Oswald e a prática política


Oswald e Tarsila a bordo do Massília

    Escritores famosos, de várias nacionalidades, devotaram grande simpatia aos movimentos libertários. O espírito de ruptura desses movimentos atraiu sobretudo os artistas envolvidos com propostas de renovação estética radical. A primeira vista, parece impertinente apresentar, em um número especial dedicado ao Anarquismo, um texto sobre Oswald de Andrade. Mas para este escritor, os pensadores anarquistas revelaram a possibilidade de aliar a aspiração por um ideal mais humano com sua pesquisa pela liberdade de formas e estilo. Além disso, Oswald se afinou com as manifestações libertarias, da mesma forma que as vanguardas procuraram seguir à risca a lição de Proudhon, fazendo da arte o símbolo do dinamismo, do pode recriador de cada sociedade. Ao publicar em 1925 Pau Brasil, desconcertou os modernistas mais atuantes com o aproveitamento de materiais poéticos inusitados e uma proposta radical de depuramento da linguagem, que pôs abaixo os padrões vigentes de poesia; no âmbito da prosa, com Miramar e Serafim, desarticulou modernamente a estrutura da narrativa; O rei da vela inaugurou no Brasil a dramaturgia de vanguarda. Mas ao contribuir para destruir a velha ordem estética, retratou o mundo provinciano e burguês da sua época. A camada oprimida e pobre da sociedade - operários, camponeses e marginais - teve a sua chance apenas em Marco Zero. E mesmo assim, apareceu como cenário para o romancista historiar a decadência da burguesia paulista.
    Já se explorou bastante o dandismo da personalidade oswaldiana. Todavia, permanecem desconhecidas outras facetas dessa personalidade plural e instável. No primeiro volume das Memórias 1. Oswald mencionou suas ligações com intelectuais anarquistas e confessou sua admiração pelos teóricos libertários ou por manifestações ligadas a este movimento. Freqüentou a mesma roda de intelectuais em torno do poeta Ricardo Gonçalves e do líder anarquista italiano Oreste Ristori. Foi também muito amigo de outro escritor libertário, Domingos Ribeiro Filho, com quem tinha laços de parentesco. Esses companheiros de mocidade foram responsáveis pelas sugestões das primeiras leituras que começaram a modificar a sua visão burguesa e bem comportada do mundo. Embora nunca tenha sido um militante anarquista, as influências do ideário libertário espalharam no seu comportamento e mais intensamente na sua obra, depois de assimiladas outras experiências e de sua participação ostensiva na luta política, na década de 30.
    A insistência de Oswald de Andrade, em elaborar projetos que contribuíssem para a transformação geral da sociedade, passou a ser uma constante na sua obra, desde do tempos da Antrofagia. Embora, as reflexões sobre política datem da fase de ligação do escritor com o PC, de 1931 a 1945. E, curiosamente, nestes trabalhos afloram anarquicamente as marcas do ideário libertário, desviando o seu Autor de posturas partidárias ortodoxas. Os projetos de Oswald tentavam, do mesmo modo que as doutrinas anarquistas, esboçar um sistema de filosofia social cujas idéias pudessem contribuir para promover mudanças na estrutura da sociedade. A maior parte dos textos políticos foi marcada pelo caráter didático, à semelhança de roteiros para conferências ou aulas destinadas a operários; outra parte funcionou como programa, orientando a discussão interna entre os companheiros. Saindo do âmbito restrito das tarefas internas para o plano internacional, pensou sobre o movimento político da atualidade. Denunciou o desenvolvimento do fascismo no Brasil, mostrando o perigo da disseminação desta doutrina autoritária. Oswald percebeu imediatamente a ameaça que representavam as primeiras manifestações de rua dos Integralistas (1933), no Brasil, alertando os operários: " ... já começam a desfilar pelas ruas as milícias dos filhos ricos (…) debaixo da proteção da polícia burguesa e da justiça de classe".
   
