Edição nº 607

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 22 de setembro de 2014 a 28 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 607

Tem diploma no circo


O circo não é mais o mesmo, respeitável público. A tradição do picadeiro itinerante, da arte hereditária, vem se transformando não é de hoje. Uma das grandes mudanças foi a partir da segunda metade do século XX, quando os próprios artistas, preocupados com as exigências da educação formal de seus filhos, decidiram fixar residência. Muitos reduziram as viagens, mandaram as crianças para a casa de parentes e para uma escola fixa e assumiram um novo modo de vida. O circo não é mais o mesmo porque encontrou outros modos de organizar-se. Está agora muito além da estrutura de lona. Ocupa espaços nunca antes imaginados, entre os quais as academias esportivas, os projetos sociais, as oficinas culturais e até os hospitais.

No Brasil, grande parte dessa transformação se deve aos próprios artistas que, preocupados ainda com a continuidade da arte circense, participaram da criação de escolas para a formação das novas gerações. Escolas e cursos abertos a quem se interessasse. De fato “os próprios artistas foram abrindo o ambiente para outras pessoas e facilitando esta via de mão dupla. O ‘circo novo’ de hoje estabelece-se a partir desta relação com o novo sujeito histórico”, afirma Rodrigo Mallet Duprat, autor da tese “Realidades e particularidades da formação do profissional circense no Brasil: rumo a uma formação técnica e superior”.

Rodrigo investigou a formação do profissional de circo no Brasil e também em alguns países como Bélgica, França e Espanha. O objetivo do trabalho foi entender a pluralidade da formação do profissional de circo de hoje bem como sua atuação em outros âmbitos, para além do artístico/profissional. A pesquisa foi desenvolvida no programa de pós-graduação em Educação Física, na área de concentração “Educação Física e Sociedade”.

Antes disso, no mestrado, o pesquisador, que também é artista, já havia estudado as atividades circenses na educação física escolar. Rodrigo entende que atualmente a atividade é exercida por diferentes profissionais como professores de teatro, artes ou educação física. A tese propõe formação continuada para que o profissional de circo seja habilitado e capacitado para atuar em todos os âmbitos, inclusive naqueles que ganharam maior espaço na sociedade brasileira nas últimas décadas, como os projetos de circo social. “Há no mercado profissionais híbridos, oriundos de várias áreas de formação, inclusive no circo familiar. Mas, como falta um curso superior, muitos artistas que começaram nas artes circenses vão para outras áreas do conhecimento como ciências sociais, dança, teatro, educação física, história...É até bom existir essa amplitude só que aquele profissional poderia ter a possibilidade de se formar, fazer um curso superior de artes do circo”, defende o autor da tese. 

Ele explica que é possível no Brasil fazer apenas cursos preparatórios, de aperfeiçoamento ou profissionalizantes não reconhecidos pelo Ministério da Educação. Como os cursos que são oferecidos na principal escola no país, a Escola Nacional de Circo (ENC), no Rio de Janeiro (RJ). Com mais de 30 anos, é a única mantida diretamente pelo Ministério da Cultura por meio da Funarte – Fundação Nacional de Artes.

Rodrigo avaliou a formação oferecida pela ENC, além do extinto Cefac - Centro de Formação Profissional em Artes Circenses, de São Paulo- SP, e três organizações não governamentais: Picadeiro Circo Escola (São Paulo – SP) Circo Laheto (Goiânia- GO) e o Programa de Formação do Artista de Circo (Profac) do circo Crescer e Viver (Rio de Janeiro – RJ). 

No exterior foram estudadas cinco instituições, sendo duas de nível preparatório-profissionalizante: Escola de Circ Rogelio Rivel (Barcelona/Espanha), Carampa Escuela de Circo (Madri/Espanha) e três de nível superior: École Supérieure des Arts du Cirque – ESAC (Bruxelas/Bélgica), Centre National des Arts du Cirque – CNAC – (Châlons-en-Champagne /França) e University of Dance and Circus – DOCH (Estocolmo/Suécia).

“A ideia foi estudar instituições nacionais e internacionais consolidadas visando oferecer subsídios para proposições específicas para a realidade brasileira. A pesquisa destaca uma enorme diversidade dos currículos e projetos pedagógicos e a participação de algumas dessas escolas na Federação Europeia de Escolas de Circo (Fedec), maior associação internacional do setor”. O Brasil ainda não está associado a nenhum órgão análogo, embora haja diversas associações nacionais (de artistas, de famílias, de projetos sociais, ...) o que dificulta a obtenção de dados estatísticos, como o número de instituições e de alunos, que permitiriam um olhar mais preciso do setor.

