HG 304 – Teoria do Conhecimento I
Graduação, 1o Sem. 2012 - Prof.
Silvio Seno Chibeni
· Nas respostas, é essencial indicar claramente
os parágrafos relevantes do Essay, usando a convenção internacional adotada no curso.
·
As
questões têm presos iguais. A correção da prova estará
disponível na página do curso. As notas serão divulgadas na página web do curso.
·
Exame dia 12 de julho, das 14 às 16 h, sobre toda a
matéria, com consulta, somente para alunos não reprovados por frequência, e que tenham média aritmética das provas
menor do que 5,0.
Questões:
1.
Explique por que,
na teoria epistemológica de Locke, todo o nosso conhecimento pode ser visto
como tendo origem empírica. (Nesta resposta, é indipensável
citar e comentar duas frases-chaves, uma do início do
livro II e outra do início do livro IV do Essay.)
2.
a) Indique o
critério principal proposto por Locke para distinguir as idéias simples das
complexas (cite as frases relevantes). b)
À luz desse critério, como se classificam as idéias de água e de frio
(justifique).
3.
As idéias
complexas dividem-se em idéias de modos e idéias de substâncias. Explique a
distinção e dê dois exemplos variados de cada.
4. a) Com
relação ao assunto do Essay II viii, explique a distinção entre idéia e qualidade
sensorial. Por que a discussão das qualidades dos corpos nesse capítulo,
que Locke diz ser “uma pequena excursão na filosofia natural” (II viii 22), representa um desvio do método geral do Essay, que em I i 2 Locke
chama de “Historical, plain
Method” (“método histórico direto”)? b) Explique a distinção entre
qualidades primárias e secundárias.
5.
Nos capítulos i e ii do livro IV do Essay,
Locke apresenta, respectivamente, quatro tipos e três graus
de conhecimento. Forneça, em cada um dos itens em seguida, um exemplo de
proposição que expresse conhecimento:
a) de existência
real, grau sensitivo
b) de existência
real, grau intuitivo
c) de identidade e diversidade,
grau intuitivo
d) de identidade e diversidade,
grau demonstrativo
e) de relação, grau demonstrativo
f) de coexistência
Respostas:
1.
Segundo a definição geral de conhecimento dada
por Locke em IV i 2, ele consiste na “percepção da conexão e acordo, ou
desacordo e repugnância de quaisquer de nossas idéias”. Ora, as idéias, por
sua vez, têm origem última na experiência, conforme propõe Locke em II i 2: “De
onde [a mente] obtém todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso
respondo, em uma palavra: da experiência.” Portanto, o empirismo lockeano, assim caracterizado, é um tipo de empirismo
indireto: a experiência fornece idéias, e depois, examinando-as, a mente
percebe relações entre elas, percepção essa que constitui o nosso conhecimento.
2.
a) Em
II ii 1, Locke propõe que, das idéias que temos,
algumas “são em si não-compostas, não contendo em si senão uma aparência, ou
concepção, uniforme na mente, não podendo ser separadas em idéias diferentes”.
Essas são as idéias simples; as demais, complexas. (Dois outros critérios, subsidiários, são: as idéias simples são
recebidas passivamente, não podendo ser criadas, modificadas ou destruídas pela
mente (II ii 2; II i 25); além disso, não podem ser
descritas, nem seus nomes definidos (II xx 1).) b) A idéia de água é complexa,
pois claramente envolve diversos elementos, como as idéias de fluidez, transparência,
peso, ausência de cheiro, etc. Já na idéia de frio não conseguimos distinguir
partes: é uma aparência uniforme na mente, sendo portanto uma idéia simples.
3.
As idéias de substâncias são “aquelas
combinações de idéias simples tomadas para representar coisas particulares
distintas que subsistem por si próprias; nessas combinações a idéia suposta ou
confusa de substância, enquanto tal, é sempre a primeira e principal” (II xii 6). Em outros termos, as idéias de substâncias são os
aglomerados de idéias simples que supomos fluir de um suporte ou substrato com
existência autônoma, a substância pura, cuja postulação
explicaria o fato de que essas idéias simples costumam “vir juntas” (ver
II xxiii 1). Mas essa substância pura, o “suporte”
das qualidades que seriam as causas dessas idéias, é apenas uma suposição filosófica – “um
não-sei-o-que que suporta os acidentes” –, a respeito da qual, segundo Locke, não temos nenhuma idéia clara (II xxiii
2, 3). Já as idéias de modo são os aglomerados de idéias simples que não
imaginamos subsistir por si mesmos, sendo dependências ou afecções de
substâncias (II xii 4). Exemplos: idéias de substâncias: lâmpada, Chopin; idéias de modos: piedade, centena.
4.
a)
Idéias são de natureza mental, constituindo o objeto imediato de nosso
conhecimento. As qualidades sensoriais, por outro lado, são supostas
por Locke (e a maioria dos outros filósofos modernos) serem inerentes a
substâncias corporais, e propostas como sendo a causa das idéias de
sensação que temos. Veja-se esta passagem de II viii
7: “... será conveniente distinguir [as idéias], enquanto idéias ou percepções
em nossas mentes, e enquanto modificações da matéria nos corpos que causam tais
percepções em nós”. O método “histórico, direto” proposto
inicialmente no Ensaio consiste em lidar apenas com a mente e
suas idéias, ou seja, o material genuinamente empírico, patente à nossa
cognição; a explicação desse material em termos de uma realidade ontologicamente
distinta da mente é uma violação desse método, ao postular entes não acessíveis
empiricamente. b) As qualidades
primárias são aquelas “totalmente inseparáveis dos corpos, em qualquer estado
que estejam” (II viii 9): solidez, extensão, forma,
movimento ou repouso, número, tamanho e textura (9, 10 e 23). As qualidades
secundárias são aquelas que “na verdade não são nada nos próprios objetos senão
poderes de produzir várias sensações em nós, como cores, sons, gostos etc, por
meio das qualidades primárias [...] de suas partes imperceptíveis” (10). As
qualidades secundárias são, pois, relativas à interação dos corpos com nosso
aparelho sensorial e cognitivo. As idéias qualidades primárias são
“semelhanças” a algo que realmente existe nos corpos, enquanto que as das
qualidades secundárias não são.
5.
a)
de existência real, grau sensitivo: ‘A Torre
Eiffel existe.’
b)
de existência real, grau intuitivo: ‘Eu
existo.’
c)
de identidade e diversidade, grau intuitivo:
‘Quadrado não é círculo.’
d)
de identidade e diversidade, grau
demonstrativo: Não há exemplos desse caso: todo conhecimento de identidade e
diversidade, por ser trivial, é intuitivo.
e)
de relação, grau demonstrativo: ‘Em todo
triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos
catetos.’ (Teorema de Pitágoras)
f)
de coexistência: ‘Os homens são mortais.’