Profa. Dra. Maria Valderez de Colletes
Negreiros
Faculdade de Ciências
e Letras - UNESP - Campus de Araraquara
E-mail: mvcn@fclar.unesp.br
A IMAGEM LITERÁRIA E O QUADRO PITORESCO
DA FICÇÃO
A obra Le Temple de Gnide de Montesquieu
é mencionada na “Quarta Caminhada” dos Devaneios do Caminhante
Solitário. Ela representa um exemplo literário que ilustra
uma certa distinção do papel utilitário da ficção
e a idéia da mentira. A crítica de Rousseau visa mostrar
os aspectos mais ficcionais dela. Em contrapartida Montesquieu reconhece
nessa obra os “ofícios do tradutor” que é revelar a maneira
poética e literária de um discurso romanesco que coloca como
temas: o divertimento, os adornos e a veracidade do manuscrito grego ou
sua invenção. A partir da idéia de ficção
analisaremos de que maneira as diferenças interpretativas intercalam-se
para exprimir o pensamento na trajetória da reflexão como
criação da obra |
Prof. Arlei de Espíndola
Professor de Filosofia da
Unioeste/PR, Doutorando na Unicamp
A INFLUÊNCIA DE SÊNECA E DE
LUCRÉCIO NA FORMAÇÃO DA
FILOSOFIA MORAL DE ROUSSEAU
Rousseau, seguindo uma tendência
própria de sua época, manteve uma relação estreita
com as filosofias desenvolvidas na antigüidade, especialmente com
as filosofias helenísticas. Disso resultou que os escritos desta
tradição de pensamento terminaram exercendo grande influência
na formação de suas idéias. Pretendemos no presente
momento, considerando os limites que temos com uma comunicação,
realizar um exercício preliminar de aproximação dos
dois primeiros Discursos de Rousseau com o Da natureza das coisas
de Lucrécio e com alguns textos de Sêneca, sobretudo
as Cartas a Lucílio. Sêneca, mais ainda do que Lucrécio,
é considerado por certos intérpretes renomados como uma fonte
bibliográfica importante do pensador genebrino, e o esquadrinhamento
dos textos parece confirmar essa tese. |
Ana Maria Portich
Doutoranda em Filosofia
pela Universidade de São Paulo (USP)
e-mail: aportich@usp.br
O HOMEM DE BEM, SEGUNDO QUINTILIANO, COMO
PARADIGMA
PARA A ATUAÇÃO DO COMEDIANTE
NO SÉCULO XVIII
Não se encontra no século
XVIII uma reflexão sobre a arte do ator isolada da adequação
aos gêneros dramáticos. Não obstante, os tratados setecentistas
sobre representação vinculam a divisão dos gêneros
à recepção da obra, reatualizando a poética
e a retórica aristotélicas, integradas à diatribe
helenística na versão de Horácio, e ao esquema que
a retórica grega recomenda para as obras elementares de ensino.
Quintiliano segue este esquema para instruir o orador, que será
não apenas eloqüente mas um homem de bem, apto a participar
da vida pública, de modo que suas realizações e sua
participação em eventos cívicos sejam testemunhadas
por concidadãos.
Depende da audiência comprovar se
o orador sente ou não aquilo que diz; para fazer efeito, as provas
afetivas que emprega no discurso estão pois condicionadas a fatores
alheios à composição da obra. De sua conexão
com a prática, decorre que a virtude do orador seja definida por
ações realizadas e por demonstrações de afeto,
as quais constituem o ‘caráter’ do orador, o seu ethos.
A ética aristotélica articulada
por Quintiliano está na origem das discussões sobre as maneiras
de iludir o espectador, levadas a cabo durante o século XVIII sob
a indagação: o ator experimenta ou não os sentimentos
que deve suscitar no público?
Segundo a Instituição
Oratória, os atores não preenchem requisitos básicos
para serem homens de bem; apesar disso, a partir do século XVI os
argumentos de Quintiliano em prol da honestidade do orador são reinterpretados
e assumidos por comediantes que almejam participar do cerimonial de corte
e furtar-se às sanções da Contra-Reforma. Para dar
provas de total adequação à hierarquia instituída,
empenham-se em enunciar as regras que orientam seu desempenho e assim afirmar
sua proficiência em decoro cortês.
Nesse sentido também se lêem
as teorias de filósofos como Rousseau, explicitadas em sua Carta
a d’Alembert, e Diderot, autor do Paradoxo sobre o Comediante.
