Edição nº 579

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de outubro de 2013 a 20 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 579

Desigualdades rondam entorno de reservatório

Pesquisador usa técnicas de geoprocessamento para mapear condições socioambientais de região de represa

Em um país em que a população urbana se adensa cada vez mais, talvez pouca gente tenha vivenciado o que diz Fernando Pessoa em “O rio da minha aldeia”, através do heterônimo Alberto Caeiro:

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”
.

Mesmo sem essa intensidade poética e evocativa, deve existir ainda muita gente que desfrutou dos rios que correm pelas suas cidades, cujas águas claras e inodoras acabaram adensadas pela poluição e até passaram a espumar odores inviáveis.  Outros viram esses rios diluídos em represas e reservatórios cuja ocupação antrópica trouxe transformação e deterioração aos seus entornos, aprofundando contradições e desigualdades socioespaciais. Que transformações são essas, como se deram e que prejuízos causam? A que gerenciamentos precisam ser submetidos reservatórios para evitar esses problemas e garantir usos múltiplos das águas e do seu entorno?

A essas perguntas se propõe responder Marcelo Fernando Fonseca na tese em que realizou um diagnóstico das condições socioambientais do entorno do Reservatório de Salto Grande, localizado nos municípios de Americana, Nova Odessa e Paulínia, Estado de São Paulo, utilizando técnicas de geoprocessamento. Para tanto ele se vale de uma ampla base de dados georreferenciados sobre a área. O pesquisador mostra que a falta de um planejamento adequado para o reservatório e seu entorno tem contribuído decisivamente para o aprofundamento de contradições e desigualdades.

Avaliando as especificidades e potencialidades da área sob o enfoque geográfico, o estudo procura fornecer contribuições para a tomada de decisões no processo de planejamento e de gestão territorial com vistas aos usos múltiplos da água como estratégia para a mudança do cenário atual. Enfatiza particularmente a importância das relações e da participação de todos os agentes sociais envolvidos com a problemática que ali se desenvolve.

O autor considera que o planejamento e a gestão de áreas urbanas, conduzidos de forma desarticulada e equivocada, tem contribuído decididamente para o aprofundamento dos problemas e originado conflitos que devem ser objeto de reflexão. A área estudada está afeta a processos correntes de urbanização, acompanhados de impactos relacionados à qualidade da água e da sua área de entorno.

O trabalho realiza uma análise das variáveis e dos aspectos geográficos envolvidos no planejamento e na gestão territorial da área. Busca compreender as relações socioespaciais existentes nas temáticas apresentadas e enfatiza a necessidade de considerar os usos múltiplos da água como fator contribuinte para as mudanças e transformações na dinâmica local.

As constatações sugerem que as atuais práticas de desenvolvimentos socioterritoriais vigentes são contraditórias, e por vezes conflitantes, acarretando equívocos no planejamento e inibindo os processos que motivariam usos do reservatório e do entorno. Ocasionam ainda significativas perdas sociais às comunidades locais, muitas vezes beneficiando apenas alguns segmentos da sociedade ou priorizando aspirações econômicas de determinados agentes sociais.

Fonseca tece considerações sobre os usos da água e relata como se apresenta na atualidade o espaço geográfico analisado. Mostra o histórico de ocupação e apresenta aspectos geográficos peculiares ao entorno do reservatório. O pesquisador analisa ainda os pressupostos para o planejamento e gestão de usos da água e ao fazer prognósticos da área de estudo delineia algumas considerações sobre possíveis encaminhamentos a partir do conteúdo produzido ao longo da pesquisa.

Marcelo destaca que o acesso a imagens de satélites e a fotografias aéreas de boa qualidade constituíram importantes suportes para a geração de mapas temáticos. Considera também que a aplicação de formulários na forma de entrevista estruturada, com abrangência significativa em relação à população local, mostra detalhes da relação intrínseca desta com a área.

O Reservatório de Salto Grande foi criado a partir da construção da usina hidroelétrica e da barragem que se localizam em Americana, município da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Logo nos primeiros anos, após a inauguração da usina, em 1949, o entorno era procurado para atividades de lazer pela população da região. Mas seu uso foi progressivamente diminuindo com a intensificação dos processos de urbanização, deficiências na infraestrutura e ausências de programas de valorização do reservatório. Algumas áreas passaram inclusive a abrigar a prostituição e hoje se observa a subutilização de um espaço importantíssimo tanto para Americana quanto para os municípios vizinhos.

