HG 304 – Teoria do Conhecimento I
Graduação, 1o Sem. 2012 - Prof. Silvio Seno Chibeni
· Nas
respostas, é essencial indicar claramente os parágrafos relevantes, usando a
convenção internacional adotada no curso.
· As
questões têm presos iguais. A correção da prova estará disponível na página do
curso.
1. a) Localize no capítulo i do
livro 1 do Essay o parágrafo em que
Locke diz que não vai investigar a “essência” da mente (cite o trecho
principal). Que método ele diz, nesse próprio parágrafo, que será adotado por
ele no lugar dessa investigação de cunho metafísico? Diga o nome do método e
explique-o brevemente.
2. Em seu livro de 1996, intitulado The Demon-Haunted World. Science as a Candle in the Dark, o
conhecido cientista e divulgador da ciência Carl Sagan discute, num capítulo
especial, diversos instrumentos de análise úteis para a detecção de propostas
teóricas sem fundamentação adequada. Alguns desses “instrumentos” são
semelhantes aos que Locke usa, no Essay,
para criticar tese da existência de conhecimento inato. Um deles, bastante
simples, porém de grande importância para os filósofos que renovaram a
filosofia no período moderno, é o seguinte: “Argumentos de autoridade têm pouco
peso: no passado, “autoridades” cometeram erros; e cometerão de novo no futuro”
(op. cit., cap. 12.). Cite e comente brevemente uma ou duas frases da Epístola
ao Leitor em que, em termos equivalentes, Locke expressa esse mesmo ponto.
3. Outro ponto da análise de Sagan guarda semelhança, com
as devidas adaptações terminológicas, com a estratégia adotada por Locke no Essay, I ii 3, 4 e 5, para iniciar a
crítica ao inatismo. Sagan diz que, no pensamento crítico – que a ciência herdou
da filosofia – é importante, entre outras coisas, “reconhecer um argumento
falacioso ou fraudulento”. Quanto a isso, “a questão não é se gostamos da conclusão que emerge de uma
certa cadeia de raciocínio, mas se a conclusão decorre da premissa, ou ponto de partida, e se essa premissa é
verdadeira.” (op. cit., cap. 12, grifos do original). Expresse os dois aspectos
relativos à avaliação de argumentos aqui apontados, usando as noções que
apresentamos no curso para discutir a crítica feita por Locke ao argumento
inatista do “assentimento universal” nos referidos parágrafos do Essay (ou seja, reexpresse o que Sagan
diz usando as noções de verdade e falsidade de proposições, validade,
não-validade, relevância e irrelevância de argumentos, etc.).
4. Explique, resumidamente, como naqueles parágrafos do Essay Locke mostra que, de fato, o
principal argumento para o inatismo exibe os dois tipos de falha teórica apontados
por Sagan na passagem citada na questão precedente.
5. a) Das duas falhas de argumentação apontadas por Sagan
na passagem citada na questão 3, qual não
se aplica ao argumento inatista do “pronto assentimento, apresentado em I
ii 17 (justifique sua resposta). b) No parágrafo seguinte, Locke critica esse
argumento inatista. Na etapa final e mais importante dessa crítica, ele explora
uma certa relação entre a tese de que há proposições inatas e a tese de que há
idéias inatas. Que relação é essa? Cite a frase que expõe a relação e comente-a
brevemente, fornecendo um exemplo concreto.
Correção da prova:
1. Em I i 2 Locke diz: “... não vou agora me envolver
com a consideração física da mente, nem me perturbar para examinar em que sua
essência consiste...”. Irá, ao invés, adotar o “médodo histórico, direto”, que
consiste apenas em “considerar as faculdades de discernimento do homem, na
medida em que são empregadas sobre os objetos com os quais lidam”. Isso seria o
bastante, crê Locke, para realizar as três tarefas principais a que enumera no
parágrafo seguinte, ou seja, investigar a origem das idéias, mostrar que
conhecimento o entendimento pode obter a partir delas e, finalmente, investigar
as bases da crença ou opinião.
2. Locke marca sua posição contra a dependência de
autoridades, ressaltando a importância da investigação livre e própria que cada
homem deve fazer de tudo que lhe interesse, ao dizer, por exemplo, no segundo
parágrafo da Epístola: “Assim, aquele que se elevou acima do cesto de esmolas,
não se contentando em viver preguiçosamente de migalhas de opiniões emprestadas,
e pôs seus pensamentos para trabalhar para encontrar e seguir a verdade não
perderá ... a satisfação do caçador...”. Ou, no parágrafo seguinte, ao dizer
que o leitor poderá se beneficiar do livro, embora não o tenha escrito, desde
que “faça uso de seus próprios pensamentos ao lê-lo, ... julgando-o por si
próprio”.
3. Ao dizer que, para examinar um argumento, devemos
nos perguntar se “a conclusão decorre da premissa” Sagan pede, em outro termos,
para que determinemos se o argumento é válido,
pois um argumento válido é justamente aquele em que a conclusão decorre
necessariamente das premissas, quando se assume que elas são todas verdadeiras.
E ao dizer que devemos verificar também se “a premissa é verdadeira” Sagan está
pedindo que verifiquemos se o argumento é relevante,
ou seja, se, sendo válido, de fato estabelece a verdade de sua conclusão.
4. O argumento do assentimento universal assume, como
premissa, que há proposições aceitas universalmente, e conclui, a partir daí,
que essas proposições são inatas. A conclusão é inferida da premissa por
representar, alegadamente, a melhor explicação para o (assumido) fato enunciado
na premissa, tratando-se, assim, de um argumento que, na terminologia
contemporânea, seria classificado como abdutivo. Ora, em I ii 3 Locke questiona
a validade do argumento, ao ressaltar que a gravação inata de tais proposições
na mente dos homens não é a única explicação para sua (assumida) aceitação
universal; portanto é possível que a conclusão apontada pelo inatista não
decorra necessariamente da premissa
do argumento. E depois Locke procura mostrar, em I ii 4 e 5, que a premissa de
fato é falsa, pois nem mesmo proposições que, segundo a tradição, mais se
candidatariam à aceitação universal – as leis lógicas da identidade e da
não-contradição – são aceitas por todos os homens, visto que não são aceitas,
ou sequer compreendidas, por crianças e idiotas.
5. a) É a segunda, ou seja, existência de premissas
falsas, pois o argumento do pronto assentimento só tem uma premissa – que há
proposições prontamente aceitas, tão-logo propostas e compreendidos os seus
termos – e essa premissa é claramente
verdadeira. b) A relação é expressa nesta frase de I ii 18: “... nenhuma
proposição pode ser inata, a menos que as idéias sobre as quais ela versa
[também] sejam inatas”. Locke dá vários exemplos de proposições que são
prontamente aceitas, e que portanto, segundo o argumento do pronto
assentimento, seriam inatas, mas que não podem
ser, uma vez que envolvem idéias que “a experiência e a razão” mostram não
serem inatas – “Dois corpos não podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo”,
“Branco não é preto”, “Amarelidão não é doçura”, etc. –, sendo claro que as
idéias de corpo, lugar, tempo, branco, doce, etc. não são inatas.