HG 208 – Introdução à Filosofia Geral II
HG
202 – Filosofia Geral II
Graduação, 2o
Sem. 2009 – Prof. Silvio Seno
Chibeni
Prova # 2 (10/12/2009)
Observações importantes:
- Em cada resposta em que haja referência a
algum conceito ou tese específicos de Locke, indique precisamente o
parágrafo do Essay em que se encontra, usando a notação padrão,
e não números de páginas.
- Seja conciso, mas não responda de forma
esquemática. Escreva frases completas, que possam ser entendidas por
qualquer pessoa que não conheça em detalhe o assunto. Distinga claramente
as respostas a e b.
- As questões valem 2,0 cada. As notas serão
divulgadas na página web do curso. Exame dia 17, às 16 h., sobre toda a
matéria, com consulta, somente para alunos não reprovados em
frequência, e que tenham média
de provas menor do que 5,0.
Questões:
1.
Explique por que, na teoria epistemológica de Locke, todo o
nosso conhecimento pode ser visto como tendo origem empírica. (Nesta resposta,
é indipensável citar e comentar duas frases-chaves, uma do início do livro II e
outra do início do livro IV do Essay.)
2.
a) Indique o
critério principal proposto por Locke para distinguir as idéias simples das
complexas (cite as frases relevantes). b)
À luz desse critério, como se classificam as idéias de água e de frio
(justifique).
3.
As idéias complexas dividem-se em idéias de modos e idéias de
substâncias. a) Explique a distinção
e dê dois exemplos variados de cada. b)
Segundo Locke, o que há de insatisfatório na noção de “substância pura” (ou
“substância enquanto tal”)?
- a) Com relação ao assunto do Essay
II viii, explique a distinção entre idéia e qualidade sensorial.
Por que a discussão das qualidades dos corpos nesse capítulo, que Locke
diz ser “uma pequena excursão na filosofia natural” (II viii 22),
representa um desvio do método geral do Essay, que em I i 2 Locke
chama de “Historical, plain Method”? b)
Explique a distinção entre qualidades primárias e secundárias.
5.
Nos capítulos i e ii do livro IV do Essay, Locke
apresenta, respectivamente, quatro tipos e três graus de
conhecimento. Forneça, em cada um dos itens em seguida, um exemplo de
proposição que expresse conhecimento:
a)
de existência real, grau sensitivo
b) de existência real, grau intuitivo
c)
de identidade e diversidade, grau
intuitivo
d) de identidade e diversidade, grau demonstrativo
e)
de relação, grau demonstrativo
f)
de coexistência
Respostas:
- Segundo a definição geral de
conhecimento dada por Locke em IV i 2, ele consiste na “percepção da
conexão e acordo, ou desacordo e repugnância de quaisquer de nossas idéias”.
Ora, as idéias, por sua vez, têm origem última na experiência, conforme
propõe Locke em II i 2: “De onde [a mente] obtém todos os materiais da
razão e do conhecimento? A isso respondo, em uma palavra: da experiência.”
Portanto, o empirismo lockeano, assim caracterizado, é um tipo de
empirismo indireto: a experiência fornece idéias, e depois, examinando-as,
a mente percebe relações entre elas, percepção essa que constitui o nosso
conhecimento.
- a) Em II ii 1, Locke propõe que,
das idéias que temos, algumas “são em si não-compostas, não contendo em si
senão uma aparência, ou concepção, uniforme na mente, não podendo ser
separadas em idéias diferentes”. Essas são as idéias simples; as
demais, complexas. (Dois outros critérios, subsidiários, são: as
idéias simples são recebidas passivamente, não podendo ser criadas,
modificadas ou destruídas pela mente (II ii 2; II i 25); além disso, não
podem ser descritas, nem seus nomes definidos (II xx 1).) b) A idéia de água é complexa,
pois claramente envolve diversos elementos, como as idéias de fluidez,
tranparência, peso, ausência de cheiro, etc. Já na idéia de frio não
conseguimos distinguir partes: de fato é uma aparência uniforme na mente,
sendo portanto uma idéia simples.
- a) As idéias de substâncias são
aqueles aglomerados de idéias simples que supomos fluir de um suporte ou
substrato com existência autônoma, a substância pura (II xii 6; ver também
II xxiii 1). As idéias de modo são os aglomerados de idéias simples que
não imaginamos subsistir por si mesmos, sendo dependências ou afecções de
substâncias (II xii 4). Exemplos: idéias de substâncias: lâmpada, Chopin; idéias de modos: piedade, centena. b) Tomemos a idéia da lâmpada que agora me ilumina. Trata-se
de uma idéia complexa particular, formada das idéias de uma certa forma,
um certo tamanho, um certo brilho, etc. É somente esse conjunto de idéias
que eu percebo de fato. A substância pura, o “suporte” das qualidades que
seriam as causas dessas idéias, é apenas uma suposição filosófica – “um não-sei-o-que que suporta os
acidentes” –, a respeito da qual não
tenho nenhuma idéia clara (II
xxiii 2, 3), não podendo, pois, servir para a constituição de nenhum
conhecimento, estritamente considerado (ver resposta à questão 1).
- a) Idéias são são itens mentais, o
objeto imediato de nosso conhecimento. As qualidades sensoriais, por outro
lado, são supostas por Locke (entre outos) serem inerentes a substâncias
materiais, e propostas como sendo a causa das idéias de sensação que
temos. Veja-se esta passagem de II viii 7: “... será conveniente
distinguir [as idéias], enquanto idéias ou percepções em nossas mentes, e
enquanto modificações da matéria nos corpos que causam tais percepções em
nós”. O método “histórico, direto” proposto inicialmente no Ensaio
consiste em lidar apenas com a mente e suas idéias, ou seja, o material
genuinamente empírico, patente à nossa cognição; a explicação desse
material em termos de uma realidade substancial distinta da mente é uma
violação desse método, ao postular entes não acessíveis empiricamente. b) As qualidades primárias são
aquelas “totalmente inseparáveis dos corpos, em qualquer estado que
estejam” (II viii 9): solidez, extensão, forma, movimento ou repouso,
número, tamanho e textura (9, 10 e 23). As qualidades secundárias são
aquelas que “na verdade não são nada nos próprios objetos senão poderes de
produzir várias sensações em nós, como cores, sons, gostos etc, por meio
das qualidades primárias [...] de suas partes imperceptíveis” (10). As
qualidades secundárias são, pois, relativas à interação dos corpos com
nosso aparelho sensorial e cognitivo. As idéias qualidades primárias são
“semelhanças” a algo que realmente existe nos corpos, enquanto que as das
qualidades secundárias não são.
-
a)
de existência real, grau sensitivo:
‘Pitágoras existe.’
b)
de existência real, grau intuitivo:
‘Eu existo.’
c)
de identidade e diversidade, grau
intuitivo: ‘Quadrado não é círculo.’
d)
de identidade e diversidade, grau
demonstrativo: Não há exemplos desse caso: todo conhecimento de identidade e
diversidade, por ser trivial, é intuitivo.
e)
de relação, grau demonstrativo: ‘Em
todo triângulo retângulo, a hipotenusa ao quadrado é igual à soma dos quadrados
dos catetos.’ (Teorema de Pitágoras)
f)
de coexistência: ‘Os homens são
mortais.’