Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 25 de agosto de 2014 a 31 de agosto de 2014 – ANO 2014 – Nº 603Nova técnica potencializa rendimento da cumarina
Presente no guaco, substância é responsável pela atividade expectorante e broncodilatadora da plantaUma pesquisa conduzida na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp formulou um novo processo de secagem capaz de aumentar em 2,4 vezes o rendimento de uma das principais substâncias presente no guaco, planta com comprovada ação no tratamento de doenças que atacam o sistema respiratório, como tosse, dor de garganta, gripe e bronquite. A cumarina, presente na composição química da planta, é um dos princípios ativo do guaco, responsável pela sua atividade expectorante e broncodilatadora. O segredo dos resultados está no emprego do etanol na superfície das folhas para acelerar o processo de secagem, relatam os pesquisadores envolvidos.
Além de aumentar o rendimento da substância, o novo processo de secagem permitiu a diminuição no tempo de secagem em 35% em relação aos procedimentos convencionais. A redução do tempo explica o aumento do rendimento do princípio ativo, já que o menor intervalo de secagem evitou perdas. O engenheiro químico Mateus Guimarães da Silva, autor do estudo, esclarece que o efeito da temperatura é muito danoso para a cumarina.
“Quanto mais tempo o guaco fica exposto ao ar de secagem, maior pode ser a perda da cumarina. O tempo de exposição foi reduzido graças ao emprego do etanol, o que nos permitiu obter resultados surpreendentes. Não existem relatos na literatura científica de trabalhos sobre secagem de plantas medicinais utilizando o etanol, até porque se imaginava que o álcool pudesse acelerar a dissipação da substância que se queria obter”, reconhece.
A pesquisa foi desenvolvida como parte da sua dissertação de mestrado, defendida no final de março deste ano junto ao Programa de Pós-Graduação da FEQ. O estudo, financiado pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), contou com a parceria de pesquisadores do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Brasília (UNB).
Mateus da Silva foi orientado pela docente Maria Aparecida Silva, que atua no Departamento de Engenharia de Processos da FEQ e coordena o Laboratório de Processos Sólido-Fluido (LPS). A professora da Unicamp e engenheira de alimentos atua no campo da engenharia química, especialmente na área de operação de separações e misturas.
“Trata-se de um trabalho relevante que trouxe resultados que abrem perspectivas para a utilização desta técnica de secagem em outras plantas medicinais. O Mateus teve que superar muitas dificuldades na parte experimental, sobretudo pelo fato de se trabalhar com folhas. Tivemos uma vantagem porque o CPQBA tem um campo experimental de guaco. Isso é extremamente importante uma vez que, se a plantação não estivesse próxima dos laboratórios de pesquisa, o longo tempo de transporte da planta poderia causar efeitos externos que dificultariam os experimentos”, avalia a orientadora.
A secagem do guaco foi realizada em um túnel que promove a circulação forçada de ar. O equipamento, desenvolvido no laboratório da FEQ, é monitorado por um software comercial que controla a temperatura do ar de secagem e registra, continuamente, a variação de massa das folhas. Nos oito experimentos realizados, a melhor condição de secagem foi na temperatura de 50 ºC e velocidade do ar de 0,42 metros por segundo.
O pesquisador realizou também experimentos com equipamentos mais simples, como estufas, para permitir que produtores rurais consigam, no futuro, reproduzir este processo. “Avaliamos o processo em condições semelhantes às realizadas pelos produtores rurais. Os resultados, utilizando um equipamento mais simples, também foram promissores, reduzindo o tempo de secagem e aumentando o rendimento da cumarina. Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNB, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vão utilizar os nossos resultados para aprofundar estudos sobre a viabilidade econômica deste processo. O objetivo é que os produtores rurais também possam se beneficiar”, afirma Mateus da Silva.
