Edição nº 586

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 09 de dezembro de 2013 a 15 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 586

O poeta com olhar de fotógrafo

Funcionário da área de informática da FEF sempre atuou em várias frentes

Beeroth de Souza sequer gravou o contorno de suas mãos na massa de cimento, como fazem as estrelas, mas sabe – e isso sim importa – da presença delas em cada barra de cimento da Atrefe, hoje institucionalizada Faculdade de Educação Física (FEF). Em meio à massa crítica, destaca-se por ter a genialidade dos gênios. Redundância? Não, se pensar que muitos nascem num ambiente propício para se sentir e se tornar gênio, ao passo que Beeroth foi um “gênio”em ambientes previamente julgados propícios a não formarem ninguém. Ao chegar de Minas Gerais a São Paulo, Beeroth só encontrou morada num lugar onde “a lei chegava tratando todos como bandidos”.

Se foi assim “na periferia da periferia” daquela cidade grande, na Unicamp foi bem diferente. Ao chegar, em 1987, foi parar num lugar onde encantou quase todos com a sabedoria emanada da experiência de vida e seu vocabulário irretocável, adquirido, inicialmente, em pedaços de livros e gibis descartados nas ruas de São Paulo, onde começou a sobreviver da venda de papéis que juntava. Nos versos que escreve, soam amores perdidos, mas nas histórias que conta, ressoam versos da lida. E esses, caros amigos, quem não tem demora a aprender a lidar com versos. 

– Doutores, professores você encontra por trás de picaretas (ferramenta); e debaixo de capacetes há gênios notáveis. Conheço muitos que produzem maravilhas em sua casa que, se fossem comercializadas, eles ficariam ricos, mas preferem fazem para distribuir em sua comunidade. 

E quando os alunos da FEF dizem que é inteligente, o funcionário da área de informática explica:

– Aí é que está a diferença do ser humano. Tem o inteligente e o sábio. Aquele realmente útil à sociedade é sábio. O cara que é somente inteligente vai descobrir a fusão termonuclear e usar este conhecimento para fazer uma bomba capaz de destruir um país; já o sábio vai usá-lo para inibir uma célula que pode estar maltratando a pessoa. Prefiro ser sábio. Prefiro saber como adubar a parreira para que se torne um cacho de uva que discorrer sobre grandes teorias. 

O funcionário poeta tornou-se, pela presteza, inteligência e talento, um verdadeiro presente para a Faculdade de Educação Física, a bancada de servidores do Conselho Universitário, o Sindicato dos Trabalhadores da Universidade, o Núcleo de Funcionários Fotógrafos da Unicamp. Atua em várias frentes enquanto apoia os futuros profissionais da educação física na área de Informática da FEF, sua principal atividade no momento. Não há evento da faculdade que passe despercebido aos olhos eletrônicos de sua câmera. Atualmente, de tanto fotografar exposições, ajuda a equipe da Galeria de Arte a registrar seus eventos em momentos de respiro. Brincadeira de menino que virou hábito, mania e ainda servirá de memória. 

O reconhecimento dos alunos, professores e pesquisadores, principalmente daqueles que escrevem de outras partes do mundo, enchem o coração de Beeroth de certeza de que faz sua parte na sociedade. 

– Quando um pesquisador como o técnico de futebol Alessandro Schoenmaker escreve e-mail da Holanda para contar que foi campeão, por exemplo, sinto que, em algum momento, marquei a vida de alguém. A riqueza de um homem não se compra pela grana, pelo carro que tem, mas, se um dia ele sentir dor e tiver uma pessoa para encostar a cabeça no ombro dela, saberá que é um homem rico.

Difícil dizer o que faz de Beeroth uma das enciclopédias humanas da Unicamp. Se são os olhos do menino obrigado a analisar cada segundo de sua existência para não cair em armadilhas, se seria o olhar do fotógrafo, ou a cabeça de poeta. Mas pode apostar: se encontrá-lo, vai sair com uma resposta e uma pergunta na cabeça. Isso quando ele não vem com uma pergunta para adicionar a resposta em seu repertório. Às vezes, a sugestão de pauta parte dele. Como, por exemplo, a proposta de nomear o jardim da Secretaria Geral de Praça Milton Santos [geógrafo brasileiro] por saber da existência de um baobá [árvore símbolo da resistência do povo negro] no local. 

Desde que essa “perspicácia em ser” chegou a Campinas, já produziu dezenas de livros de poesia. A impressão, a cada entrevista, é que tem parte com os dicionaristas. Ou foi obrigado por alguma mestra em sua pouca participação em sala de aula a engolir um dicionário. 

As palavras, além do apoio em informática, também são responsáveis pela coleção de troféus, medalhas, placas, homenagem em formaturas, monografias, teses, dissertações ofertados por alunos e pesquisadores. 