O vosso sindicato, escrito em 1933, contém informações generalizadas incomuns para um escritor burguês, e, antes, próspero cafeicultor. Certamente foi o texto que serviu de base à conferencia pronunciada no "Sindicato dos Padeiros, Confeitarias e Anexos". Baseando-se nas teorias de Saint Simon, fundamentou a analise sobre o desarranjo financeiro internacional e trabalhando com a velha idéia de que "economia e política são uma simples casca da outra", analisou a causa do descalabro econômico e a dificuldade de se encontrar caminhos pacificas de organização social, em virtude da instabilidade política. Fundamentado em pesquisa minuciosa, reconstruiu a história dos sindicatos através dos séculos. Sindicato, alias era um assunto que estava em pauta na vida nacional, desde março de 1931 com a lei de sindicalizarão, que regulamentou a existência das organizações operárias e patronais. A pesquisa remontou à velha Roma, a fim de datar o surgimento de uma organização pacifica e benemerente de trabalhadores sob a forma de "colégio". Além de ser um estudo sistematizado, de caráter informativo para operários, entremeiou sua posição pessoal com a narração de fatos, enumeração de dados estatísticos, etc. Não se trata portanto de um texto frio, cuja preocupação tenha sido a de meramente alinhar dados importantes ligados ao tema. Aproveitou-se da proximidade com o publico, que o tom do discurso de uma palestra podia oferecer, para se tornar mais 'intimo dos seus ouvintes e com isso aconselhar e ensinar. Enfim, se posicionou como um professor experimentado, severo e cordial ao mesmo tempo, apresentando idéias de maneira simples e clara.
   
Alertou o operariado, menos politizado, para a força revolucionaria dos sindicatos pelo fato de serem agremiações de "despojados". A propósito lembrou, que, enquanto as associações de benemerência foram formadas por escravos, os poderosos não se sentiram incomodados; a ameaça ao Capitalismo surgiu mais tarde com as associações operárias na era das grandes indústrias. Oswald pós o dedo na ferida do mundo operário: a arma de opressão dos capitalistas - o Estado - foi sempre manipulada contra a classe trabalhadora. Considerava o Estado burguês "o comitê administrativo e policial das classes ricas". De todo modo, não descartou a relação intima das reivindicações econômicas com as conquistas políticas: as greves passaram a ter outro significado, além daquele "sentido corporativo e local de protesto econômico".
    
Traçou um panorama histórico dos antagonismos sociais no mundo de 1917 a 1933. Nesta revisão, considerou, do ponto de vista do desenvolvimento das lutas de classe, o Renascimento como um período de novo alento para a historia da humanidade sob vários aspectos: a pregação do nacionalismo; a criação do mercado mundial e dos manufaturados; o espírito de aventura e particularmente a ênfase no papel do indivíduo na sociedade.
     
Oswald de Andrade estava presenciando uma série de reformas sociais, surgidas a partir da criação do Ministério do Trabalho, em novembro de 1930. Mas as medidas necessárias foram palidamente adotadas pela Revolução e estavam longe de regulamentar a lei de férias, os salários, a situação das mulheres e crianças. Reivindicações trabalhistas estas que foram efetivadas por iniciativa da Assembléia Constituinte, eleita em 3 de maio de 1933. Esta assembléia com uma organização corporativista, lembrando a estrutura política do fascismo italiano, também apoiada pelos Tenentes, trouxe certa atmosfera de progresso. Vários historiadores admitem que a tentativa de implantação do sistema corporativista, entre outras finalidades, objetivava neutralizar a influência comunista no movimento operário. Oswald não poupou critica iniciativas populistas do governo Vargas planejadas com o objetivo de neutralizar e minimizar a atuação revolucionaria dos sindicatos. Nesse sentido, conclamou os operários a desmascararem esses "lances demagógicos", as "concessões de emergência", e os "resultados catastróficos das suas leis sociais". A situação de legalidade, proporcionada por aquela Assembléia, segundo Oswald, foi apenas aparente, uma vez que a "comédia parlamentar da Constituinte" permitiu a existência de centenas de trabalhadores presos sem processos. Como solução sugeriu aos operários: "organizar-se revolucionariamente e criar fracções revolucionarias marxistas nos organismos oficiais ou espontâneos". é interessante observar como Oswald de Andrade oscilou em suas convicções: entre adotar a orientação marxista, no que diz respeito a necessidade de se organizar as agremiações operárias, preferiu sugerir também as reuniões pautadas pela espontaneidade e de tradição anarquista. Outra proposta, inspirada nesta tradição foi a idéia de entrosar o trabalhador do campo na mesma frente, dando a entender que não devia ser meramente o interesse especifico de cada profissão o fator de união: o ponto comum seria a condição de "despojado". Para incentivar o trabalho de organização das bases operárias, recordou os momentos de bravura do proletariado paulista em face da burguesia: 1906 - a greve paulista; 1917 a greve geral; 1929 - os gráficos; 1930 -a Light; 1932 - os ferroviários. E com base nessas vitórias operárias, insistiu na necessidade de um balanço objetivo das conquistas reais e da força desses movimentos. Sem esquecer de assinalar que a grande diferença entre o proletariado em ascensão e a burguesia era a "fraqueza de se criticar e o poder de melhorar sobre a experiência dos próprios erros", aconselhou, em tom professoral, aos operários: "libertar de todas as ideologias burguesas", "fortalecer a teoria de classe" e por fim conscientizar-se de que a "emancipação do proletariado é tarefa do proletariado". Estas recomendações divergiam intensamente da proposta libertaria, que não admitia uma pratica classista, na luta por um mundo diferente.
     