Ao tomar como parâmetro a noção
aristotélica de virtude e a cláusula do homem de bem exposta
por Quintiliano, a arte do ator elaborada no século XVIII condiciona
o efeito teatral aos parâmetros da vida pública; na medida
em que estes se articulam, as qualidades necessárias para um bom
desempenho do ator sofrem mudanças de perspectiva, com base na continuidade
entre retórica e poética. |
Prof. Dr. José Oscar de Almeida
Marques
Departamento de Filosofia
- IFCH/UNICAMP
E-mail: jmarques@unicamp.br
AS CONFISSÕES NO CONTEXTO
DAS OBRAS POLÍTICAS
DE J. J. ROUSSEAU
No Preâmbulo original das Confissões
Rousseau afirmou que, por seu conteúdo, a obra seria sempre “um
livro precioso para os filósofos” e um instrumento único
“para o estudo do coração humano”. O coração,
em Rousseau, é uma metáfora para os sentimentos e faculdades
da alma humana, e o que as Confissões contêm é
o relato interior do desenvolvimento da imaginação de Jean-Jacques
e sua imersão nas paixões que compõem o núcleo
da vida do homem civilizado.
Rousseau pretende que as Confissões
sejam um importante livro para os filósofos, ao lado dos Discursos,
do Emílio, do Contrato social. Mas como relacionar
essas obras? Se o Segundo Discurso conta a história do progressivo
afastamento de nossa espécie de seu estado natural, as Confissões
acompanham essa desnaturalização na história de um
indivíduo. Numa dimensão paralela e em boa medida abstrata,
o Contrato social procura as formas pelas quais, pelo artifício,
os males decorrentes desse afastamento da natureza poderiam ser minimizados
na vida em sociedade, e o Emílio desenvolve o projeto análogo
de uma desnaturalização controlada que permita preservar
a sanidade de um indivíduo em uma sociedade corrompida.
Essa oposição reflete-se
também na perspectiva que assumimos enquanto leitores dessas obras.
No Emílio e no Contrato social estamos ao lado dos
que agem e controlam; privamos da companhia dos oniscientes e todo-poderosos
legislador e preceptor; vemos o fundo do coração dos povos
e do pupilo, acompanhamos sua moldagem e condução. No Segundo
Discurso, ao contrário, somos lançados em meio aos que
sofrem o embate de forças ininteligíveis cujas conseqüências
não são conhecidas nem controláveis. “Homem, de onde
quer que venhas, eis aqui tua história” – com esse brado retórico
Rousseau assegura-se de nossa identificação com a humanidade
sofredora e decaída.
As Confissões estão
obviamente neste último caso. Se no Emílio conhecemos
Jean-Jacques o preceptor, conheceremos agora Jean-Jacques petit,
perplexo, descaminhado, perseguido; o talento do narrador produz nossa
identificação com esse personagem e tece, por meio dele,
sua fábula moral. Mas se o destino da espécie estava irremediavelmente
selado no Segundo Discurso, a vida individual pode alcançar
uma redenção, e as Confissões fornecem vislumbres
de várias possibilidades dessa redenção. Se Emílio
consegue preservar sua integridade psíquica diante de todas as armadilhas
da sociedade, tal se deve não a seus méritos pessoais mas
à árdua dedicação do preceptor. A redenção
de Jean-Jacques, entretanto, é resultado de seu próprio mérito,
contra todas as expectativas em contrário. Ele alcança, assim,
a aura de uma vida exemplar.
Para além de sua importância
literária, as Confissões de Rousseau, lidas em conjunto
com seus outros grandes textos canônicos, iluminam-se e revelam profundidades
teóricas insuspeitadas. Mas não se reconhece tão bem
que sua leitura permite organizar e unificar toda a doutrina desenvolvida
parcialmente em cada um daqueles textos. As Confissões não
apenas completam o conjunto das obras filosóficas de Rousseau, mas
constituem, talvez, a maior de todas elas. |
Profa. Dra. Wilma Patricia Marzari Dinardo
Maas
Departmento de Letras Modernas
Faculdade de Ciências
e Letras – UNESP – Campus de Araraquara
E-Mail: pmaas@uol.com.br
AS CONFISSÕES DE ROUSSEAU.
ESTETIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA
A autobiografia moderna opõe
a noção de responsabilidade pessoal à idéia
de vocação divina estabelecida pelo luteranismo. Obras como
Les Confessions, de Rousseau, The Prelude, de Wordsworth
e Dichtung und Wahrheit, de Goethe, veiculam a experiência
do indivíduo que se debruça sobre a história, ao mesmo
tempo em que se mostram como um texto no qual os dados da experiência
pessoal são arranjados de modo a constituir uma versão biográfica,
mediada pela construção estética e pela memória
individual.
