Graduação, 2o Semestre de 2007 - Segundas, das 10 às 12 h; terças, das 10
às 12 h.
Departamento de
Filosofia - Unicamp
http://www.unicamp.br/~chibeni
Exame final –
10/12/2007
Observações:
·
Respostas que consistam de longas citações sem nenhuma explicação não
serão aceitas.
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Ao
citar algum trecho ou expressão, use aspas.
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Responda
de forma objetiva. Seja sucinto, mas
não esquemático. As respostas desta prova não devem exceder, cada uma, 1 página
manuscrita.
·
As
questões desta prova valem 2,0 cada. As notas serão divulgadas no site. Quem
não obtiver média 5,0 deverá fazer exame e nele obter, para ser aprovado, nota
igual ou superior à que, em média aritmética com a média das provas, dê 5,0.
Questões:
1. Explique a distinção que Berkeley traça, na Introdução dos Princípios, entre idéias abstratas e de idéias gerais. Sua explicação deve deixar claro por que Berkeley afirma, no §12 : “Deve-se notar aqui que não nego absolutamente que haja idéias gerais, mas apenas que haja idéias gerais abstratas.”
2. Exponha o argumento de Berkeley para a tese de que o conceito de matéria é contraditório (indicando os parágrafos dos Princípios onde ocorrem os passos principais desse argumento).
3. a) Segundo Berkeley, essa crítica à substância material se aplica também à substância espiritual? b) O que é, para Berkeley, um espírito? (Indique parágrafos que justifiquem sua resposta.)
4. Exponha o argumento de Berkeley para a existência de Deus (indicando os parágrafos dos Princípios onde ocorrem os passos principais desse argumento).
5. No § 40 dos Princípios lemos a frase: “Mas não vejo como o testemunho dos sentidos possa ser alegado como prova da existência de algo que não é percebido pelos sentidos.” Explique essa frase, considerando o contexto em que ocorre.
Respostas (exame final – 10/12/2007):
1. Idéias abstratas
são aquelas que, segundo os autores que Berkeley critica (principalmente
Locke), resultariam de um processo de eliminação (i.e. abstração) de alguns
elementos de uma dada idéia particular. Assim, por exemplo, a partir da idéia
de uma rosa particular, que é uma idéia complexa envolvendo uma certa forma,
uma cor, um cheiro, um tamanho, uma localização espacial, um peso, etc.,
poderíamos obter a idéia abstrata de rosa, eliminando da idéia particular
aquela cor, aquela forma exata, aquele tamanho, etc. Para Berkeley esse seria
um processo impossível: não é possível, por exemplo, conceber uma rosa sem cor,
sem um dado tamanho, sem uma forma. Tanto Berkeley como seus oponentes mantêm
que uma idéia geral é aquela que representa mais do que um indivíduo. A
diferença é que o oponente propõe que idéias se tornam gerais justamente pelo
processo de abstração; idéias gerais seriam idéias abstratas. Berkeley, por
outro lado, propõe que, não havendo idéias abstratas, uma idéia particular se
torna geral não por qualquer alteração em sua natureza, mas quando deliberamos
tomá-la como denotando, indiferentemente, qualquer outra do mesmo tipo; a
generalidade reside “na relação que [a idéia particular] mantém com as [outras
idéias] particulares significadas ou representadas por ela” (§ 15). Assim, há
idéia gerais, mas não idéias gerais abstratas; as idéias que funcionam como
representantes gerais de sua classe são, elas mesmas, particulares.
2. O argumento principal está nos Princípios, §§ 4, 7 e 9. Berkeley lembra que o conceito de matéria é (na versão moderna) o de “uma substância inerte, sem capacidade de sentir [ou perceber], na qual a extensão, a forma e o movimento de fato subsistem” (§9). No entanto, segundo Berkeley propõe nos §§ 1 e 3, extensão, forma, movimento, etc. são apenas idéias; e idéias são algo cuja existência consiste em ser percebido. Mas então a matéria seria algo incapaz de perceber, que no entanto é onde subsiste algo cuja essência consiste em ser percebido, o que é uma contradição.
3. a) Não. A contradição só existe no caso
da substância material (que, como explicado na resposta precedente, teria de
ser algo sem poder algum de sentir, e ao mesmo tempo o ser no qual subsistem
idéias, que são seres que só existem se forem percebidos). b) Um espírito, por
outro lado, é uma substância ativa: é o ser que percebe idéias, e exerce sobre
elas diversas operações, como querer, imaginar, relembrar, combinar (§§ 2, 7,
27). Assim, para Berkeley só há uma substância no mundo (§ 7), a substância
espiritual. Dela são formados Deus e os seres humanos (e eventualmente outros
seres pensantes, como os anjos). Os corpos são coleções de idéias (§§ 1 e 3),
sendo portanto apenas afecções ou acidentes da substância espiritual.
4. O argumento aparece, pela primeira vez, em esboço, no § 6: como os corpos são compostos de idéias, e idéias não existem se não forem percebidas, “se [os corpos] não forem percebidos por mim ... nem por algum outro espírito criado, não existirão de nenhuma forma, ou então subsistirão na mente de algum espírito eterno” (i.e. Deus). Dessa forma, para acomodar a concepção razoável, de senso comum, de que o mundo tem existência permanente, independente de sua casual observação por seres humanos, devemos concluir que existe esse espírito eterno, supremamente poderoso, que percebe o mundo continuamente, garantindo assim sua existência. No § 29 o argumento é retomado, desta vez a partir da consideração de que muitas das idéias que percebo são involuntárias: isso mostraria que “há uma vontade ou espírito que as produz”. Nos parágrafos 30 a 33 Berkeley argumenta que essa causa é muito sábia, pois as idéias que produz obedecem a leis estáveis, coerentes, capazes de nos assegurar uma conduta com resultados previsíveis.
5.
Esse parágrafo faz parte da resposta de Berkeley à primeira objeção ao seu
sistema – de que nele tudo o que é real e substancial na Natureza seria
eliminado, de que a distinção entre ficções e coisas reais desapareceria (§
34). A isso Berkeley responde que as coisas reais – espíritos e corpos –
continuam existindo como no sistema comum; só que os corpos não são mais
entendidos como substâncias, e sim como coleções de idéias produzidas pelo
espírito divino. No § 40 ele considera a pessoa que, diante disso, objete que,
apesar de tudo, ainda “acredita nos sentidos”, querendo com isso afirmar que os
corpos existem, enquanto substâncias materiais, porque são vistos, palpados,
etc. Ora, há uma confusão aqui, diz Berkeley. Ele também, e ainda mais que seus
adversários, acredita nos sentidos: o que eles mostram é indubitavelmente real.
Mas os sentidos nunca mostram a substância material propriamente dita.
Substâncias, por sua própria definição, seriam imperceptíveis – o suporte ou
causa dos acidentes, ou qualidades sensíveis (no caso da substância material).
O que os sentidos revelam são apenas essas qualidades, que, como Berkeley
argumentou no § 3, são apenas idéias. Os sentidos são, pois, por princípio
inteiramente impotentes para estabelecer a doutrina filosófica metafísica da
existência da matéria.