Em cada escola ou curso foram observados a estrutura física, o funcionamento, número de professores e alunos, duração, etc. Rodrigo também realizou entrevistas com os responsáveis ou pelo curso ou pela instituição, para obter dados sobre a formação na arte secular.


Apoio e reconhecimento

A principal diferença notada entre os cursos nacionais e os estrangeiros, revela o pesquisador, foi o reconhecimento e o aporte financeiro oferecidos às escolas. No Brasil, salvo a ENC, o financiamento pode até vir através das leis de incentivo à cultura, mas depois não há continuidade dos projetos e, por consequência, dificuldade na continuidade na formação dos profissionais. “Parece-nos que a formação disponível no Brasil tende expressivamente à formação mais básica dessa rede formativa, e que existem poucas escolas de formação profissionalizante. Assim, muitos entusiastas, egressos de projetos sociais e escolas especializadas e que pretendem seguir investindo e dedicando-se para se formar como artistas circenses, encontram grande dificuldade e quase nenhuma possibilidade de aprofundar seus conhecimentos”.

Uma das iniciativas do governo brasileiro para melhorar este cenário foi, de acordo com o estudo, a constituição da Câmara Setorial do Circo, em 2005, que hoje é denominada de Colegiado. Nos últimos anos, os circenses passaram a ter representantes no Conselho Nacional da Cultura, onde se discute o Plano Nacional de Cultura (PNC) e ainda maior envolvimento e participação política na tentativa de conquistar direitos. 

Por outro lado, em 2011 o governo federal investiu na cultura o valor de R$ 298 milhões, dos quais 30% foram destinados aos fundos setoriais; 40% para o fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura, e 30% destinados a ações consideradas prioritárias pelo Ministério da Cultura, completando investimentos nas universidades, em estudos, pesquisas e gestão cultural. Apenas uma pequena parcela desse montante chega aos fazedores de circo.

A Escola Nacional de Circo oferece desde 1982 uma formação artística, entre 3 anos e meio e 4 anos, gratuitamente, e a partir de 2010, também oferece a Bolsa Funarte para formação em Artes Circenses. São escolhidos jovens entre 18 e 25 anos que participam de um curso básico de um ano em artes circenses. Em 2013, foi destinado R$ 1 milhão de reais para este programa e concedidas cinquenta bolsas de R$ 20 mil. Outras iniciativas de fomento destacadas na pesquisa vêm das secretarias estaduais como o Programa de Ação Cultural (ProAC) que destina recursos para atender demandas da produção artístico-cultural. 

No curso superior oferecido na Bélgica, por exemplo, os investimentos podem ser observados não apenas na estrutura, como salienta Rodrigo, mas na formação técnica. “O aluno dispõe de duas horas por dia com o mestre da sua especialidade, e o restante da formação com os outros professores”. Em situação inversa ao Brasil, naquele país não existem escolas de circo nos níveis de formação básica. O trabalho de doutorado ressalta outras experiências que servem como exemplo de integração e comunicação dos diferentes níveis de formação que resultam num sistema de progressão continuada, como ocorre na França e no Canadá.

“Hoje pensamos em uma formação continuada, desde os primeiros contatos com as artes circenses na infância até o nível superior. O profissional de circo tem o primeiro contato, participa de projetos sociais, vive as artes circenses no lazer, até adquirir conhecimentos e optar por um curso técnico na área, para que, no futuro, possa escolher um curso superior que ele considere importante continuar”, pondera Rodrigo.

Para o autor da tese, vislumbrar a formação circense como parte de um processo de educação formal, reconhecido pelo Estado, “não é negar as múltiplas formações existentes (da familiar às instituições não formais), mas sim expressar o desejo por uma formação reconhecida pelo Estado, pautada por discussões e estudos da atual e real situação brasileira, que busquem maior integração com as demandas da sociedade em sua contemporaneidade”.

 

Publicação

Tese: “Realidades e particularidades da formação do profissional circense no Brasil: rumo a uma formação técnica e superior”
Autor: Rodrigo Mallet Duprat
Orientador: Marco Antonio Coelho Bortoleto
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
 

Comentários

Comentário: 

Parabéns filho.

rsduprat@ig.com.br

Comentário: 

Mallet, Parabéns pela conquista.

aernandes@gmail.com