A distinção tradicional
entre a autobiografia e o romance da experiência subjetiva,
entre o relato da própria experiência e a construção
estética é o reconhecimento da distinção entre
verdade e poesia, entre o evento histórico a sua projeção
idealizada. Essa distinção. ingênua, não se
sustenta quando se considera o processo constitutivo da autobiografia.
Segundo Jürgen Jacobs, trata-se de um “confrontamento hermenêutico
com o conteúdo vivido”. O sentido da história de uma vida,
o princípio sob o qual os fatos são representados em
sua organização, não se deixa compreender como dado
empírico, mas somente como resultado desse confrontamento.
Há, portanto, um espaço intermediário entre o conteúdo
histórico vivido e sua representação na autobiografia.
Autores como Goethe e Rousseau, que escreveram suas memórias pessoais
a partir de um ponto no tempo já distante dos sucessos narrados,
utilizaram necessariamente uma técnica de reconstituição
dos fatos que se assemelha aos processos narrativos ficcionais, uma vez
que recorrem a uma estetização subjetiva dos
acontecimentos. Situada em um ponto definido temporal e espacialmente em
relação à trajetória do narrador/autor, a autobiografia
permite-se trazer em si mesma o saber prévio de sua conclusão.
Ou seja, há um percurso de auto-referência que organiza os
fatos a partir de uma perspectiva futura e conhecida do narrador/autor.
A autobiografia moderna aproxima-se assim do romanesco, uma vez que a organização
dos fatos se dá a partir de uma perspectiva determinada A necessidade
do preenchimento de lacunas históricas e mesmo o largo tempo
decorrido entre os fatos e sua narração demandam uma
técnica de escrita mista entre o documental, o poético
e o retórico. O ato que deflagra a escrita tem, portanto,
caráter intencional, arbitrário, refletindo-se por toda a
narrativa que o sucede.
Nas Confissões de Rousseau
o distanciamento temporal permitiu que o narrador elaborasse esteticamente
o relato de sua trajetória. Ainda que se trate da persona histórica
de Jean-Jacques Rousseau, de suas memórias e de dados, na
maioria das vezes, historicamente comprováveis, nota-se a presença
de um sujeito narrativo construído de acordo com a retórica
particular da ficção. É esse sujeito narrador que
imprime ordem, cronologia e causalidade ao conteúdo relatado, permitindo
que se leia uma história, uma trajetória progressivamente
desenvolvida e aperfeiçoada. O objetivo desta comunicação
é o de identificar, no texto de Rousseau, as marcas imprimidas por
esse agente organizador da memória autobiográfica, nos lapsos
em que ele se descola do narrador histórico. |
Profa. Dra. Carlota Boto
Faculdade de Educação
da USP
e-mail: reisboto@usp.br
O DESENCANTAMENTO DA INFÂNCIA: ROUSSEAU,
O EMÍLIO E
A MODERNA FILOSOFIA DO EDUCAR
O Emílio de Rousseau tem
por pressuposição a idéia de que não se conhecia
a criança a ser educada. Com o fito de ultrapassar a percepção
de criança que partia da referência do homem adulto e que
via as crianças pelo que lhes faltava, o propósito rousseauniano
é o de buscar conhecer ‘o que a criança é antes de
ser homem’. Tratava-se, essencialmente, de descobrir as especificidades
da criança nas suas distintas idades de vida; mais do que compor
um método sobre regras e parâmetros de como bem educá-la.
Na história das idéias pedagógicas, o Emílio
será apontado pela posteridade como o grande relato da idéia
de criança moderna. A originalidade analítica de Rousseau
do Emílio reside, pois, na busca de deslindamento da alma infantil.
Rousseau alerta os contemporâneos para a necessidade de o adulto
reviver sua infância no ato da educação: colocar-se
no lugar da criança; procurando pensar como ela pensa e sentir –
como se fossem dele – as suas demandas e as suas dificuldades. Delineava-se,
pelo emblema do Emílio, um determinado modo de ver e, principalmente,
de periodizar os primeiros anos de vida, que acompanhariam, de alguma maneira,
posteriores estudos do desenvolvimento humano. Com Rousseau, o Emílio
torna-se quase um pacto social de âmbito pedagógico. Muitas
de suas suposições tornar-se-ão slogans, ou verdades
presumidas do discurso pedagógico posterior. Revisitar o Emílio
é, por tal razão, um requisito imprescindível para
reconstituir a atmosfera mental precursora do modo de conceber a criança
que nos é contemporâneo. O repertório da pedagogia
confunde-se, nos dois últimos séculos, com o desenvolvimento
– seja pela afirmação, seja pela negação –
da referência do pensamento rousseauniano.
