Prof.
Silvio Seno Chibeni – 1o semestre 2008
Primeira prova – 22/4/2008
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Responda
com letra legível, de forma clara e objetiva.
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Deixe
amplas margens para permitir eventuais anotações do professor.
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Permitida
a consulta a materiais impressos (exclusivamente).
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As
questões têm pesos iguais. Esta prova tem peso igual ao da segunda, a ser
realizada dia 26/6. Exame (para quem tiver média menor que 5,0.) dia 8 de
julho, sobre toda a matéria do curso.
Em preto estão as questões; em azul, as respostas do
professor. Os trechos entre colchetes são notas de esclarecimento do professor,
que não precisariam ser feitas pelos alunos nas suas respostas.
1. Na acepção filosófica do termo, o que é um fenômeno? Dê dois exemplos.
Fenômeno é aquilo que aparece. Assim, por exemplo, cores e
sons são fenômenos – aparecem aos sentidos da visão e audição, respectivamente;
são também fenômenos os sentimentos – alegria ou raiva, por exemplo – e em
geral tudo o que aparece introspectivamente (a introspecção sendo uma espécie
de “sentido interno”).
2. No segundo parágrafo do cap. 1 de Os Problemas da Filosofia, Bertrand Russell afirma:
Na vida diária, assumimos como certas muitas coisas que, sob um exame mais atento, descobrimos estarem tão envoltas em aparentes contradições que somente muita reflexão nos permite conhecer o que é que realmente conhecemos. Na busca da certeza, é natural começar com nossas experiências presentes e, em certo sentido, não há dúvida de que todo o nosso conhecimento deve derivar delas.
No prefácio de Primeiros Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza Kant afirma:
Propriamente falando, não se pode chamar de ciência senão o que tenha certeza apodítica [demonstrável]. Um conhecimento que só ofereça certeza empírica só impropriamente é chamado conhecimento. [...] Uma teoria [...] da natureza não merece [...] o nome de ciência da natureza senão quando as leis naturais sobre que se funda são conhecidas a priori [...].
Nesses trechos os dois filósofos expressam suas posições quanto à
questão das fontes ou fundamentação do conhecimento. Quais são essas posições
(dê os nomes e justifique sua resposta).
A posição de Russell é claramente empirista, na medida em que ele indica a experiência como a base da qual deriva, em última instância, todo o nosso conhecimento. [O contexto em que esse trecho ocorre é o do exame do conhecimento do mundo físico; não se deve generalizar a tese para outros domínios, como por exemplo a matemática.]
Por
outro lado, Kant expressa uma posição racionalista [ao menos neste trecho, que
é parte de uma análise do conhecimento das ciências naturais, e portanto do
mundo físico], na medida em que rejeita a experiência como base do conhecimento
[científico, no caso], propondo que ele deve ser de natureza a priori, demonstrativa.
3. O prefácio do De Revolutionibus Orbium Coelestium (1543), de Copérnico, foi escrito por Andreas Osiander. Esse prefácio tornou-se famoso entre historiadores e filósofos da ciência, por propor uma certa tese epistemológica. Com base no trecho transcrito a seguir, diga qual a posição defendida por Osiander quanto à questão epistemológica dos limites do conhecimento. Justifique sua resposta.
“[...] é próprio do astrônomo compor, por meio de uma observação diligente e habilidosa, o registro dos movimentos celestes. E, em seguida, inventar e imaginar as causas dos mesmos, ou melhor, já que não se podem alcançar de modo algum as verdadeiras, quaisquer hipóteses que, uma vez supostas, permitam que esses mesmos movimentos sejam corretamente calculados, tanto no passado como no futuro, de acordo com os princípios da geometria. Ora, ambas as tarefas foram executadas com excelência pelo autor. Com efeito, não é necessário que essas hipóteses sejam verdadeiras, e nem mesmo verossímeis, bastando apenas que forneçam cálculos que concordem com as observações [...]” Trad. Z. Loparic, Cadernos de História e Filosofia da Ciência, n. 1, 1980, pp. 57-8.
As frases sublinhadas indicam uma
posição anti-realista científica [quanto à astronomia], já que mostram que, para
Osiander, não seria necessário, nem possível, determinar se as hipóteses
astronômicas são verdadeiras, ou ao menos verossímeis [ou seja, se são
“semelhantes” à verdade]. Basta, segundo ele, que elas tenham conseqüências
experimentais verdadeiras (em sua linguagem, que permitam corretamente
“calcular” os movimentos dos corpos celestes).
4. Leia os seguintes trechos dos parágrafos 15 e 16 da parte 3 dos Princípios da Filosofia de Descartes e responda às questões que vêm em seguida.
