos os estudantes de todas as áreas. Não há cotas para determinadas áreas. Todos podem se candidatar e são escolhidos por mérito. Em muitas instituições, é estabelecido um número de bolsas por faculdades. O mais importante é que grande parte das pesquisas de iniciação científica da Unicamp é de boa qualidade e resulta em publicações.
JU - Nesse congresso, pela primeira vez, a Unicamp também apresentará trabalhos de estudantes argentinos. Qual a importância desse intercâmbio?
Fernando Costa - Teremos pela primeira vez um grupo de estudantes da Universidade de Rosário, que desenvolveram seus projetos lá e apresentarão os trabalhos de iniciação científica aqui. Esse intercâmbio resultou de um convênio estabelecido recentemente. Em contrapartida, os dois melhores trabalhos de cada área, apresentados por alunos da Unicamp, serão mostrados no ano que vem durante o congresso de iniciação científica na Argentina. Esses trabalhos serão indicados pelo Comitê Externo do CNPq, que acompanhará o nosso congresso. Esse tipo de intercâmbio é importante porque dá uma idéia para os nossos alunos do que é realizado em outro país. Além disso, favorece um fluxo altamente desejável de alunos nossos que se interessem pela pós-graduação na Argentina e vice-versa. Também fortalece a troca de idéias. A Unicamp tem um grande interesse em fortalecer parcerias com universidades de outros países, principalmente da América do Sul. Esse convênio com a Argentina é o primeiro passo nesse sentido.
JU - Em sua opinião, o governo está no caminho certo ao definir esse tipo de política para incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico no país?
Fernando Costa - É um investimento importante no futuro do País. Não só para a carreira acadêmica mas também para a formação de pessoal qualificado para atividades profissionais diversas. No âmbito nacional essa política é desenvolvida pelo CNPq, mas não podemos esquecer a política estadual através da Fapesp.