O engenheiro químico formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no campus de Bagé, Rio Grande do Sul, informa que o etanol é um solvente orgânico acessível, atóxico e de baixo custo, já consagrado na indústria de fitoterápicos nos processos de extração de compostos bioativos. Por isso, de acordo com o pesquisador, ele poderá ser facilmente incorporado na cadeia produtiva.
A secagem de plantas medicinais, como o guaco, é um processo amplamente empregado para a preservação e conservação dos princípios ativos presentes na planta. O estudioso da Unicamp acrescenta que a técnica de secagem é realizada para atender as necessidades da indústria farmacêutica de fitoterápicos, que não tem meios para usar plantas frescas nas quantidades exigidas para a produção industrial.
“A secagem consiste na remoção de grande parte da água contida na planta, após a sua maturidade fisiológica, a um nível no qual a planta possa ser armazenada por longos períodos, sem que ocorram perdas significativas. Estes processos podem, no entanto, no caso do guaco, causar a perda da cumarina, seja pela ação enzimática ou microbiana, ocasionada pelo longo tempo de secagem, causando prejuízos para os seus fins fitoterápicos. Daí, a relevância do estudo objetivando minimizar a perda da cumarina”, justifica.
O engenheiro químico revela que a utilização do etanol na superfície de produtos vegetais durante a secagem, sobretudo em frutas, já vinha sendo estudada há alguns anos por pesquisadores do Laboratório de Processos Sólido-Fluido da Unicamp. “Foram obtidos ótimos resultados na qualidade do material seco e na redução significativa do tempo de secagem devido à evaporação intensa da água. Estes resultados promissores com as frutas abriram caminho para que novos estudos, como o meu, pudessem ser desenvolvidos, dessa vez, com folhas de uma planta medicinal”, contextualiza.
Guaco
Planta tipicamente brasileira, nativa da região sul do país, o guaco difundiu-se para várias partes do Brasil devido à popularidade do seu uso medicinal. Mateus da Silva explica que as propriedades do guaco vão além do seu uso como matéria-prima para chás e xaropes expectorantes no tratamento contra a asma, febre, infecção na garganta, tosse, entre outras doenças. Estudos comprovam que o guaco era utilizado, antigamente, pelos índios da América do Sul como antídoto de veneno de cobras e escorpiões.
“A cumarina é uma das principais substâncias responsáveis pelas propriedades medicinais do guaco, sendo utilizada no controle de qualidade dos produtos derivados da planta e definida como o seu marcador químico pela Anvisa [Agência Brasileira de Vigilância Sanitária]. O guaco está inserido na farmacopeia brasileira, o compêndio que define as especificações para o controle de qualidade de medicamentos e insumos para saúde. Ele é, inclusive, disponibilizado em algumas secretarias de saúde do país, fruto do Programa Nacional de Plantas Medicinais de interesse ao Sistema Único de Saúde.”
Publicações
Artigos
M. G. SILVA, R. M. S. CELEGHINI, M. A. SILVA. Influência das condições de secagem de folhas de guaco (Mikania laevigata Schultz Bip. Ex Baker) no teor de cumarina. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS PARTICULADOS (ENEMP 2013), 2013, Maceió. Anais do XXXI Congresso Brasileiro de Sistemas Particulados, Maceió, 20-23, Outubro, 2013.
M. G. SILVA, R. M. S. CELEGHINI, M. A. SILVA. Ethanol as drying accelerator of guaco leaves (Mikania laevigata Schultz Bip. Ex Baker). In: INTERNATIONAL DRYING SYMPOSIUM (IDS’ 2014), 2014, Lyon. Proceedings of the 19th International Drying Symposium, Lyon, 24-27, August, 2014.
Dissertação: “Secagem de folhas de guaco (mikania laevigata schultz bip. ex baker) com adição de etanol: efeito sobre o teor de cumarina”
Autor: Mateus Guimarães da Silva
Orientadora: Maria Aparecida Silva
Unidade: Faculdade de Engenharia Química
Financiamento: Capes e Fapesp