Edição nº 618

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 09 de março de 2015 a 15 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 618

Grupo faz mapeamento
inédito de óvulos e embriões bovinos

Procedimento pioneiro foi concebido a partir de técnicas de espectrometria de massas

Pesquisadores da Unicamp e da USP participaram da criação de um procedimento pioneiro para a produção de imagens e do mapeamento químico de óvulos e embriões, com o uso de técnicas de espectrometria de massas. O trabalho inovador, realizado com células bovinas mas que poderá ter aplicação no estudo da fertilidade humana, é descrito em dois artigos publicados em periódicos internacionais – Reproduction, Fertility and Development e Analytica Chimica Acta.

A espectrometria de massa é uma técnica que, em linhas gerais, evolve a vaporização de uma amostra para a produção de íons – partículas dotadas de carga elétrica – que são usadas para que se possa determinar sua composição. Rodrigo Catharino, coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp e um dos autores dos dois “papers”, explicou ao Jornal da Unicamp como o método pode ser usado na produção de imagens.

“Nosso espectrômetro faz pequenos disparos de laser sobre a amostra”, disse ele. “Um tiro de laser em cada ponto, um ponto adjacente do outro. E cada tiro que ele dá, gera um espectro, de massas. Depois ele junta todos esses espectros e me dá o que veio de cada lugar. Ele joga os espectros no mapa do alvo, e depois reconstrói a sequência dos tiros que deu. A partir das reconstruções dos tiros, junto com o espectro, eu tenho a localização das moléculas, junto com a imagem”.

“O equipamento vai medindo a intensidade, a quantidade de íons que tem naquele local, e vai formando a imagem numa escala de cores”, acrescenta a pesquisadora Mônica Ferreira, também ligada ao Innovare e coautora dos artigos. “Então, temos de 0% a 100%, do azul ao vermelho, e de acordo com essa escala de cores o espectrômetro vai formando a imagem, que mostra que aonde, na amostra, estava a maior concentração daquele íon”.

Rogrigo Catharino e Monica Ferreira

Lipídios

No primeiro dos dois artigos, escrito em parceria com os pesquisadores Diogo Oliveira, do Innovare, e Roseli Gonçalves, da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, os autores mostram que é possível usar o espectrômetro de massas para visualizar as zonas do embrião bovino, destacando a chamada zona pelúcida, que o reveste. “É essa zona que protege o embrião, e que faz com que ele tenha uma determinada adesão à parede do útero”, disse Catharino.

O artigo descreve como o mapeamento do embrião por meio da espectrometria permitiu identificar e localizar de certos biomarcadores –  moléculas, no caso lipídios, que funcionam como indicadoras de processos biológicos – tanto na zona pelúcida quanto no corpo principal do embrião. “Rotas de lipídios desempenham importantes papéis biológicos na embriologia dos mamíferos, dirigindo as rotas do desenvolvimento inicial para a diferenciação”, diz o artigo, publicado na Analytica Chimica Acta.

“O lipídio não forma só as estruturas, ele participa de vários mecanismos do metabolismo para o desenvolvimento do embrião”, lembra Mônica. “Diversos lipídios, que já são conhecidos, são muito importantes nesse desenvolvimento. E há vários outros que a gente ainda está descobrindo. Esses marcadores também podem participar de alguns mecanismos ainda desconhecidos”.

Catharino fala da importância de se reconhecer e acompanhar esses marcadores, para ampliar o conhecimento a respeito da fertilidade humana e animal: “Dependendo da composição dessa zona pelúcida, o embrião vai se ligar mais fortemente, ou não vai se ligar ao útero. E se a gente não tem um conhecimento dessa zona, pode haver problemas na fertilização”. A capacidade de analisar os biomarcadores da zona pelúcida tem potencial valor médico e também econômico – mais especificamente, como os embriões usados no estudo são bovinos, na pecuária.

