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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 29 de agosto de 2014 a 07 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 604Tese aborda mudanças no perfil de colônias de férias
Até a década de 1950, locais eram atrelados ao Estado e voltados a crianças de famílias com poucos recursosPor muito tempo, as colônias de férias ofereciam às crianças matriculadas nas escolas públicas uma viagem dos centros urbanos para ambientes ao ar livre: para o campo, a montanha e o litoral. Entre 1882 e 1950, essas colônias tinham em vista o tratamento de saúde dos estudantes, subsidiado pelo governo do Estado. Elas apareciam atreladas a antigos conhecimentos da medicina e primavam por um estilo de vida mais saudável, para a recuperação e o fortalecimento corporal de crianças carentes. Anos depois, assumiriam um caráter educacional e, hoje, tornaram-se conhecidas como estabelecimentos unicamente de lazer.
No período estudado, essas instituições trouxeram uma leitura mais positiva da natureza. “E as colônias de férias infantis passaram a carregar a ideia de uma natureza jardim construída pela cidade”, constata a professora Carmen Lúcia Soares, orientadora de estudo de doutorado da Faculdade de Educação (FE). “Um pouco antes, a natureza era considerada inóspita e rude. E o mundo rural era o mundo do Jeca Tatu”, revela.
O autor da investigação, André Dalben, lamenta que as práticas corporais ao ar livre, antes ofertadas a essas crianças por meio de uma instituição inovadora, não existam mais. “Foi algo que perdemos enquanto política pública voltada à população mais pobre.”
O pesquisador abordou nessa pesquisa a história das colônias de férias na América do Sul – em especial no Brasil, no Uruguai e na Argentina. “Essas colônias de férias tinham como ponto de convergência o fato de estarem ligadas ao sistema de ensino da época”, recorda.
Segundo ele, esse trabalho, com 389 páginas e apoiado pela Fapesp, teve origem em algumas práticas comuns na escola, que não tinham sido tão estudadas, ou em algumas instituições muito próximas das escolas, que ainda não tinham sido discutidas.
Essas colônias, diz o doutorando, sempre tinham um direcionamento. As viagens partiam da cidade para locais nos quais havia um contato maior com a natureza. A intenção era tirá-las temporariamente desse contexto para respirarem uma atmosfera mais voltada à saúde.
As crianças selecionadas para participar das colônias de férias recebiam, durante a estadia, que se estendia entre 15 e 30 dias, uma farta e nutritiva alimentação. Exercícios corporais realizados na natureza eram sempre indicados para que seus corpos ganhassem novas formas e se fortificassem. Esse era o ideal médico das colônias de férias.
Tal conceito mudou com o tempo, havendo um deslocamento da área médica para a educacional. Notou-se então que as práticas ao ar livre revigoravam o corpo das crianças e faziam mais que isso: também produziam um conteúdo educativo.
Em muitas colônias, havia muitos passeios. Com isso, as crianças saíam da cidade para visitar zoológicos, jardins botânicos, parques, bosques ou praias. Nesses passeios, os professores as acompanhavam e aproveitavam para lhes dar uma série de informações e palestras.
O aprendizado era feito na prática, e não pela leitura de livros ou pela memorização. Por outro lado, também há que se considerar que as colônias de férias, apesar de estarem próximas desse universo pedagógico, não eram bem instituições escolares. “Ocupavam o tempo das férias e não seguiam o currículo escolar”, dimensiona André Dalben.
Além do mais, incentivavam um conjunto de práticas corporais que, na década de 1930, não era a praxe nas escolas. Nas aulas de educação física, sempre prevalecia o domínio da ginástica. Assim, as colônias de férias trouxeram práticas corporais completamente reveladoras, que incluíam os banhos de mar, as caminhadas, os jogos ao ar livre, as competições esportivas e as gincanas. “É por isso que essa tese se situa entre os campos da história da educação e da história da educação física”, afirma a professora Carmen.
Práticas
Desde o mestrado, André Dalben se preocupava em saber quais eram as práticas corporais ao ar livre ofertadas à população. Foi então que utilizou um órgão oficial – o Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo –, da década de 1930-1940, para compreender essas práticas. Foi nesse momento que encontrou sobretudo três instituições: os parques infantis, uma escola ao ar livre (dentro de um parque público paulistano) e as colônias de férias.
A partir desse levantamento, verificou que as colônias de férias tinham um grande potencial para estudo, mesmo atualmente, para conhecer como foi consolidado o currículo da educação física e as práticas corporais existentes hoje em dia.