E foram os ouvidos atenciosos às palavras que incentivaram Beeroth a driblar tudo aquilo que chamavam de realidade para os pobres. A realidade, a exemplo do poeta, pode ser melhorada. 

– Não podemos chegar a um lugar e querer transformar, mas temos de nos colocar como alternativa para uma mudança. Mostrar o que podemos oferecer.

 

Sobrevivência 

Para começo de história, a família mudou-se para São Paulo, por sugestão sua, quando, aos 11 anos de idade, decidiu combater a violência doméstica contra sua irmã.

– Era o irmão mais velho e, por isso, teria de protegê-la de seu marido. Chega hora na vida que a pessoa tem de decidir como será sua atuação na sociedade. Se tentará agir de maneira a mudar a sociedade, ou ficará se fazendo de coitado, sem causa. Não conseguimos traçar o destino, mas temos de nos posicionar diante dele.

Foi este o sentido que Beeroth encontrou na palavra servidor público.

– Servidor público é servir as pessoas, independentemente de ter alta escolaridade.

Como bom poeta, sabe, porém, que a oportunidade não existe para todos.

– Assim que cheguei a São Paulo, naquele ambiente, já percebi que quem não tem poder satisfatório de sobrevivência está fora do processo. Eu, por exemplo, adorava estudar, mas sempre tínhamos de tentar a vida em outra região porque o proprietário pedia a casa. Senti o choque ao desembarcar numa favela de São Paulo. Até pai de família era visto como ladrão. Hoje mudou. Há um projeto lá. Conheci jogador profissional que havia ido parar naquele lugar. Profissional da área de cultura que abandonou a carreira por causa de mulher. Era outro universo, outra lei, outra constituição, mas não me rendi. 

Mas todo choque de realidade deve servir para caminhar, jamais para retrair. Beeroth driblou o que diziam ser convencional. Já queria ser um homem “rico”.

– Um dos divisores de água é aquela constatação do que você precisará fazer para ser igual aos outros, mesmo sendo diferente. Precisava de amor como todos, sentir que estava me relacionando. Quando nos viam abrindo a calça jeans com outro tecido para ficar boca de sino, alguns jovens nos diziam que era somente descer e tirar “daqueles que estavam com o que era nosso”. Ideia absurda. Éramos incentivados a fazer o mesmo.  Em minha vida, nunca primei por ter algo que não fosse meu. Vi muitos amigos serem mortos com 11, 12 anos porque desciam a roubar e eram mortos. Nessas horas, pesa o que pai e mãe ensinaram desde o nascimento: “É melhor ter um caroço de abacate que seja seu a ter um sítio que não lhe pertença”.

Ao relembrar toda a trajetória, em sua opinião, com muita glória, constata que apenas um fato dói até hoje.

– Num episódio triste, tentaram me armar para fazer justiça com as próprias mãos. Com o passar do tempo, trouxemos o restante da família a São Paulo, mas ela não foi bem aceita por ser crente. Colocaram fogo na casa e morreram dois sobrinhos. Esta dor me incentiva até hoje a lutar para tentar fazer com que o ser humano aprenda a respeitar o que é dos outros. 

Essa experiência, Beeroth usa para ilustrar aos jovens a importância de ser espelho o tempo todo. 

– Tem momento na vida que você vai decidir não somente seu destino, mas o de outras pessoas a sua volta. Imagino onde estaria se seguisse aquele apelo para fazer justiça com as próprias mãos. Quando chamo os alunos de professores, logo que chegam à FEF, ficam bravos e dizem que me estou subvalorizando, mas o que quero dizer é que, na vida, todos nós estamos o tempo todo ensinando algo a outrem e precisamos ter consciência disso. Digo também que um erro nosso serve de escola a outra pessoa. Diz a palavra que “o ser humano deve ser o sal da terra”. É pretensão, mas o ser humano tem de buscar isso.

E assim, Beeroth tentou se fazer sal na vida de um grupo de garotos  e garotas do condomínio onde residia na Moradia de Funcionários da Unicamp.

– Ao ver tanta criança sem ocupação nas horas vagas, eu, pai de dois filhos, decidi agir e chamei outros amigos para treinar futebol com as crianças. Naquele grupo ninguém se perdeu. Inclusive, uma das meninas hoje faz parte da equipe Tecnol. Não sou empresário, mas percebi que se posso mudar a qualidade de vida e o que há na cabeça do cidadão, a prática de esporte é um bom instrumento. O esporte condiciona você a ser uma pessoa que cumpre as regras. 

Além disso, a brincadeira de menino mais uma vez tornou-se coisa séria e proporcionou algumas emoções aos adolescentes e seus treinadores. Disputaram campeonatos no Sesi e  tiveram a oportunidade de conhecer jogadores, jogar na Associação Atlética Banco do Brasil. 

– Quis mostrar a eles que para ser alguém temos de tentar conquistar aquilo que é para nós, e não o que é para os outros. 