Biomarcadores

Já o segundo artigo, que saiu no periódico Reproduction, Fertility and Development, descreve o uso do espectrômetro de massas para investigar a evolução de lipídios biomarcadores em oócitos – óvulos – bovinos e em embriões, também bovinos, de até oito células e blastocistos, estruturas esféricas formadas num estágio mais avançado do desenvolvimento embrionário. Nesse trabalho, a espectrometria é apresentada como alternativa mais rápida e completa às técnicas usuais para a produção de imagens de célula isoladas, como a microscopia eletrônica.

Embora os dois trabalhos se valham da espectrometria, o publicado na Analytica Chimica Acta apresenta uma inovação na preparação da amostra, que se dá sobre uma placa de sílica; o segundo artigo, por sua vez, usa um método mais usual, envolvendo a preparação do embrião com produtos químicos.

“O primeiro artigo é mais focado nas regiões do embrião, em visualizar a zona pelúcida separada do embrião, das células”, disse Mônica. “Já no segundo, a gente conseguiu diferenciar quimicamente os lipídios em cada fase do embrião. Conseguimos ver os lipídios marcadores do oócito, de duas células, quatro células, oito células e do blastocisto, que é um estágio mais tardio”.

“Eles são assinaturas químicas dos estágios de desenvolvimento”, completou Catharino, acrescentando que, no segundo artigo, o grupo de autores – que inclui ainda pesquisadores baseados na Bélgica e nos Estados Unidos – foi capaz de acompanhar a evolução quantitativa de um lipídio específico. “A gente consegue semiquantificar, in situ, um único composto: eu marco esse único composto que foi tirado como marcador de estágios, ver como ele aumentava de um estágio para o outro”. O processo é uma “semiquantificação”, e não uma quantificação plena, por evolver apenas a variação proporcional, e não em quantidade absoluta, da molécula entre os diferentes estágios de desenvolvimento.

Humanos

Um dos objetivos futuros do Laboratório Innovare é estender essa linha de pesquisa a embriões humanos. “É preciso, claro, tratar da ética: não é uma coisa fácil você mexer com humanos, ainda mais com embrião, porque há os questionamentos de quando se dá a vida, os questionamentos em torno de tudo isso são muito maiores”, disse Catharino. “E com animais, animais de grande porte, você tem uma facilitação em conseguir amostras”.

“Aplicar esse estudo para humanos não só é viável como também seria nosso sonho futuro, seria o melhor de todos os mundos, inclusive para ajudar as pessoas”, acrescentou ele.  “A gente não pode chamar de epidemia, mas neste último século grande parte da população se mostrou infértil, então termos mais conhecimento sobre o que está acontecendo e aplicar as técnicas desenvolvidas aqui, sem dúvida nenhuma ajudaria bastante”.

O avanço das técnicas apresentadas nos dois artigos poderá vir a ter um papel diagnóstico na medicina e na veterinária, identificando os melhores embriões para implantação no útero. Ainda que a produção da imagem possa levar à destruição da amostra, explicam Catharino e Mônica, o procedimento tem reprodutibilidade. Disse a pesquisadora: “Como conseguimos tirar só um embrião para analisar, e há vários e vários que produzem o que a gente está vendo, há a garantia de que o embrião que eu retirei dali tem representatividade”. Catharino lembra que os processos de inseminação artificial nunca envolvem a implantação de um só embrião, mas de vários.

Ainda não é certo, disse o pesquisador, que o equipamento usado na produção de imagens de embriões bovinos possa realizar a mesma tarefa com embriões humanos, que são menores. “A gente precisaria testar. Temos a capacidade de chegar a níveis menores? Temos. Mas isso nunca foi testado. Assim como também nunca tinha sido testado se a gente ia conseguir com o embrião bovino. Até o fabricante falou: não sei se vocês vão conseguir, vamos tentar. E foi isso mesmo que a gente fez aqui”.