 

Motivações e delineamentos

A definição da área de estudo decorreu principalmente da preocupação com a qualidade ambiental do Reservatório de Salto Grande e com o uso de seu entorno, tanto no contexto das populações dos municípios mais diretamente envolvidas quanto da perspectiva regional. “Muito frequentada antigamente pela população, a área hoje enfrenta relativo abandono verificando-se nela apenas ações de algumas organizações não governamentais”, esclarece Marcelo. Ele destaca o importante papel da ONG Barco Escola da Natureza que, através de embarcação própria, desenvolve atividades de educação ambiental junto a alunos de várias escolas da região para mostrar problemas envolvendo a qualidade da água e do entorno.

Para uma análise territorial da área, Fonseca usou recursos associados ao geoprocessamento, como softwares de análise espacial e imagens de satélite, que permitiram o estudo do uso e ocupação da terra e geração de mapas temáticos atualizados. O levantamento de dados e registros fotográficos envolveram trabalhos de campo.

Segundo o pesquisador, uma gestão adequada do reservatório deve incluir a opção pelos usos múltiplos da água e as escolhas das melhores opções que precisam ser orientadas por parâmetros técnicos. Ele credita à consideração e adoção do critério de usos múltiplos a possibilidade de modificação do quadro atual, pois possibilitaria a atração de infraestrutura adequada a cada caso. A revitalização levaria inclusive a população a utilizar o local, seja para atividades econômicas – pesca, irrigação etc., ou mesmo sociais – lazer, frequência a áreas públicas recuperadas, entre outras.

A restauração da qualidade ambiental do reservatório impõe a avaliação do contexto em que está inserido. O rio Atibaia, que lhe dá origem e passa por vários municípios, exigiria medidas dos Comitês de Bacia no sentido de coibir práticas que deterioram a qualidade da água. Além disso, na grande área ao norte do reservatório, o “pós-represa”, a ocupação predominante atualmente é a cana-de-açúcar.  Trata-se de uma área que deve abrigar no futuro residências, indústrias e serviços e que por isso exige planejamento para a ocupação. Nela não podem ser esquecidos os espaços de preservação permanente e de reserva legal, além da necessidade de recuperação das matas ciliares, necessárias para a proteção e ressurgimento da flora e fauna locais.

A pesquisa revelou alguns aspectos interessantes como a intensificação do processo de urbanização da área, através da expansão de condomínios fechados que atendem várias faixas de renda. Em consequência, a decorrente demanda por infraestrutura deve impactar o reservatório e seu entorno.

Entrevistas realizadas com residentes mais próximos do reservatório revelaram que a grande maioria não frequenta sua orla e evidenciou problemas como poluição da água, excesso de aguapés, maus odores.  O conjunto de mapas gerados mostra que, principalmente nas margens do reservatório, as Áreas de Preservação Permanente (APP) precisam ser preservadas e recuperadas. 

 

Pressupostos e prognósticos

Marcelo considera que medidas devem ser tomadas em relação ao reservatório, várias delas de suma importância, envolvendo o planejamento no conjunto dos municípios que possuem áreas no seu entorno. Também é necessário estabelecer um diálogo com os municípios da sub-bacia do Atibaia, cujas águas contribuem para a formação da represa.  Além de tudo, faz-se necessário conscientizar e estimular as populações a participar de atividades voltadas para sua recuperação, envolver nas discussões o meio político e exercer pressão sobre as autoridades.

Ao realizar um prognóstico sobre a área, o trabalho teve como objetivo estimular a busca por mudanças através do aproveitamento das potencialidades do reservatório. “É necessário aproveitar esse potencial para que tenhamos no futuro mudanças, quem sabe conseguindo utilizar a área para múltiplas atividades como a pesca esportiva, locais de convivência, entre outras, além da geração de energia elétrica”, diz Marcelo.

O pesquisador reconhece que a questão da balneabilidade é mais complexa, pois a despoluição da água requer mais investimentos, mas a julga perfeitamente viável se houver vontade política e envolvimento da população. Certamente não será mais possível recuperar “o rio da minha aldeia”, nem o “rio da cidade”. Mas são tributos pagos ao progresso e às necessidades urbanas.

 

Publicação

Tese: “Análise territorial do entorno do reservatório de Salto Grande (SP) com o uso de geoprocessamento: contribuições para usos múltiplos da água”
Autor: Marcelo Fernando Fonseca
Orientador: Lindon Fonseca Matias
Unidade: Instituto de Geociências (IG)

Comentários

Comentário: 

nos anos 70 nadei muito naquela represa, as aguas eram limpas sem odor nenhum,com descaso do prefeito que poderia fazer uma limpesa pelo menos no aguape,talvez hoje nao
estaria assim