Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 01 de outubro de 2012 a 07 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 540Quando o preconceito entra em campo
Dissertação de educadora física mostracomo meninas enfrentam barreiras em escolinhas
Ao analisar o comportamento nos treinos conjuntos de meninas e meninos de uma escola de futebol franqueada em Campinas, a educadora física Aline Viana constatou que o preconceito de gênero ocorre de forma silenciosa. Ela ressalta que as meninas até foram aceitas no espaço de treino do futebol, diferentemente do que ocorre no ambiente escolar nas aulas de educação física. No entanto, não participavam ativamente do jogo como os meninos, mal tocavam na bola e não protagonizavam as principais cenas da partida, ainda que pagassem a mesma mensalidade e, portanto, tivessem os mesmos direitos. “Em campo, elas representavam um papel de coadjuvante”, define.
Durante quatro meses, Aline observou os treinos, filmou e registrou em diário de campo todas as atividades realizadas no período. Além disso, alunos e alunas foram entrevistados, assim como o professor. A pesquisa etnográfica permitiu que observasse as diferenças que levaram, inclusive, as meninas a desistirem de praticar futebol naquele espaço. “Algumas desanimaram por causa do preconceito de gênero e da metodologia utilizada pelo professor e, também neste aspecto, reside um dos motivos de a escola ter um contingente insignificante de adolescentes do sexo feminino”, destaca. Na turma observada, Aline registrou uma média de 25 meninos e cinco meninas matriculadas.
Uma das surpresas ao longo do estudo de mestrado que Aline apresentou na Faculdade de Educação Física (FEF), com a orientação da professora Helena Altmann, foi o papel do professor para reforçar os estereótipos em torno das mulheres no futebol. Em alguns momentos a educadora física ouviu frases jocosas, entre as quais “já lavou a louça antes de vir para o treino?”. Em outras situações, as meninas eram preteridas como, por exemplo, para jogar como goleiras, por serem consideradas mais frágeis que os meninos e incapazes de realizar os fundamentos exigidos nesta posição. “Há uma falsa legitimação de que todos os meninos são hábeis e todas as meninas, inábeis. Com isso, o ensino do futebol acaba por não atingir a todos”, avalia.
Um aspecto curioso foi observar que os pais e as mães das meninas não permaneciam durante o treino de suas filhas, enquanto as mães dos meninos compareciam durante todo o período de jogo. As questões de feminilidade e de masculinidade também foram notadas pela pesquisadora. Fora do campo, as meninas eram mais “femininas” e apresentavam um comportamento diferente daquele observado dentro do campo, com os meninos. “Em campo, elas imitavam os trejeitos masculinos, como cuspir no chão e proteger os órgãos genitais e não os seios enquanto aguardavam, na barreira, uma cobrança de falta. Por outro lado, os meninos eram vaidosos e não entravam em campo sem gel no cabelo. Também eram eles que utilizavam as chuteiras rosa”, descreve.
Aline Viana teve em sua história a principal motivação para a realização da pesquisa. Aos 12 anos de idade ela trocou as sapatilhas do balé pelas chuteiras. Sonhou em ser jogadora de futebol, mas logo acordou para a dura realidade da prática do futebol feminino no Brasil. A ausência de patrocínio e os preconceitos a fizeram desistir. “Em muitas situações que me deparei durante o estudo enxergava também a minha própria história quando cheguei a treinar em um time e sonhar em ser uma jogadora profissional”, afirma.
Ela lembra que, no início da década, a carreira no futebol era sonho inatingível para os meninos, quanto mais para as meninas. Mas, Aline insistiu e tentou a arbitragem. Também esbarrou no preconceito e, com as dificuldades e desafios, não persistiu. Partiu para a carreira como técnica, na qual desenvolveu alguns projetos de iniciação esportiva e permanece até hoje.
Para a educadora física, ainda que as mulheres conquistem diversos espaços na mídia, é visível a hegemonia masculina na prática do futebol. Em sua opinião, é necessário primeiramente desmistificar os preconceitos oriundos das concepções de gêneros. “Do ponto de vista pedagógico, o jogo só será possível quando meninos e meninas forem vistos dentro dos ambientes de ensino e aprendizagem como corpos esportivos, quando as experiências forem reconhecidas e as características individuais respeitadas”.
Publicação
Dissertação: “As relações de gênero em uma escola de futebol: quando o jogo é possível?”
Autor: Aline Edwiges dos Santos Viana
Orientador: Helena Altman
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Financiamento: Capes
Comentários
Dura realidade
Parabéns Aline pela sua tese de mestrado. Realmente as observações aqui registradas é a dura realidade de como o futebol feminino é tratado no Brasil.
Sou uma dessas meninas que tinham que treinar com os meninos, e que rendia muito mais que alguns meninos no treino e não podia participar dos campeonatos e que tinha o sonho de se tornar jogadora de futebol profissional um dia e que teve que escolher entre ter uma profissão e os estudos que desse uma tranquilidade financeira ao sonho.