HG 752 – Tópicos Especiais de História da Filosofia Moderna IV

Graduação, 2o Semestre de 2007  - Segundas, das 10 às 12 h; terças, das 10 às 12 h.

 

Prof. Silvio Seno Chibeni

Departamento de Filosofia - Unicamp

http://www.unicamp.br/~chibeni

 

 

Lista 2 - Questões sobre a Introdução dos Princípios do Conhecimento Humano (Berkeley)

 

 

Observações:

 

·        Esta lista não é para nota; visa somente a auxiliar o estudo dos textos do curso.

·        Forme um par com outro colega e troque com ele as respostas (redigidas individualmente). Cada um procurará corrigir a lista do outro, se preciso consultando os textos apropriados. Depois, marquem um encontro para discussão detalhada dos pontos de divergência ou dúvida.

·        Responda de forma objetiva. Seja sucinto, mas não esquemático. Cuide para que cada sentença faça sentido completo e seja compreensível por uma pessoa que não conheça o assunto. Verifique cuidadosamente a correção gramatical do que escreve. Não responda em bloco de várias questões. Deixe amplas margens, para permitir anotações.

·        Indique de forma precisa os parágrafos dos Princípios pertinentes à suas respostas.

 

Questões:

  1. a) Como, nos parágrafos 7 a 9 da Introdução, Berkeley explica o modo pelo qual, segundo seu adversário (Locke), as idéias abstratas de cor e homem seriam formadas? b) Cite passagens do Ensaio que apóiam essa leitura de Berkeley.

2.       No § 10 Berkeley inicia sua crítica a essa proposta, dizendo que pelo menos ele, Berkeley, não é capaz de formar tais idéias abstratas. Admite, porém, que podemos abstrair idéias, em outro sentido. Explique esses dois sentidos de abstração.

3.       No § 11 Berkeley cita uma passagem do Ensaio e logo em seguida dá, pela primeira vez, a sua resposta ao problema central levantado por Locke de como os termos se tornam gerais. Qual é essa resposta? (Apresente, na sua resposta, um dos exemplos dados por Berkeley.)

4.       Nos § 12 e 15 Berkeley fornece a sua explicação das idéias gerais. a) Apresente essa explicação. b) Encontre, no Ensaio, uma passagem em que Locke expõe essencialmente a mesma explicação. (Cite e comente as semelhanças e, se for o caso, as diferenças.)

5.       No § 16 Berkeley considera a objeção à teoria proposta (segundo a qual tudo o que existe –palavras, idéias, coisas – é particular), de que, se assim fosse, uma demonstração de uma proposição geométrica feita acerca de um triângulo só valeria para ele, e não de forma universal. Explique melhor essa objeção e mostre como Berkeley a responde.


 

Respostas (S. S. Chibeni):

 

  1. a) Quando se percebe pela visão um objeto extenso, colorido em movimento, forma-se na mente um idéia complexa. Segundo Locke, a mente poderia, então, analisar essa idéia em seus componentes, considerando cada um deles – idéias simples – em si próprios, sem os demais, formando assim, por abstração, as idéias de extensão, cor e movimento (§ 7). No parágrafo 8 Berkeley, também seguindo corretamente Locke, complementa dizendo que, segundo essa teoria, o processo de abstração pode ser motivado pela observação de vários objetos, notando-se eventualmente a semelhança que existe entre eles. Na abstração a mente reteria o que é comum, deixando de lado o resto. Quanto à idéia de homem (§9), tem-se o mesmo processo, só que agora se retém, da idéia de um homem particular, um conjunto de idéias, e não uma idéia simples. b) Vejam-se por exemplo, Essay III iii 6, 7 e 8, que tratam dos mesmos casos, nessa mesma ordem:

6: “ideas become general, by separating from them the circumstances of time and place, and any other ideas that may determine them to this or that particular existence”.

