Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 28 de abril de 2014 a 11 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 595Lugar de menina é na computação
Projeto de pesquisa quer revelar, a alunas do ensino médio, o potencial da área
Uma garota pode atuar na área da computação, sem ser, necessariamente, nerd. O “Android Smart Girls” - projeto de pesquisa voltado a 21 alunas do 1º ao 3º colegial da Escola Estadual Professor Hilton Federici, do distrito de Barão Geraldo, em Campinas - quer mostrar a essas meninas o potencial da área, por meio de uma paixão unânime entre os jovens: os smartphones.
Coordenado pela professora Juliana Freitag Borin, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, o “Android Smart Girls” consiste na implementação de um curso voltado ao desenvolvimento de aplicativos (apps) para smartphones. O projeto, iniciado há poucas semanas, almeja que meninas do ensino médio considerem as carreiras de ciências exatas, engenharias e, em especial, a computação como opções para seu futuro. O incentivo vale também para as universitárias envolvidas, já que muitas abandonam a profissão escolhida.
“Há um estereótipo de que quem está na computação é sempre nerd, pessoa que fica o dia inteiro na frente do computador, sem interagir com ninguém. E não é isso! Os profissionais da computação têm interação com todas as áreas do conhecimento. E, normalmente, as mulheres gostam, apreciam atuar em atividades de impacto social. As áreas de computação, exatas e engenharia oferecem essas oportunidades, mas o público nem sempre vê isso”, justifica Juliana Borin.
O projeto coordenado pela docente é uma iniciativa do grupo Mulheres na Engenharia (“Women in Engineering – WIE”) da Unicamp, filiado ao IEEE, a maior associação de profissionais de engenharia do mundo. O “Android Smart Girls” é tocado por um grupo de voluntários, entre alunos do IC e da Faculdade de Engenharia Elétrica e da Computação (FEEC), pesquisadores, funcionários e profissionais da indústria. O projeto foi um dos contemplados pela chamada “MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobrás – Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação”, lançada em outubro de 2013. A Samsung também apoia a iniciativa.
“Um dos principais problemas apontados em pesquisas feitas para identificar os motivos do pouco interesse das mulheres nas áreas de computação, exatas e engenharias é a percepção das tecnologias envolvidas nestas áreas. Essas tecnologias são vistas como algo desinteressante, repetitivo e difícil de serem compreendidas. Muitas propostas para estimular jovens na computação sugerem o desenvolvimento de jogos competitivos e guerra de robôs, atividades vinculadas ao universo masculino”, afirma.
Por isso, conforme Juliana Borin, a criação de aplicativos para smartphones traz maior liberdade de escolha, permitindo às alunas trabalhar em projetos alinhados com seus interesses pessoais. Isso proporciona, na prática, que as garotas vislumbrem nas carreiras da computação a possibilidade de contribuir para o avanço de qualquer área do seu interesse, seja em projetos de hardware ou de software.
“Na segunda fase do projeto, as meninas vão formar equipes para criar aplicativos com suas próprias ideias. Profissionais com cargos de gerência na indústria vão orientá-las nesta tarefa. Os melhores apps serão submetidos a competições internacionais voltadas para mulheres”, acrescenta a docente do IC.
Cenário e impactos
Os poucos dados existentes no país sobre a questão de gênero nas áreas de computação, matemática, física e engenharias revelam as disparidades nas escolhas. O Censo da Educação Superior de 2011, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, listou as dez áreas do conhecimento em que a participação masculina nas matrículas de graduação é mais preponderante. A ciência da computação está em sexto lugar.
Em primeiro vêm “engenharia mecânica e metalúrgica” (90,7% de matrículas masculinas), seguida de “proteção de pessoas e de propriedades” (89,3%), “setor militar e de defesa” (88,5%), “eletrônica e automação” (88,5%), “eletricidade e energia” (87,1%), “ciência da computação” (85,4%), “veículos a motor, construção naval e aeronáutica” (85,2%), “processamento da informação” (82,5%), “transportes e serviços” (80,5%) e “uso do computador” (80,4%).
O Censo da Pesquisa, realizado em 2010 pelo CNPq, também mostra que, embora a participação de mulheres na ciência brasileira tenha aumentado, a diferença ainda é grande nas áreas de exatas. Enquanto o número de cientistas homens na engenharia elétrica chega a 2.873 (87%), o de mulheres não passa de 420 (13%). Na engenharia mecânica são 1.675 homens (86%), contra 272 mulheres (14%). Na física, a diferença é igualmente evidente: são 2.809 cientistas do sexo masculino (80%), em oposição a 706 do feminino (20%). O levantamento, realizado com base nos Diretórios de Grupos de Pesquisa, não estabeleceu índices específicos para a área de ciência da computação.
“Um dos desdobramentos deste projeto é realizar novas pesquisas. Investigar, por exemplo, os motivos de poucas mulheres estarem na computação. Elaboramos questionários para serem aplicados junto às participantes do projeto antes e depois de sua realização. Vamos medir o raciocínio lógico, pensamento computacional, e também a visão das garotas sobre as carreiras da computação. A expectativa é que o projeto traga não só estímulos à carreira, mas também novas pesquisas, que são escassas”, ambiciona a docente do IC, uma das poucas mulheres num universo de mais de 40 homens professores da sua unidade.
Há outros impactos, em longo prazo, acrescenta Juliana Borin. “O equilíbrio de gênero permitirá o desenvolvimento de aplicativos mais intuitivos e sensíveis. Pesquisas em todo o mundo apontam: quanto mais diversidade existe em uma empresa, em uma equipe, melhores são os resultados. Não só diversidade de gênero, mas também de cultura. Empresas, como a IBM e Google, têm diversas iniciativas neste sentido porque sabem a importância disso.”
Implementação
O plano do curso de aplicativos para smartphones envolve a disciplina de “Algoritmos e Programação de Computadores”, a mesma ministrada para os alunos dos cursos de Ciência e Engenharia da Computação da Unicamp. O material didático para as alunas do ensino médio inclui conhecimentos básicos de lógica e programação.
A plataforma para o desenvolvimento dos aplicativos é o Android, sistema operacional baseado no núcleo do Linux, que possui o código fonte livre para estudo, alteração e redistribuição. O desenvolvimento dos aplicativos fará uso da ferramenta “MIT App Inventor”, também de código-livre, destinada à criação de apps para usuários sem muita experiência em programação. A ferramenta foi concebida pelo MIT (Massachussets Institute of Technology) em parceria com a Google.
Além da atuação junto às alunas de ensino médio da Escola Estadual Professor Hilton Federici, o projeto prevê diversas ações de extensão, como um hackday, maratona de programação aberta gratuitamente para mulheres de toda a comunidade. A primeira edição do evento foi organizada pelo grupo no último dia 12 de abril. Juliana Borin, afirma, no entanto, que esse hackday foi o “primeiro de muitos que se seguirão.”
Além da docente do IC, também colaboram com o projeto o professor Eduardo Valle e a pesquisadora Letícia Rittner, ambos da FEEC. O “Android Smart Girls”, que se estenderá pelo ano de 2014, conta ainda com a participação da bolsista Nicole Aguiar, aluna de Engenharia da Computação da Unicamp; das pesquisadoras Clarissa Loureiro, Raquel Schulze e Paula Paro Costa, respectivamente, presidente, vice-presidente e ex-presidente do WIE; e da ex-aluna e idealizadora do projeto, Vanessa Testoni, fundadora do grupo WIE na Unicamp, atualmente pesquisadora da Samsung Research Institute Brazil.