Sobre colônias modelares na época, o doutorando menciona a de Santos, organizada pelo governo do Estado de São Paulo. Reunia crianças do interior e da capital, que iam até o litoral por meio de trem de passageiro. Era a Colônia Marítima “Dr. Álvaro Guião”. Como essa, existia também a colônia de férias de altitude, localizada em Campos de Jordão.
“Então tivemos ali dois ideários – o da praia em Santos, do divertimento e das práticas corporais ao ar livre; e o da montanha em Campos de Jordão, mais curativo e de restabelecimento da energia, além, é claro, desse intuito de auxiliar as crianças desnutridas de famílias mais pobres”, rememora.
Atualmente, as colônias de férias no Brasil não existem mais com a concepção do passado. Paga-se pela hospedagem e não são mais ofertadas para a classe popular. Ficaram mais restritas à classe média e alta.
No período de férias, os pais procuram colônias para os filhos, sendo muitas delas ligadas a igrejas e a outras propostas que envolvem questões do mercado privado. Até atuam de modo a trazer as práticas inovadoras, porém não se dirigem mais às classes populares, diferente do que acontece na Argentina e no Uruguai, que ainda são colônias fruto de política de governo.
Na Argentina, as colônias de férias estão sediadas sobretudo em parques públicos urbanos, em contato com uma natureza criada e preservada dentro dos parques, antagonicamente a outras colônias de férias, como no caso brasileiro e uruguaio, que estavam sempre à procura do mar ou das montanhas. Particularmente no Uruguai, as colônias de férias tiveram ainda grande influência dos acampamentos norte-americanos da Associação Cristã de Moços da YMCA (em inglês Young Men’s Christian Association).
Mudanças
O doutorando conta que a colônia de férias de Santos ficou primeiro locada no hotel do Cassino Miramar, então transformado em alojamentos e refeitórios coletivos para receber as crianças. Este tipo de colônia findou atividades na década de 1950, pela falta de financiamento.
O sistema S (Sesc, Senai e Sesi), assim como as associações de funcionários públicos e sindicatos, começou a investir em colônia de férias, deixando estas instituições de se vincular à escola para se vincular às famílias e a todo o universo do trabalho e do lazer”, observa André Dalben.
No campo da educação física escolar, a pesquisa apresenta uma série de práticas corporais ao ar livre que poderia ser incorporada aos currículos. “Vários conteúdos também poderiam incluir atividades ao ar livre. Seria aí um novo conteúdo a ser trabalhado e que muitas vezes já vem sendo, mas não de modo sistematizado, enquanto práticas corporais ao ar livre”, explana o autor.
De acordo com Carmen, esse estudo resulta de uma pesquisa exaustiva de arquivos no Brasil, no Uruguai e na Argentina. “O André construiu as colônias de férias escolares como um objeto de pesquisa em que as relações entre natureza e cidade foram problematizadas.”
A questão que se colocou é que as colônias de férias infantis, no período estudado, trouxeram uma leitura positiva da natureza e ajudaram a recuperar a ideia de uma natureza construída pela cidade e oferecida à população, resume a docente.
André Dalben averiguou inclusive que essas atividades, sendo realizadas na natureza, reforçam seus elementos como curativos, educativos e provedores de uma vida muito mais harmoniosa. “Há o sol, o vento, o ar, as árvores. É algo muito original”, sublinha a professora Carmen.
O doutorando esteve no Uruguai e na Argentina fazendo pesquisa documental. Também teve a experiência de permanecer na França por um ano com bolsa Capes na Universidade de Montpellier 3. Em sua estadia, trabalhou parte das questões teóricas. “A França é um dos países nos quais se encontram as origens dessas colônias de férias e onde André encontrou uma farta e instigante bibliografia específica”, recupera a orientadora.
Publicações
- DALBEN, A.; SOARES, C.L. Uma educação pela natureza: vida ao ar livre e métodos terapêuticos nas colônias de férias infantis do Estado de São Paulo (1940). Pro-Posições, 22:167-82, 2011.
- DALBEN, A.; DANAILOF, K. Natureza urbana: parques infantis e escola ao ar livre em São Paulo (1930-1940). Rev. Bras. de Ciências do Esporte, 31:163-77, 2009.
Tese: “Mais do que energia, uma aventura do corpo: as colônias de férias escolares na América do Sul (1882-1950)”
Autor: André Dalben
Orientadora: Carmen Lúcia Soares
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Financiamento: Fapesp e Capes