7: “The ideas of the nurse and the mother are well framed in their [young children’s] minds; and, like pictures of them there, represent only those individuals. The names they first gave to them are confined to these individuals; and the names of nurse and mamma, the child uses, determine themselves to those persons. Afterwards, when time and a larger acquaintance have made them observe that there are a great many other things in the world, that in some common agreements of shape, and several other qualities, resemble their father and mother, and those persons they have been used to, they frame an idea, which they find those many particulars do partake in; and to that they give, with others, the name man, for example. And thus they come to have a general name, and a general idea. Wherein they make nothing new; but only leave out of the complex idea they had of Peter and James, Mary and Jane, that which is peculiar to each, and retain only what is common to them all.”

8: “By the same way that they come by the general name and idea of man, they easily advance to more general names and notions. For, observing that several things that differ from their idea of man, and cannot therefore be comprehended under that name, have yet certain qualities wherein they agree with man, by retaining only those qualities, and uniting them into one idea, they have again another and more general idea; to which having given a name they make a term of a more comprehensive extension: which new idea is made, not by any new addition, but only as before, by leaving out the shape, and some other properties signified by the name man, and retaining only a body, with life, sense, and spontaneous motion, comprehended under the name animal.”

 

  1. A abstração que Berkeley não considera possível é a que envolve idéias simples: separar a cor e a forma de um objeto, ou seu movimento de sua extensão. Mas se a abstração parar antes, num ponto em que o que se separa são partes de qualidades que podem realmente existir separadas, então Berkeley considera a abtração possível; é o que ocorre, por exemplo, quando a partir da idéia de um homem particular, abstraímos a parte referente à sua mão, ou ao seu nariz.

 

  1. Uma palavra se torna geral quando é usada como signo, não de uma idéia abstrata (o que não existe), mas de várias idéias particulares indiferentemente. Os exemplos dados por Berkeley são proposições que envolvem termos gerais, como por exemplo o enunciado da segunda lei de Newton: A mudança de movimento é proporcional à força impressa. Esse enunciado se aplica indiferentemente a qualquer movimento (rápido, lento, perpendicular, horizontal, oblíquo) e a qualquer objeto (pequeno, grande, sólido, líquido, de terra, de gelo, quente, frio, etc.).

 

  1. a) Uma idéia, que em si é sempre particular, se torna geral quando é feita representar ou designar todas as outras do mesmo tipo (§ 12). Portanto, a universalidade de uma idéia (e também de um termo) não consiste na concepção absoluta, positiva de algo, mas na relação que tem com os particulares que denota ou representa (§ 15). b) No Essay III iii 11 Locke defende exatamente esse mesmo ponto:

General and universal are creatures of the understanding, and belong not to the real existence of things. To return to general words: it is plain, by what has been said, that general and universal belong not to the real existence of things; but are the inventions and creatures of the understanding, made by it for its own use, and concern only signs, whether words or ideas. Words are general, as has been said, when used for signs of general ideas, and so are applicable indifferently to many particular things; and ideas are general when they are set up as the representatives of many particular things: but universality belongs not to things themselves, which are all of them particular in their existence, even those words and ideas which in their signification are general. When therefore we quit particulars, the generals that rest are only creatures of our own making; their general nature being nothing but the capacity they are put into, by the understanding, of signifying or representing many particulars. For the signification they have is nothing but a relation that, by the mind of man, is added to them.”

 

  1. Considere, por exemplo, a proposição P: a soma dos três ângulos internos de um triângulo qualquer é igual à soma de dois ângulos retos. Segundo a objeção, ao demonstrar que essa relação vale usando um dado diagrama, a demonstração ficaria restrita ao triângulo particular representado pelo diagrama. Berkeley responde que assim não é, pois embora na demonstração se use um triângulo particular, por exemplo, um triângulo isóceles com lados de certos tamanhos, podemos estar certos de que a proposição vale para qualquer triângulo, porque na demonstração essas particularidades não desempenham nenhum papel, elas não são sequer mencionadas. Assim, uma proposição geral pode ser estabelecida sem necessidade de recorrer a idéias abstratas (que não existem).