Maria Carolina de Godoy Nogueira Mestranda em Estudos Literários Unesp/Araraquara carol.godoy@uol.com.br
Tais dificuldades foram abordadas ao longo do curso "Rousseau: filosofia, literatura e educação" (Unesp/Araraquara, 2001), isto é, as aulas não só apresentaram o iluminista, mas também mostraram outras faces desse filósofo-escritor-músico e, por que não dizer, poeta. Também foi enfatizada a impossibilidade de se delinear uma única trajetória para o estudo de sua obra. Desse modo, este ensaio pretende falar menos sobre as concepções depreendidas de Rousseau do que sobre os labirintos de seus escritos. Admite-se, inicialmente, que o furor causado por suas idéias, ao serem apresentadas no século XVIII, deve-se ao momento político-social em que se encontravam os pensadores. Num contexto propício ao entusiasmo pelas descobertas científicas, Rousseau afirma em seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens que o conhecimento da ciência e das artes não contribuiu para o aperfeiçoamento dos costumes humanos. Para ele, as relações continuavam primitivas. Segundo a Profª Drª Maria de Fátima Simões Francisco (USP) - todas as citações deste ensaio são frutos das aulas ministradas no curso -, "apesar de Rousseau partilhar do entusiasmo dos filósofos do século XVIII, interessa-se pelo aprimoramento dos costumes e das relações humanas." Sobre a obra Emílio, considerada divisor de águas nos estudos pedagógicos, Maria de Fátima diz que "é fruto da preocupação de Rousseau com a política e, principalmente, com a formação do cidadão. Pretende-se resolver a contradição: formar o homem ou o cidadão? Educação doméstica ou pública? Para ele são excludentes homem e cidadão. O que forma a educação? A doméstica forma o homem preocupado consigo mesmo e a pública o torna parte do todo? Para Rousseau tem-se um ser misto." A Profª Drª Maria de Fátima Simões Francisco acrescenta que "Emílio não é uma proposta de educação doméstica, mas na verdade seu objetivo é formar a cidadania do homem na natureza, que resolve a contradição homem vs. sociedade. A escolha de uma personagem é devido à sua preocupação com o indivíduo." Essa obra causou tamanho impacto na época que foi condenada pela Igreja e pelo Parlamento de Paris, sendo queimada em público. Alguns estudiosos, na esteira das idéias desenvolvidas nesse tratado sobre a educação, defenderam (e defendem) a educação livre, ou seja, a preservação da liberdade do educando. Qual seria essa liberdade? Ela está explícita na obra Emílio? O Prof. Dr. José Oscar de Almeida Marques (Unicamp), além das questões acima, aponta para as ambigüidades do pensamento de Rousseau que, segundo ele, "é o primeiro a criticar o Iluminismo do interior do próprio." Ainda, segundo José Oscar, "as críticas ao Iluminismo existiam, mas vinham de lados derrotados. Rousseau era parte desse movimento (filósofo, iluminista, enciclopedista). Sua crítica ganha dimensão original, já que vê os limites das conquistas do progresso." Além dessa crítica, Rousseau posiciona-se diante da época de forma dúbia. "Ele não é um pensador claro de se interpretar", afirma José Oscar, pois apresenta-se como "libertário e ditador; progressista e saudosista; socialista e nacionalista. As leituras são possíveis: revolucionário, conservador, solitário, familiar. Ele busca seu objetivo central que é recuperar o equilíbrio do 'eu' e encontrar as fontes de prazer na existência. Não possui uma visão social plena; para ele a sociedade produz indivíduos sofredores e não felizes." O posicionamento de Rousseau é igualmente polêmico no que se refere ao teatro, já que ele "protesta contra a codificação e decoro exagerados que são manifestados no teatro, revoltando-se contra a sociedade de corte codificada. Nenhuma reação inesperada poderia ser feita para não abalar a sociedade absolutista", segundo a Profª Drª Ana Portich. Ele defende o gênero italiano e compõe uma ópera. Por esse elogio, perdeu o direito de assistir aos espetáculos franceses de ópera, gratuitamente. Talvez seja essa sua forma de crítica, distanciando-se dos valores da época para melhor analisá-los. Quanto a esse modo de análise, por exemplo, em "Considerações sobre o governo da Polônia", a Profª Drª Maria Valderez de Colletes Negreiros (Unesp/Araraquara) sugere que "Rousseau trabalha suas idéias, fazendo seu próprio percurso de análise: ao mesmo tempo que ele tem os dados e a reflexão, elabora um intercâmbio entre teoria e prática. Ele afasta fatos e História, mostrando livremente esse intercâmbio: promove a articulação teórica de seu fundamento e tenta analisar o fato." Pode-se dizer que essa seja uma das entradas para sua obra. Por outro lado, quando se afasta de sua influência político-social e pedagógica, depara-se com sua sensibilidade romântica. Surge desse autor, iluminado pelo século da razão, a semente do romantismo. Segundo a Profª Drª Ana Luiza Silva Camarani (Unesp/Araraquara), "ele foi o grande pré-romântico que apresenta, em sua obra, características ao pé da letra do romantismo." Ressaltam-se os aspectos românticos presentes em Os devaneios do caminhante solitário: solidão e busca pela natureza, juventude despreocupada, tom confessional e a contemplação: "a faculdade contemplativa para Rousseau é o mesmo que imaginação: faculdade passiva que vê imagens. É pelo devaneio que ele vai ao país das quimeras, numa atitude passiva de contemplação. O termo platônico de contemplação ganha nova acepção, ao tentar fugir de um corpo doente." (Ana Luíza S. Camarani, 2001). Além dessas características, outras se apresentam: exaltação do "eu", lirismo pessoal, gosto pelas emoções, melancolia, solidão, sentimento da natureza e identificação homem-natureza. Todo esse discurso é vazado por uma prosa intensamente poética. Seu romance epistolar Júlia ou a Nova Heloísa, extravasa os pensamentos íntimos, numa atmosfera em que o sentimento das pessoas é transferido para a natureza, segundo a Profª Drª Karin Volobuef. Como se vê, os caminhos que se entrecruzam em seus escritos são
muitos. Não basta apenas extrair fragmentos de sua obra e de suas
idéias, sem procurar os fios que as amarram às demais. Caso
se queira uma leitura fragmentada do pensamento de Rousseau, corre-se o
risco de perder o fio de Ariadne e não se encontrar a saída
do labirinto.
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