A conferência captou bem a atmosfera de confusão ideológica tanto do Autor como do momento nacional. Com as reviravoltas políticas a nível internacional, repercutiu no Brasil o estado de expectativa e ansiedade em relação ao quadro de opções políticas: "As palavras 'socialismo', 'esquerda', revolucionário' abriram as suas entradas secretas, seus alçapões e labirintos aos refugiados dos terremotos capitalistas" ... Diante desse panorama, Oswald mostrou-se entusiasmado com o exemplo da realidade soviética e a atuação dos seus sindicatos, responsáveis pelas sugestões de aperfeiçoamento do regime. Confrontou esta realidade, no seu entender, ideal com a situação de miséria e exploração do mundo capitalista. Ao lado desta visão entusiasta do modelo soviético na época, realizou previsões atualíssima e certeiras, que se confirmaram no mundo ocidental, décadas depois: "0 dia de amanhã será com certeza pior do que o de hoje. A racionalização capitalista continuará a despedir, a diminuir os salários, a tapear os seguros, a perseguir e entregar à polícia os trabalhadores conscientes".
    
Dois pontos podem ser destacados como novidade no pensamento critico dos intelectuais modernistas. Antes de mais nada, a escolha política feita por Oswald foi singular, comparando-se com a dos seus companheiros. Oswald tentou contribuir concretamente, como escritor, através de uma produção especifica e orientada, mesmo considerando-se a ingenuidade e pobreza das argumentações teóricas. Voltados para a educação e o crescimento espiritual do trabalhador, seus textos são ricos de sugestões com a intenção de auxiliar o operário na reflexão sobre seus direitos políticos e sobre seu papel na luta pela transformação da sociedade. Entusiasta, superdimensionado foi o papel traçado, pelo escritor, para a ação do proletariado no futuro da humanidade. E nesse percurso, não deixou de anotar a dívida dos movimentos operários para com o "mundo sonhado pelos utopistas e anarquistas". Outro elemento novo, na reflexão dos modernistas na década de 30, foi a crítica explícita à Revolução Constitucionalista de 32. Elogiou a atitude dos operários por não se ter deixado levar pela "histeria pequeno-burguesa das paulistas. .. " e por não " (... ) formar batalhões patrióticos sob a direção dos sicários da ordem social e dos tubarões da ordem feudal"
    
Em 'O Lar do operário" (do início da década de 40) traçou a síntese de um programa social, espécie de plataforma política. Ao esboçar sua visão crítica da sociedade, apresentou uma análise pessimista: "vagamos em pleno caos". No radiagnóstico do mundo capitalista, seus argumentos endossaram afirmações simplórias do tipo: 'O Capitalismo é gravemente acusado de ter feito aflorar todos os ódios subterrâneos de que a humanidade primitiva ela capaz"; ao lado de sugestões como: " É portanto nos desregramentos da economia que devemos procurar os males que tanto desasossegam o homem moderno"; e conclusões que consideravam a redução ao símbolo monetário de toda a gana das ambições humanas a origem do "profundo desgosto que inquieta todo mundo". Análises e conclusões entremeados de motivos da pregação libertária: "É o sentimento individual da competição que rompe a tessitura da coletividade. Necessário (…) reeducar um ser viciado na adulação e no reclame como é o homem atual".
    
Fazendo um panorama dos movimentos propulsores de transformações sociais importantes, observou que depois da revolução francesa, ao contrário do que se esperava, a exploração do homem pelo homem tornou-se mais organizada. Decepcionou-se com o surto civilizador do século XIX, no tocante às conquistas sociais. A obra dos enciclopedistas, no seu modo de ver, refletiu o protesto sentimental contra as velhas pressões e não passou de uma proposta primária de planos liberais. Considerou mais alentador o surgimento do "socialismo utópico", sobretudo quando este discutiu questões concretas do ponto de vista social e econômico.
      
