Edição nº 582

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de novembro de 2013 a 10 de novembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 582

Altura e peso de cadetes revelam patamar genético de crescimento

Pesquisa feita com militares demonstra tendência secular de estatura no Brasil

O que a altura, o peso e o índice de massa corporal (IMC) de jovens cadetes do Exército brasileiro têm a ver com o desenvolvimento do país, a epidemia de obesidade e os aspectos genéticos da população brasileira? Muita coisa, segundo a dissertação de mestrado “Tendência secular de estatura, peso e índice de massa corporal em adultos jovens militares brasileiros no século XX” e o artigo Secular trends of height, weight and BMI in young adult Brazilian military students in the 20th century, recém-publicado na revista inglesa Annals of Human Biology.

A dissertação é do militar e educador físico Josiel Almeida de Avila, e foi defendida dentro do programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. A orientação é do professor, médico pediatra e coordenador do Centro de Investigação em Pediatria (Ciped), Gil Guerra Júnior. O artigo é dos poucos publicados nessa área e foi aceito devido ao seu ineditismo.

“Os estudos de tendência secular no Brasil são poucos e, devido à escassez de dados para realizar análises sobre o crescimento, a maioria dos trabalhos utiliza dados de militares. Um deles foi feito aqui em Campinas, com recrutas na hora do alistamento militar, mas não foi publicado. O outro, com estudantes de alto nível socioeconômico de uma escola privada do Rio de Janeiro”, explicou Gil Guerra Júnior.

Tendência secular de crescimento é um termo usado para caracterizar mudanças que ocorrem no tamanho ou na composição corporal de um determinado grupo populacional durante um período longo de tempo. Também pode ser entendida como a alteração da idade na qual se atinge uma determinada estatura na infância ou na adolescência ou o momento em que a estatura final é alcançada em um determinado país. A tendência secular de crescimento pode ser positiva, quando ocorre um aumento ou uma aceleração do crescimento; negativa, quando ocorre uma diminuição do crescimento; ou neutra, quando não é observada nenhuma mudança.

O estudo foi conduzido por Josiel entre outubro de 2011 e janeiro de 2012. Ele coletou 2.169 dados de estatura e 1.741 dados de peso e IMC de jovens cadetes com idade entre 17 a 22 anos nascidos desde as décadas de 1920 até 1990 e que ingressaram na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) de Campinas, SP, e na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, RJ.

O primeiro ano de formação do oficial de carreira da linha de ensino militar bélico é realizado na EsPCEx e os outros quatro anos de estudo são realizados na Aman.  Na EsPCEx, os alunos são submetidos a um regime de internato, no qual todas as atividades escolares são controladas e reguladas por normas internas, incluindo horários de aula, refeições, atividades físicas e militares. A frequência do aluno às atividades escolares é obrigatória. Ao final do seu primeiro ano de formação, o aluno aprovado é considerado habilitado para ingressar na Aman. Durante os quatro anos de estudos na Aman, o cadete também vive em regime de internato, tendo uma intensa rotina de atividades físicas e intelectuais.

Nos arquivos existentes, nesses estabelecimentos de ensino, cada militar possui um prontuário com todos os seus dados. Os dados foram coletados por Josiel a partir dos militares formados no ano de 1948 e, portanto, nascidos na década de 1920. Essa data de início de coleta foi escolhida por ser o momento em que pela primeira vez aparecem os registros de peso. A partir da turma de 1948, os dados foram coletados a cada dez anos.

Os nascidos na década de 1930 não tinham o peso anotado no prontuário e, portanto, não tiveram os dados de peso e IMC analisados. Foram excluídos da pesquisa os alunos com idade inferior a 18 anos, pois alguns ainda poderiam não ter completado o crescimento. Foram excluídos também aqueles que possuíam 21 anos ou mais no momento da matrícula, uma vez que correspondiam a um número muito pequeno de casos. 

De acordo com a pesquisa, no período de 80 anos ocorreu um aumento de 7,3 cm na média da estatura dos militares brasileiros e 9,8 kg para o peso. Se no começo do século a estatura média era de 170 cm, na década de 1990 ela chegou a 177,3 cm. No entanto, o crescimento apresentado nesse período ocorreu de forma não constante. Os dados da pesquisa mostram um crescimento significativo da década de 1920 para década de 1930 e uma estagnação entre as décadas de 1930 e 1940. 

“Apesar de não terem ocorrido conflitos da Segunda Guerra no Brasil, as consequências desse panorama internacional desfavorável podem ter ocasionado o menor crescimento apresentado”, disse Josiel.

Após as décadas de 1930 e 1940, a tendência de crescimento voltou a ficar positiva e se acentuou durante a década de 1960.  Na década de 1970, a altura dos cadetes pesquisados se estabilizou em 175,7 cm de altura. Esse índice se manteve nos anos seguintes e Josiel, em sua dissertação de mestrado, explica as razões.