§ 15. Que se podem usar diversas hipóteses para explicar os fenômenos dos planetas. E assim como alguém que esteja no mar em dia de tempo calmo, olhando alguns outros barcos distantes que lhe parecem mudar de situação, freqüentemente não pode dizer se é o barco no qual se encontra ou os outros que, movendo-se, causam uma tal mudança, nós também, quando olhamos, do lugar em que estamos, o curso dos planetas e suas diferentes situações [...], não poderemos daí tirar nenhum esclarecimento que nos ajude a determinar, a partir do que nos aparece, qual desses corpos devemos atribuir a causa daquelas mudanças. [...] Para tal fim, os astrônomos inventaram três hipóteses ou suposições diferentes, que apenas trataram de apropriar a [...] todos os fenômenos, sem deter-se para examinar se, além disso, eram conformes à verdade.
§ 16. Que não se podem explicar todos [os fenômenos] pela de Ptolomeu. Ptolomeu inventou a primeira [hipótese], da qual não falarei mais aqui, visto ser ordinariamente reprovada pelos filósofos, por ser contrária a muitas observações feitas há pouco tempo, em particular às mudanças de luz que se observam sobre Vênus, semelhantes às que se produzem sobre a Lua.
Perguntas:
a) Que posição epistemológica quanto aos limites do conhecimento Descartes atribui aos “astrônomos” no final do parágrafo 15? Explique sua resposta.
O § 15 denota uma posição anti-realista, pois nele Descartes
declara que não podemos, a partir dos fenômenos astronômicos (a observação do
“curso dos planetas”), determinar as causas desses fenômenos. Essas causas
seriam os movimentos reais dos corpos (inobserváveis), e não apenas seus
movimentos aparentes (fenômenos). Além disso, como Osiander, Descartes diz que
a finalidade das hipóteses astronômicas é a de prever corretamente os fenômenos
(“apropriar aos fenômenos”), e não a de descobrir a verdade sobre seus
mecanismos subjacentes.
b) Explique, usando as noções que vimos discutindo no curso, que defeito Descartes aponta, no parágrafo 16, na teoria astronômica de Ptolomeu? Esse defeito seria considerado igualmente grave pelos realistas e pelos anti-realistas científicos? Justifique.
No § 16, Descartes rejeita a hipótese ptolomaica porque ela tem previsões empíricas falsas, a saber, as observações telescópicas [recentemente feitas por Galileo] dos padrões de sombra e luz da superfície de Vênus. Esse defeito é unanimemente considerado grave – na verdade fatal – por realistas e anti-realistas (e por todo cientista, é claro). A adequação empírica é critério básico para qualquer hipótese científica.
5. Em 1810, o médico e cientista alemão Samuel Hahnemann publicou um livro, o Organon da Arte de Curar, no qual estabeleceu as bases de uma nova teoria médica, a homeopatia. Para fins de análise filosófica, é possível distinguir nessa obra uma parte fenomenológica e uma parte explicativa, ou construtiva, entrosadas de modo coerente. A lei fundamental da teoria hahnemaniana, conhecida como “lei dos semelhantes”, é expressa no § 27:
Segue-se que, em qualquer caso particular, uma doença pode ser destruída e removida da forma mais segura, completa, rápida e permanente apenas por um medicamento capaz de fazer um ser humano [sadio] sentir uma totalidade de sintomas mais completamente similares à doença.
Em outros termos, a lei diz que se uma pessoa doente apresentar certos sintomas
observáveis, como por exemplo febre, pele avermelhada, dor de cabeça e
inapetência, ela será curada pela administração (em doses que a teoria especifica) de uma substância
medicamentosa (preparada de acordo com um método de diluição e agitação complexo
especificado pela teoria) que, em experimentos, se verifique produzir em
indivíduos saudáveis sintomas semelhantes.
Considerando a hipótese de que os fenômenos vitais, patológicos e relativos à ação dos medicamentos homeopáticos dependem parcialmente da existência e propriedades de uma certa entidade inobservável, a que se chamava “força vital”, ou “princípio vital”, Hahnemann afirmou:
Como a força vital faz o organismo produzir sintomas, ou seja, como ela faz a doença? Tais questões não são de nenhum valor para o médico. Suas respostas sempre estarão ocultas para ele. [§ 12, nota a]
Uma vez que essa lei natural de cura (lei dos semelhantes) é confirmada em todos os experimentos objetivos [...] está estabelecida como um fato. Explicações científicas de como ela funciona são de pouca importância, e vejo pouco valor em tentar se fornecer alguma [...]. [§ 28]
Perguntas:
a) A “lei dos semelhantes” é fenomenológica ou explicativa? Justifique.
Essa lei é claramente fenomenológica, pois refere-se apenas
ao que aparece (sintomas), não fazendo nenhuma referência a suas causas, e
portanto não se propondo a explicar os fenômenos.
b) Considerando apenas os trechos citados do Organon, Hahnemann seria realista ou anti-realista? Justifique.
Nos dois últimos trechos Hahnemann expressa posição
anti-realista: as causas dos fenômenos patológicos e terapêuticos estará sempre
“oculta”, e portanto nem seriam buscadas pelo cientista médico. A medicina,
enquanto arte da cura, pode ficar restrita ao nível fenomenológico.
S. S. Chibeni