Apresentação

O leitor vai achar aqui estudos de todo tipo, unidos por uma questão comum: como se define e representa a pobreza nas letras brasileiras?

Um primeiro contingente destes trabalhos foi publicado numa revista voltada para assuntos políticos e econômicos ( Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, vol. I, nº 2, abril de 1982) A idéia era trazer - ainda que em escala mínima - a influência anti-simplista e antidogmática da literatura ao debate sobre as classes sociais. Algum tempo atrás, um plano destes seria recebido como prova de conteudismo e cegueira para os valores propriamente estéticos. Hoje, depois do banho formalista dos últimos anos, a desconfiança parece que perdeu a razão de ser. O contra-senso de usar a ficção como documento bruto se desprestigiou. Entretanto, nem por isso a questão da realidade deixou de existir, e se de fato a insistência na forma, na primazia da organização sobre os elementos de conteúdo serviu para distinguir a linguagem artística das demais, ela também permite o confronto e algo como uma competição entre as linguagens, devolvendo à literatura a dimensão de conhecimento que ela evidentemente tem. Basta não confundir poesia e obra de ciência, e não ser pedante, para dar-se conta do óbvio: que poetas sabem muito sobre muita coisa, inclusive, por exemplo, sobre a pobreza. Embora a lista de autores estudados venha da Colônia aos nossos dias, não houve intenção de amarrar uma História, nem de ser exaustivo. Ao propor o tema a eventuais colaboradores, não procurei fixar pontos de vista em comum, e deixei por sua conta as definições e a escolha dos ângulos críticos. Num livro escrito a sessenta mãos o interesse tem de estar na diversidade de critérios, e nas surpresas.
Por que tantos autores? Simplesmente (e sem intenção de fazer espírito) porque os críticos e os professores de letras hoje são muitos, o que é um fato novo, com impasses visíveis e possibilidades inexploradas. As teses, os especialistas e as verbas multiplicaram-se nos últimos anos, sem vantagem tangível para a crítica nova. O mais provável é que este crescimento quantitativo se esgote no interior da própria máquina de suscitar e anular pensamento que é a universidade. Haverá possibilidade de socializar uni pouco a força de pesquisa e de reflexão dos professores, de chamá-la às questões estéticas que a realidade propõe, e que, contrariamente ao preconceito, são importantíssimas ? Urna vez que prefácios existem para divagar, penso em algo como o esforço de critica que neste momento está fazendo uma ala numerosa e notável de economistas, que nos permite seguir de olhos abertos as desgraças que o futuro, o regime e outros economistas nos preparam. Terminando, valha lembrar que as crises da literatura contemporânea e da sociedade de classes são irmãs, e que a investidas artes modernas contra as condições de sua linguagem tem a vê com a impossibilidade progressiva, para a consciência atualizada de aceitar a dominação de classe. Assim, num sentido que não está suficientemente examinado, a situação da literatura diante da pobreza é unia questão estética radical.

Roberto Schwarz (org.)

julho de 83