Certo o poeta. E que suas palavras direcionem outras pessoas. Assim como ele foi direcionado a organizar seu primeiro varal de poesias e concretizar o sonho de ser um escritor. 

– Trabalhava na construção do Museu Dinâmico de Campinas. Eu descartava a primeira e a terceira folhas de papel do saco de cimento e usava a segunda para escrever meus poemas. João Euler e Cecília Copo Ribeiro descobriram e promoveram o primeiro varal de poesia de minha vida. 

O primeiro livro de poesias de Beeroth é intitulado Rascunho de minh’alma e foi publicado pela  editora  Palavra  Muda,   de  Mauro  Cesar  Romeira  e  Orlando Rodrigues. Em seguida, na década de 1980, na companhia do professor Jocimar Daólio e outros funcionários da Unicamp, lançou o livro Poesias à luz do tempo

– Senti o saborzinho de ser escritor, mas tem outras produções prontas, esperando editora. O estudo é importante, mas temos de lapidar algumas coisas dentro de nós senão acabamos somente inteligentes. Somos sábios somente quando juntamos o estudo que recebemos com a vivência do dia a dia. E essa vivência que me moldou. 

Orgulho é coisa para ficar debaixo da mesa, na opinião de Beeroth.

– Hoje estou na área de informática, mas sei da massa que preparei. Tem muita gota de suor minha misturada neste cimento e nesse concreto. Quanto à poesia, quero que as pessoas esqueçam um pouco a angústia e fazer com que se sintam melhor pela minha arte. Além disso, sou feliz com a família que tenho. Sou um ser humano em processo de construção.

Seu mais recente livro lançado em Porto, Portugal, intitulado Âmago (sílabas iniciais  de  Ana Maria de Godinho, sua primeira mestra), contém um poema que ilustra sua opinião sobre ser poeta: Ser um poeta é sorrir chorando/como se a dor que a gente sente/assim fosse abstrata-mente concreta/fosse concreta-mente inexistente/E estar no olho do furacão/Ver o futuro pelo prisma dos sonhos/E ser guerreiro, contra a mesmice do talvez/E ser menino a um passo de ser Deus/E ser flor, cutelinho e aroma/E ser pássaro/do amor de ilusão vestido/E ter sempre aos lábios um canto de fé e esperança/E ser terra, mar e céus/E ter a pureza de gentil criança/E recriar a gênesis em fria folha de papel.

Comentários

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Um grande amigo, um ser iluminado por Deus e um dia ei de lhe ensinar ( SE É QUE PODE DIZER ASSIM) MINHAS MAGICAS....abç...

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É com grande alegria que recebemos nosso amigo, poeta, fotógrafo que diariamente visita a Biblioteca Central e sempre nos presenteia com um "causo" de Minas, ou uma palavra que nos alegra. Parabéns Beeroth, é um presente para universidade ter servidores como você.

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Grande Beeroth, parabéns pela lição de vida!
Bela matéria do JU!

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Beeroth é uma alma de menino em forma de gente grande. Seu carisma na FEF é imenso e está sempre pronto a ajudar quem precisa e se dispõem a ouvi-lo. De perspicácia única, compreende quando algo não vai bem com alguém. Seu olhar fabuloso para fotos eternizam momentos únicos de situações únicas. Ser único que surgiu na minha vida acadêmica e muito me ajudou nos meus momentos bons e ruins na Faculdade de Educação Física da Unicamp. Só tenho a agradecer a existência dele. Muito Obrigada!!!

Comentário: 

Beeroth, um grande líder, muito sábio, super justo, fiel e protetor!!! Você é como uma arvóre frondosa, cheia de flores, frutos, provendo sombra, acolhimento há muitos que passam por ti! Não é fácil ser tudo isso, mas para Beeroth, a vontade de ser mais feliz, de viver num mundo melhor, com esforço e amor, pondera e vence.

Espero ler muitas e muitas poesias suas! Muito sucesso meu caríssimo e ilustríssimo amigo.

Grande abraço da família Moura Becker

anamoura@yahoo.com

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Eita cara legal esse Santista mineiro!

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Berooth. grande homen iluminado.pois é um vencedor.continua nesta jornada de proesas e pensamentos positivos que eleva ao homem a sua sabedoria.

Comentário: 

Primeiramente gostaria de agradecer as belas palavras do ''nosso'' Beeroth!!! Amigo & companheiro... quem nao se lembra dele?! Sempre pronto para ajudar a todos, com toda sua humildade fez e faz parte da historia de FEF e contribuiu muito com a minha formacao. Abraco

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Primeiramente gostaria de agradecer as belas palavras do ''nosso'' Beeroth!!! Amigo & companheiro... quem nao se lembra dele?! Sempre pronto para ajudar a todos, com toda sua humildade fez e faz parte da historia de FEF e contribuiu muito com a minha formacao. Abraco

Comentário: 

Esse meu amigo é uma figura prá gente sentir muito orgulho.

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