HG 752 – Tópicos Especiais de História da Filosofia Moderna IV

Graduação, 2o Semestre de 2007  - Segundas, das 10 às 12 h; terças, das 10 às 12 h.

Prof. Silvio Seno Chibeni

Departamento de Filosofia - Unicamp

http://www.unicamp.br/~chibeni

 

Prova 2 – 27/11/2007

 

Observações:

·        Respostas que consistam de longas citações sem nenhuma explicação não serão aceitas.

·        Ao citar algum trecho ou expressão, use aspas.

·        Responda de forma objetiva. Seja sucinto, mas não esquemático. As respostas desta prova não devem exceder, cada uma, 1 página manuscrita.

·        Não responda em blocos de várias questões; separe também os sub-itens (a, b). Deixe amplas margens, para permitir anotações.

·        As questões desta prova valem 2,0 cada. As duas provas têm pesos iguais na composição da média.

·        As notas serão divulgadas no site. Quem não obtiver média 5,0 deverá fazer exame e nele obter, para ser aprovado, nota igual ou superior à que, em média aritmética com a média das provas, dê 5,0.

 

Questões:

1.     Exponha de forma completa o argumento de Berkeley para a inexistência da matéria. (Indique a localização, em pelo menos um dos livros, dos pontos principais de sua resposta.)

 

2.     Ao defender essa tese da inexistência da matéria Berkeley pode ser tachado de cético? Justifique sua resposta, citando trechos relevantes dos parágrafos iniciais dos Diálogos (Primeiro Diálogo, p. 173 da edição standard), nos quais os personagens discutem o que é ser cético.

 

3.     Quando, no Segundo Diálogo, é discutida a existência de Deus, uma das frases de Filonos é a seguinte: “Ah! Mas a diferença [entre os cristãos e outros homens que acreditam em Deus e eu] é esta: Os homens comumente acreditam que todas as coisas são conhecidas ou percebidas por Deus porque acreditam na existência de um Deus, enquanto que eu concluo de forma imediata e necessária que existe um Deus porque todas as coisas sensíveis têm de ser percebidas por ele.” Explique essa frase. (Na explicação, faça referência ao § 6 dos Princípios.)

 

4.     Nos Princípios, Berkeley considera treze possíveis objeções ao seu sistema filosófico (§§ 34 a 85). a) Qual é a primeira objeção, exposta no § 34? b) Como é respondida por Berkeley (destaque os pontos principais da resposta)?

 

5.     a) O que são, na perspectiva berkeleyana, leis da Natureza? b) Como são conhecidas por nós? (Na resposta, indique os trechos relevantes de pelo menos um dos textos de Berkeley.)

 


Respostas:

1. O argumento principal está nos Princípios, §§ 4 e 9. Berkeley lembra que o conceito de matéria é (na versão moderna) o de “uma substância inerte, sem capacidade de sentir [ou perceber], na qual a extensão, a forma e o movimento de fato subsistem” (§9). No entanto, segundo Berkeley propõe nos §§ 1 e 3, extensão, forma, movimento, etc. são apenas idéias; e idéias são algo cuja existência consiste em ser percebido. Mas então a matéria seria algo incapaz de perceber, que no entanto é onde subsiste algo cuja essência consiste em ser percebido, o que é uma contradição. E o que é contraditório não pode existir na realidade. [Nos Diálogos o argumento aparece várias vezes, como por exemplo nesta fala de Finonos no Primeiro Diálogo, p. 195: “That the Colours are really in the Tulip which I see, is manifest. Neither can it be denied, that this Tulip may exist independent of your Mind or mine; but that any immediate Object of the Senses, that is, any Idea, or combination of Ideas, should exist in an unthinking Substance, or exterior to all Minds, is in itself an evident Contradiction.”]

 

2. Não, pois o cético é “alguém que duvida de tudo” (na frase de Hilas, com a qual Filonos concorda). Como Berkeley não duvida da existência a matéria, mas, ao contrário, está certo (pelo argumento precedente) que ela não existe, ele não é cético quanto a isso. Na referida passagem dos Diálogos Filonos – o porta-voz de Berkeley – justamente se defende da acusação de cético, lembrando que “aquele que nega um ponto qualquer não pode ser dito duvidar dele, tanto quanto quem o afirma com o mesmo grau de segurança” (p. 173). Então nem Hilas nem Filonos são céticos quanto à existência da matéria. O cético seria alguém que suspendesse o juízo, ou seja, se abstivesse quer de afirmar, quer de negar que a matéria existe.

 

3. Nessa passagem Berkeley compara (por meio de Filonos) seu argumento para a existência de Deus com os de seus antecessores. Enquanto que eles sempre tentaram argumentar que Deus existe por uma via ou outra que independia da percepção divina de todas as coisas físicas – e somente no final, estando assegurada a existência de Deus, se inferia que ele percebe tudo, por ser onisciente –, Berkeley conclui que Deus existe justamente a partir da necessidade, em seu sistema filosófico, de existir um ser infinitamente poderoso que perceba todos os corpos, como se estabelece no § 6 dos Princípios:  como os corpos são compostos de idéias, e idéias não existem se não forem percebidas, “se [os corpos] não forem percebidos por mim ... nem por algum outro espírito criado, não existirão de nenhuma forma, ou então subsistirão na mente de algum espírito eterno” (i.e. Deus). [Ver também, sobre esse ponto, a resposta à quinta objeção (§ 45) dada no § 48.] Assim, a percepção permanente e completa do mundo físico por Deus é um teorema (i.e. uma conseqüência) nos sistemas tradicionais, enquanto que no de Berkeley é justamente a base do argumento para a existência de Deus.

 

4. a) A objeção é de que no sistema de Berkeley “tudo o que é real e substancial na Natureza seria banido do mundo; e no lugar haveria apenas um esquema quimérico de idéias” (§ 34). b) Berkeley responde que isso é uma interpretação errada de seu sistema filosófico. Nele os objetos físicos ordinários (casas, rios, montanhas) são tão reais como sempre; apenas se nega que sua existência seja material, ou seja, inerente a uma substância inerte, não pensante, na qual subsistiriam as cores, formas, sons, movimentos, etc. Segundo Berkeley, o que confere existência real aos objetos não é a matéria (que sequer existe), mas sua permanente percepção pela mente de Deus. E sabemos distinguir as idéias que são criadas e percebidas por Deus (i.e., as que formam os corpos reais) daquelas que são o produto da imaginação humana (i.e., as ficções) pela maior vividez, estabilidade, ordem e coerência das primeiras, relativamente às segundas (§ 30), bem como por seu caráter compulsório (§ 29).

 

5. a) No § 30 dos Princípios Berkeley caracteriza as leis da Natureza como “as regras ou métodos estabelecidos pelos quais a mente da qual dependemos [i.e., Deus] excita em nós as idéias dos sentidos”. b) E acrescenta que elas são conhecidas justamente “pela experiência, que nos ensina que tais e tais idéias se acompanham por tais e tais outras, no curso ordinário das coisas”. Assim, o conhecimento das leis naturais não envolve, para Berkeley, nenhum esforço de descobrir “essências”, mecanismos ocultos, etc. Nada disso existe, e as leis são justamente as regularidades patentes que percebemos no fluxo de idéias fornecidas por nossa experiência sensorial.