Para dirigir seu discípulo, o preceptor
do Emílio atenta para a estrita observação
das diferentes etapas da vida humana: no ponto de partida, o que chamara
de primeira infância (0-7); a seguir, a puerilidade (7-12), que,
distinta daquela, mantinha ainda algo de infância dentro de si; logo
depois, haveria um pequeno período – entre 12 e 13 anos – em que
a infância pueril ainda não escapara por completo, embora
esse terceiro estágio estivesse já bem próximo da
adolescência. Não encontrando termo apropriado para designar
tal fase, Rousseau remarca que ela constitui, no indivíduo, o único
período da vida humana em que o progresso das forças superaria
o das necessidades. Tal classificação das idades não
poderá ser bem compreendida em Rousseau sem a permanência
de alguma imprecisão, de alguma confluência, de alguma ambigüidade.
Ele – que, anteriormente, dissera que a idade pueril não se confunde
com a infância – caracterizará esse estágio como o
‘terceiro estado da infância’. Consolidava-se, ali, um dado imaginário
sobre o olhar adulto para a condição infantil; dirigido pela
construção dada às idades do Emílio: em suas
etapas de vida e nas pistas para pensar a educação. O objetivo
deste trabalho é o de reconstituir alguns aspectos concernentes
à visão de infância expressa no Emílio. |
Profª Drª Karin Volobuef
Faculdade de Ciências
e Letras - Departamento Letras Modernas
Universidade Estadual Paulista
(UNESP)
E-mail: volobuef@fclar.unesp.br;
volobuef@uol.com.br
NOVALIS SOB O SIGNO DE ROUSSEAU
Novalis é conhecido como leitor
direto de Kant e, em especial, de Fichte. Contudo, percebemos que seu ponto
de partida é, a grosso modo, a idéia rousseauniana da felicidade
plena em contato com a Natureza. Nessa linha estão diversos textos
(por exemplo, Heinrich von Ofterdingen e Die Lehrlinge zu Sais)
imbuídos da Sehnsucht por um passado de harmonia e paz entre os
homens. Ao contrário de Rousseau, porém, Novalis não
vê um homem vivendo isolado e sem consciência de si mesmo,
mas acredita em um contato primordial com a Natureza aliado à plenitude
espiritual e artística. Arte, religião e amor, portanto,
são elementos essenciais para o aperfeiçoamento do indivíduo
e alicerçam a esperança pelo retorno à Era Dourada. |
Profa. Dra. Leila de Aguiar Costa
Pós-doutoranda no
Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas/Bolsista
FAPESP
E-mail: leilaguiar2@aol.com
(DES)COBRINDO O EU :
JOGOS ESPECULARES NO NARCISSE OU L’AMANT
DE LUI-MÊME
DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU
Em Narcisse ou l’Amant de lui-même,
comédia de Rousseau encenada em 1752, lemos o diálogo seguinte:
VALÈRE, considérant le
portrait: Mon coeur n’y résiste pas [...] Quoi, ne pourrai-je
découvrir d’où vient ce portrait? Le mystère et la
difficulté irritent mon empressement. Car je te l’avoue, j’en suis
très réellement épris.
FRONTIN, à part: La chose
est impayable! Le voilà amoureux de lui-même.
A passagem é paradigmática
do viés temático a nortear toda a peça: em um
sentido geral, ela consideraria a representação do eu como
uma representação em representação, isto é,
pela força do simulacro; em um sentido mais preciso, operaria uma
tal representação pela idéia do eu como imagem do
eu captada -- e no caso de Narcisse obnubilada -- pelo seu próprio
olhar.
Aceitando esse motivo, trabalhado textualmente
e cenograficamente por essa dupla articulação, é objetivo
dessa comunicação verificar os modos pelos quais Rousseau
instancia uma dialética da imagem e do olhar, procurando reconhecer
as armadilhas construídas pelo estilema “retrato” (portrait)
e pelos jogos de travestimento que conduzem o leitor/espectador -- assim
como Valère, protagonista da comédia -- nos caminhos do (auto)conhecimento,
do re-conhecimento, da semelhança e da dessemelhança. |