Na elaboração dos planos sociais, Oswald achava importante observarem se as coordenadas histórico-geográficas de nosso país, evitando-se as costumeiras transplantações de sistemas sem as adaptações necessárias. Apesar de ter se manifestado contra a política ditatorial fascista do Estado Novo, admitiu que "de 1937 para cá rumou o país para os moldes necessários às suas íntimas transformações. O Estado Novo colocou o Brasil na marcha da historia contemporânea". A leitura dos textos oswaldianos da década de 30, leva-nos a perceber a consciência que o escritora tinha do grau destas mudanças e do tipo de modernização, em processo, bastante precário, não modificando substancialmente a estrutura econômico-social preexistente. De qualquer forma Oswald de Andrade, como vimos, reconheceu as novidades colocadas em cena e que foram bem assinaladas pelos estudiosos do período 2: advento de uma sociedade urbano-industrial, fim do predomínio da oligarquia agro-exportadora e dos particularismos de ordem local, predomínio da ordem pública.
     
Mesmo não demonstrando em nenhum momento simpatia pelos sistemas totalitários, aceitava, para determinados períodos de reconstrução da sociedade o poderio superior do Estado, com o objetivo de sanear a vida política, econômica e financeira de uma nação; recomendava sobretudo a ordem e o equilíbrio como terapias imprescindíveis.
    
Quando sugeriu a intromissão do Estado na política reestruturadora, não pensou evidentemente no Estado burguês - "inimigo dos operários". O programa de reconstrução social, claramente exposto em "0 Lar do operário "afastou-se da espontaneidade anarquista na luta pela reconstrução social e propôs um Estado tutelar, provisório. Todavia, este sistema devia admitir a construção pelo próprio indivíduo "de seu clima de liberdade" conquistado pelo trabalho pessoal de cada um. A responsabilidade do Estado consistia na tutela dos níveis baixos de vida e na responsabilidade de sua constante evolução.
    
Introduziu um conceito especial de propriedade: lar, "a célula dignificante de todo homem e o ponto de apoio de toda a estrutura coletiva". Na impossibilidade de, nesta primeira fase de seu projeto de reestruturação da sociedade, abolir se completamente as classes, aceitou a existência de camadas: a primeira colocada sob a tutela direta do Estado, em seguida a do operário, dignificado pela "conquista de um lar". Não explicou como se realizaria a convivência com as outras camadas. Da mesma forma, fazia conjecturas sobre o destino do Estado, depois de restabelecido a "saúde social": "pura função policial, ladeando uma comunhão de homens livres" ou sua completa extinção, Durante o período de transição, planejou como tarefa a ser desempenhada pelo Estado a assistência à massa desamparada ("0 lar do Estado"). Com este projeto, Oswald tentou simploriamente resolver a disputa entre a tendência coletivista (propondo O Lar do Estado) e a individualista (O Lar do Operário).
     
Lançou mão de vários receituários ideológicos, a fim de traçar um programa de reformas sociais mais próximo da realidade. Não teve nenhum pudor em misturar o ideário dos pensadores utópicos e anarquistas às propostas adversárias do Partido. Influenciado pelas idéias anarquistas, concebeu o esquema da divisão das tarefas de acordo com a habilidade e com o esforço pessoal. O trabalho intelectual ou técnico devia ser condicionado apenas pelo "exclusívo valor mental", sem condicionamentos de classes. Repetidas vezes, Oswald de Andrade manifestou esta opinião: "Haverá sempre uma seleção de elites culturais por especialização vocacional. O acesso à cultura geral tem que ser facilitado e atribuído a todos. Isso sim. Mas os temperamentos e as cabeças divergem".
     
É bem verdade que na fase de relacionamento com o Partido Comunista, Oswald perdeu o entusiasmo pelas teorias anarquistas que o animaram desde o seu tempo de estudante de Direito. Os textos da década de 30 refletem esta atmosfera, embora deixem transparecer também idéias opostas aos princípios do Partido ao qual estava ligado. Assim se verificou quando Oswald analisou o papel do Estado na transformação e no desenvolvimento de uma nova sociedade. Não aceitou o Estado burguês repressivo e defensor do sistema capitalista, também não viu com bons olhos a dominação permanente de um Estado totalitário. Além disso, durante este período de ativismo político, colocou em quarentena o vigor das teorias estéticas renovadoras da década de 20 e as reivindicações mais ousadas de caráter geral. Inclusive a proposta anarquista, esboçada na Antropofagia, de reivindicação da posse contra a propriedade foi suspensa até os anos 40, quando a retomou nos ensaios de filosofia, nas famosas teses universitárias e de modo muito irreverente no volume "A revolução melancólica" do Marco Zero. Na teoria da "economia do ser" desenvolvida ainda no período antropofágico, em contraposição à "economia do haver", Oswald de Andrade chegou bem perto da tentativa de abolição do dinheiro proposta pelas sociedades libertarias. Pregava a Antropofagia, na esteira do Anarquismo, a imediata distribuição equânime dos bens adquiridos, tomando como base o sistema de serviços prestados e benefícios retribuídos.
    
