Graduação, 2o Semestre de 2007 - Segundas, das 10 às 12 h; terças, das 10
às 12 h.
Departamento de
Filosofia - Unicamp
http://www.unicamp.br/~chibeni
Prova 1 (16/10/2007)
Observações:
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Respostas que consistam de longas citações sem nenhuma explicação não
serão aceitas.
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Ao
citar algum trecho ou expressão, use aspas.
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Responda
de forma objetiva. Seja sucinto, mas
não esquemático. As respostas desta prova não devem exceder, cada uma, 1 página
manuscrita.
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Cuide
para que cada sentença faça sentido completo e seja compreensível por uma
pessoa que não conheça o assunto.
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Não
responda em blocos de várias questões; separe também os sub-itens (a, b). Deixe
amplas margens, para permitir anotações.
Questões:
1. a) Para Locke, o que é uma idéia geral? Como seria formada na mente? Dê um exemplo. b) Qual o cerne da crítica de Berkeley a essa(s) tese(s) filosófica(s)?
2. Apresente, resumidamente, a(s) tese(s) e/ou argumento(s) principal(is) dos § 1 e 3 dos Princípios. Nesse resumo devem ser mencionados ou destacados os seguintes conceitos: objetos do conhecimento humano, idéias, coisas (maçã, pedra, etc.), coleções de idéias, existência fora da mente, ser percebido pela mente, esse é percipi.
3. a) Qual a possível objeção à tese da inexistência da matéria que Berkeley considera no § 8? b) Qual a resposta que dá a essa objeção?
4. No § 18 Berkeley deixa de lado a tese ontológica da inexistência da matéria, admitindo, para efeito de argumento, que a substância material possa existir. Argumenta, porém, que, de um modo ou de outro, isso seria algo incognoscível. a) Por que, segundo Berkeley, a existência da matéria não pode ser conhecida pelos sentidos? b) Por que também não pode ser conhecida pela razão?
5. No parágrafo 18, a crítica à cognoscibilidade da matéria por vias racionais assume que uma inferência racional da existência da matéria a partir das idéias que temos teria caráter necessário, dando-se por demonstração. Nos §§ 19 e 20, Berkeley passa a considerar uma alternativa mais fraca: que a existência da matéria explica naturalmente as nossas sensações ou idéias, e que portanto podemos inferir (“abdutivamente”, como diríamos hoje) que, provavelmente, a matéria existe. Exponha o ponto central da crítica de Berkeley a esse raciocínio.
Respostas (S. S. Chibeni):
1. a) Uma idéia geral é aquela capaz de representar mais do que um indivíduo (substância ou qualidade) (Essay III iii 6). A mente forma as idéias gerais por abstração (II xi 9, III iii 6). A idéia geral de água, por exemplo, resulta da idéia de uma porção de água particular, contida num determinado copo, da qual se abstraem a forma, a sensação térmica de frio, a localização, o tamanho, o movimento, etc., deixando apenas a idéia de um corpo líquido transparente, inodoro, insípido e pesado.
b) Para Berkeley, as idéias gerais não são o resultado de um processo de abstração. Esse processo é em geral impossível; a mente não consegue, por exemplo, separar a cor da forma, ou o peso do tamanho da idéia particular de água referida no item (a). Segundo Berkeley, uma idéia geral é simplesmente uma idéia particular à qual atribuímos uma função representacional, relativamente a outras do mesmo tipo; a idéia é geral apenas enquanto símbolo.
2. Os objetos do conhecimento humano são idéias. Pela visão, por exemplo, conhecemos cores, formas, movimentos; pelo olfato, cheiros; pelo paladar, gostos. Assim, quando dizemos que conhecemos uma coisa – uma maçã, por exemplo – , o que de fato conhecemos é uma coleção de idéias. Passando desse ponto epistemológico para um ontológico, Berkeley propõe que as coisas usualmente tidas como materiais (corpos) são coleções de idéias. Elas não têm, portanto, existência fora da mente, pois o ser de uma idéia consiste em ser percebida por uma mente (seu esse é percipi).
3. a) A essa tese ontológica-epistemológica o realista objeta que “embora as idéias, em si, não existam fora da mente, pode haver coisas parecidas com elas, das quais são cópias ou semelhanças, coisas essas que existem fora da mente, numa substância não pensante”. b) A isso Berkeley replica que “uma idéia não pode ser semelhante a nada, exceto outra idéia; uma cor ou forma [por exemplo] só pode se assemelhar a outra cor ou forma”. Berkeley pergunta: Esses supostos originais externos da idéias são perceptíveis? Caso sejam, serão idéias e sua tese estará confirmada; caso não, será sensato dizer que uma cor se parece com algo invisível, ou as sensações de duro ou macio se parecem com algo intangível? Não, é claro. Isso mostra que a tese realista em questão não tem sustentação possível.
4. a) Porque, como Berkeley argumentou já no § 1 (ver questão 2, acima), o que os sentidos fornecem são apenas idéias, não suas supostas causas materiais (os corpos, entendidos como substâncias materiais). b) Para chegarmos a essas causas precisaríamos, então, de algum modo inferi-las a partir das idéias que temos. Tradicionalmente, a razão é entendida como a faculdade pela qual fazemos inferências lógicas, ou demonstrativas. Tais inferências garantem com absoluta certeza e necessidade a conclusão, se as premissas forem verdadeiras. Ora, no caso em foco essa característica de certeza e necessidade não está presente, pois é facilmente concebível que tenhamos exatamente as idéias que temos sem que existam os correspondentes corpos: é o que se admite ocorrer nos sonhos e nas alucinações, por exemplo. Logo, a inferência dos corpos a partir das idéias não pode ser lógica ou racional, no sentido clássico do termo.
5. A alternativa considerada por Berkeley nesses parágrafos 19 e 20 consiste em enfraquecer a forma de inferência. Ao invés de inferências lógicas, teríamos inferências do tipo “abdutivo” – na nomenclatura introduzida por Peirce. O raciocínio seria: se a existência da matéria explica, de forma natural, as idéias que temos (em algumas de suas características marcantes, como a regularidade, a coerência, etc.), então é provável que a matéria de fato exista. Embora essa inferência não garanta com certeza a existência da matéria, garantiria, pelo menos, algum grau elevado de probabilidade para essa existência. Essa perda de certeza não é criticada por Berkeley. Ele aponta um problema mais grave: se, como se admite em geral, nada sabemos sobre a substância material em si – e, em especial, não sabemos como ela produziria idéias em nossa mente –, a suposição de sua existência não pode funcionar como base de nenhuma explicação. A postulação da substância é, pois, inútil para todos os fins explicativos, não devendo, pois, ser feita.