“Entre 1950 e 1979, a sensação era de que o Brasil estava finalmente se tornando uma nação moderna. Existia a crença de um acesso iminente ao ‘primeiro mundo’. Essa motivação teve início no pós-guerra com a aceleração da industrialização, migrações internas e urbanização. Nos 30 anos que vão de 1950 ao final da década de 70, o Brasil construiu uma economia moderna, com padrões similares aos de países desenvolvidos, tanto em produção como em consumo. Também ocorreram progressos na indústria farmacêutica, com o uso de antibióticos substituindo os remédios com base em produtos naturais e o uso de vacinas no combate a doenças. Ocorreram melhoras também nas áreas da educação, da saúde – com ênfase na medicina preventiva – e na previdência”.

Mas se houve um crescimento positivo nesse período, nas décadas de 1980 e 1990, ocorreu uma estagnação no crescimento da população, conforme apontam os dados da pesquisa. Nesse período, o Brasil começou a sentir os reflexos das três décadas anteriores marcadas pelo grande crescimento econômico. Houve uma estagnação da economia e a alta da inflação. No final de 1980 uma nova realidade se impôs: a superinflação, o desemprego, a violência e a escalada das drogas. 

“Nesse período, as desigualdades sociais no Brasil eram enormes, bem distantes das observadas nos países desenvolvidos. Na década de 1980 – conhecida como a ‘década perdida’ –, a qualidade de ensino e serviço de saúde, apesar da expansão, também era péssima. No entanto, a estagnação do crescimento pode ser o reflexo de um provável máximo potencial genético alcançado pela população”, explica Josiel.

Gil Guerra Júnior reforça essa teoria e diz que “a altura é geneticamente determinada, mas o ambiente pode modificar para cima ou para baixo esse índice. A estatura de um indivíduo é um reflexo das condições socioeconômicas em que ele vive”.

Por isso, de acordo com a pesquisa, diferenças de estatura foram encontradas com relação à região de nascimento dos cadetes da EsPCEx e Aman. Os cadetes que nasceram nas regiões Sudeste e Sul apresentaram uma estatura maior que os nascidos nas regiões Norte e Nordeste. A média de variação foi de 6,5 cm.

“Apesar das diferenças encontradas, a análise desses resultados necessita ser cautelosa, tendo em vista que muitos alunos eram filhos de militares que foram transferidos com frequência”, disse Josiel. 

Os resultados encontrados na pesquisa também apontam para uma tendência de aumento do peso e do IMC ao longo do período avaliado. O aumento do peso e do IMC ocorreu de forma significativa entre as décadas de 1920 e 1940 e de 1960 e 1970. Alguns fatores apontados pelo pesquisador como determinantes para o aumento desses índices são: a falta de atividade física, o maior consumo calórico, a globalização da produção e da propaganda ligada à indústria alimentícia.

Estudos realizados com a população brasileira mostraram que, ao longo do século XX, o país passou por mudanças nutricionais e com um maior consumo de produtos industrializados. Essa mudança, na década de 1980, ocasionou um aumento do sobrepeso nos diversos grupos etários e, a partir da década de 1990, houve um predomínio dos casos de obesidade sobre os de desnutrição. 

“O Exército brasileiro também sentiu os reflexos dessa mudança, visto que os militares incorporados entre os anos de 1980 e 2005 também apresentaram um aumento de sobrepeso e obesidade”, disse Josiel.

Os dados de altura, peso e IMC da pesquisa reforçam três pontos importantes destacados pelos pesquisadores: o primeiro é de que o Brasil atingiu um nível socioeconômico estável; o segundo é de que a estagnação do crescimento pode indicar que o país também já atingiu o seu platô genético e o terceiro é de que essa estagnação pode levar a um aumento da obesidade.

“O Brasil está entre as 10 maiores economias do mundo. Do ponto de vista genético, é necessário haver um ambiente favorável para que a população em geral atinja o seu patamar de altura máximo. É preciso que haja uma melhor distribuição de renda no país para que isso ocorra. Se tivéssemos feito a pesquisa com pessoas de nível socioeconômico baixo, não teríamos chegado nesses índices e nessa estabilidade”, comenta Gil Guerra Júnior.

“Estudos internacionais mostram que os habitantes de países desenvolvidos, após atingirem seu potencial máximo de crescimento, começaram a adquirir obesidade. Nós atingimos esse patamar agora. Medidas de prevenção contra a obesidade devem ser intensificadas. Entretanto, é preciso cautela na extrapolação dos dados da pesquisa para o restante da população”, alertou Josiel.

 

Publicações

Artigo

JA Avila, RA Ávila, EM Gonçalves, VJO Barbeta, AM Morcillo, G Guerra-Junior. Secular trends of height, weight and BMI in young adult Brazilian military students in the 20th century. Annals of Human Biology, 2013

Dissertação: “Tendência secular de estatura, peso e índice de massa corporal em adultos jovens militares brasileiros no século XX”
Autor: Josiel Almeida de Avila
Orientador: Gil Guerra Júnior
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)