Rousseau – dignidade ou orgulho?

Fábio Lucas Pierini
fabiopierini@yahoo.com

Este trabalho não será acadêmico no estrito sentido do termo. Também, nem o precisaria ser, em se tratando de um homem, mais exatamente de um pensador, que soube, mais do que tudo, compreender que quando nem tudo vai bem, é preciso sentar, pensar e repensar calmamente por que as coisas estão ou são como estão ou são. 

Rousseau sabia que sua sociedade, o meio que o cercava, tinha defeitos que precisavam não apenas ser criticados, malditos, mas também resolvidos, pois, que valor têm as idéias de um homem se elas não são nem um pouco aproveitáveis para provocar uma mudança, ou uma reflexão que seja, no homem comum? Mais do que isso, é considerar que ninguém é comum, mas se faz comum pela simples razão do medo, e os medos mais comuns do homem são o da morte e o do desconhecido. 

Mas por que os homens têm medo de morrer?, pergunta você leitor, que até agora espera por uma reflexão acerca da obra de Rousseau. Justamente porque os homens não sabem o que acontece depois da morte – o que comprova que o medo do desconhecido e o medo da morte são complementares senão contíguos. 

Se os homens temem a morte, então procuram por uma maneira de prorrogá-la ou até mesmo bani-la: quantas não são as histórias sobre o elixir da imortalidade ou da fonte da juventude? Nessa busca por uma vida mais longa, senão eterna, há quem apregoe (e olhe que são muitos!) que depois da morte há uma outra vida num lugar muito melhor - ou pior, dependendo da índole do morto - segundo todas as crenças. Essas crenças também consideram que quanto mais pobre uma pessoa for, mais certamente ela alcançará a vida melhor, ou seja, o paraíso. Isso faz com que os pobres não liguem tanto assim se sua vida for curta ou se nunca alcançar uma fortuna financeira. Em contrapartida, os ricos vão às instituições religiosas para confirmar a crença dos pobres para não terem suas fortunas ameaçadas.

Tudo bem, tudo bem... E onde entra Rousseau? Exatamente aí: pois fixado o sistema (que muito provavelmente vem desde os tempos em que os homens passaram a caçar em bandos e adotar o costume da monogamia), dificilmente alguém quererá estar fora dele ou a morte (ou o desconhecido) poderá se manifestar. 

Não é minha intenção aqui discutir por que os homens têm medo, mas elogiar Jean-Jacques Rousseau por não tê-lo. Pelo seu trabalho, a coroa francesa lhe ofereceu uma pensão, o que ele recusou. Poderia ser dito que Rousseau talvez estivesse louco por recusar uma pensão oferecida pelo rei, mas em seu caso, o filósofo suíço não temia o anonimato, o desprezo, a indiferença alheia. Não o fosse, não teria se tornado o caminhante solitário, muito menos devaneado tanto e nos dado a grande lição de que há coisas mais importantes nesse mundo do que fazer parte de um sistema, e uma delas é ser livre. Rousseau sabia que se aceitasse a pensão do rei, teria de viver para sempre ao seu dispor (ou indispor). E estar ao dispor do rei é morrer, é ter de escrever o que quer sua majestade: o que nem sempre está de acordo com o que pensa o filósofo.

Agora sim, a principal questão proposta por esta pequena reflexão: a atitude de Rousseau teria sido uma demonstração orgulhosa ou o ato de assumir dignamente uma convicção pessoal acima dos valores de uma época em que a nobreza decadente perdia a cada dia seu poder para a ascendente burguesia? Acredito que tenha sido um pouco de tudo, pois assim como o medo da morte e o medo do desconhecido se aproximam e se completam, é difícil separar uma manifestação de dignidade de uma orgulhosa. 

Rousseau passava por dificuldades financeiras, viveu muitas vezes com a ajuda de amigos e recusar a possibilidade de nunca mais passar por essa situação pode ser encarado como um ato de orgulho: "Serei diferente dos outros, serei lembrado para sempre como aquele que disse não ao dinheiro fácil". Mas ele também poderia ter pensado: "Como pode viver um homem, como pode encarar-se num espelho sem nunca sequer lembrar-se de que um dia eu disse não a tudo aquilo que acredito por que tenho medo de ser desprezado, de morrer e de me transformar em um verdadeiro nada ou arder no inferno (é que filósofos nunca vão para o céu), quando poderia ter minha liberdade de pensamento? Que justiça há nisso?"

Infelizmente é realmente impossível – ao que parece – separar orgulho e dignidade, mas no caso de Rousseau, tenho certeza de que ele escolheu a segunda opção, pois nunca em sua vida ele se gabou por ter feito o que fez, pois agia em benefício de sua liberdade, sua justiça e o que é mais importante, sua paz de espírito.

27 outubro de 2001.