Oswald também em questões anarquistas não foi ortodoxo, como não o foi durante suas ligações com o Comunismo. Aliás dogmatismo não passava por seus projetos, estando sempre pronto a rever suas idéias. Em depoimento fragmentado ele se auto-analisava: "Tem apenas a coragem das suas transformações. É um ultra sensível ( ...) Colonial com Théatre Bresilien (l9l6), anarco-cristão com a desgraça e a solução sentimental a que se acolhe o lumpen de que fazia parte como boêmio em (l922), anarco-feudal em Pau brasil e Primeiro Caderno - reflexo da alta vida a que subira com a fortuna herdada extremando-se em anarco-indígena com Serafim e a Antropofagia comunista enfím (... )" 3. A sua trajetória literária dá para ilustrar nossa argumentação, sem precisar recorrer a outros depoimentos. Em 1933, renegou os princípios burgueses no famoso prefácio do Serafim, mas fez também a autocrítica de seu engajamento político, e ao romper com o Partido Comunista ofereceu, nas paginas dos principais jornais do país, um balanço critico contundente da atuação deste Partido no cenário político nacional. Como vínhamos assinalando, são infinitas e bem evidentes as afinidades entre Oswald e as diferentes teorias anarquistas. Mesmo assim, o escritor não hesitou em tecer criticas ao desempenho de certas lideranças no nosso país. Embora longa a citação, é interessante ouvi-lo diretamente sobre o problema: "No Brasil, o Anarquismo ou se despe nos braços de sonhadores boçais ou veste francamente a roupa "apolitíca" da polícia política. Tem assim produzido as maiores traíções à classe dos trabalhadores, sempre ligado a generais da milícia ou do trotskismo. Como no Brasil tudo chega atrasado, isso se explica. A hora do Anarquismo já passou. Hoje só se atinge o bem individual através do bem coletivo. Foi no século passado no apogeu do Capitalismo individualista que o Anarquismo prosperou. Veja-se a onda emocional de Níetzche e Dostoiewski, a politica de Bakunin e Vera Zassoutitch, a filosofia de Schopenhauer a Bergson, a estética do Impressionismo ao Pontilhismo e ao Fauvismo"4.
   
No que diz respeito à assistência direta ao trabalhador, dentro da sua especialidade, Oswald de Andrade esteve preocupado com a educação e a informação no plano da cultura em geral. Como os anarquistas, acreditava que a emancipação intelectual do trabalhador era um passo para a caminhada com destino à revolução. Programou edições voltadas para o operariado, com o enfoque de assuntos, que além de ser de interesse do trabalhador, despertassem sua curiosidade e o desejo de ampliar seus conhecimentos. O projeto da "Pequena Enciclopédia Proletária", por exemplo, previa a edição de 50 volumes de 100 a 200 páginas, englobando conhecimentos gerais, com volumes voltados especificamente para a literatura, artes plásticas, música, cinema, TV, informações sobre fatos cotidianos, biografias e aspectos particulares de política operária, etc. Enfim, uma mini-biblioteca, cujos temas estavam selecionados por volumes, e que certamente não se tornou realidade. Oswald de Andrade voltaria à política depois de seu desligamento do Partido Comunista. No final da década de 40, candidatou-se a Deputado Federal pelo Partido Republicano Trabalhista. A sua plataforma eleitoral estava sintetizada no lema: Pio, Teto. Roupa, Saúde, Instrução e Liberdade. Trazia também a propaganda do seu percurso de escritor, jornalista e polemista famoso com depoimentos de vários intelectuais dos mais variados credos ideológicos: de Jorge Amado e Astrogildo Pereira a Gilberto Freyre, Tristão de Athayde e Cassiano Ricardo. Esse candidato da "mulher trabalhista" e do "trabalhador intelectual" não conseguiu eleger-se.

REFERÊNCIAS:

1. Oswald de Andrade. Um homem sem profissão. Rio de Janeiro, Cív. Brasileira, 1974.

2. Eli Diniz. O Estado Novo. Estrutura de poder e Relações de Classes. ln: Boris Fausto (org.) O Brasil Republicano. São Paulo, Difel, 1981. t. 3, v. 3, p. 79-120.

3. Fragmento de manuscrito, sem titulo.. Acervo Oswald de Andrade (Coleção Adelaide Guerrini de Andrade) Centro de Documentação IEL-UNICAMP.

4. Fragmento de manuscrito, sem titulo. Acervo Oswald de Andrade (Coleção Rudá e Marília de Andrade) .