Edição nº 620

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de março de 2015 a 29 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 620

Tese investiga o papel
da avó no aleitamento de filha jovem

De acordo com estudo da FCM, influência nas escolhas é cada vez menor

imagem de uma amamentação materna naturalA adolescente engravidou. Um outro mundo descortina-se diante dela. Essa jovem terá pela frente uma rotina de cuidados, que começa com exames e consultas de pré-natal. Vai tudo bem. A criança nasce. A mãe vai amamentar? As avós, peças fundamentais nesse processo, consideram importante o aleitamento materno, mas hoje em dia a sua influência é mínima, já que estão ocupadas com outras questões: elas trabalham fora e, em muitas situações, são as provedoras da casa. Foi o que concluiu Patrícia Helena Breno Queiroz em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM).

Segundo ela, enfermeira pediátrica que atua na Secretaria de Saúde do município de Americana, esse estudo assinalou que as avós avaliadas respeitaram a posição das filhas de serem as mães das crianças e de fazerem suas próprias escolhas. Esse trabalho abordou a influência, ou não, das avós no aleitamento de suas filhas que se tornaram mães durante a adolescência.

A doutoranda refletiu acerca de algumas hipóteses. Uma delas foi que a avó pesava muito na decisão de amamentar, tanto pelo incentivo quanto pelo desestímulo. Ela lembra que grande parte de sua geração, da década de 1960, mamou na mamadeira, visto que suas mães ganhavam leite em pó do governo.

Por este motivo, a pesquisadora imaginou que as futuras avós não teriam interesse em encorajar o aleitamento materno porque suas filhas eram muito jovens e também porque, vivendo a menopausa, talvez poderiam querer os bebês para si. Com isso, não estimulariam o aleitamento exclusivo. Assim, elas mesmo poderiam dar a mamadeira.

No mestrado, Patrícia já havia se debruçado sobre o tema “aleitamento”, mas sob o enfoque dos profissionais, o que não a impediu de verificar a falta de estudos na esfera familiar. A bibliografia em geral realça as mulheres que amamentam.

 

Abordagem

Patrícia contou que começou a coleta de dados em 2011 e fez um pré-teste numa Unidade Básica de Saúde de Nova Odessa. A seguir, com o instrumento já adequado, prosseguiu a pesquisa em um hospital de Americana, entre 2012 e 2013.

A enfermeira abordava as futuras mamães no Ambulatório de Gestação de Alto Risco. A proposta era fazer entrevistas antes do nascimento, no puerpério imediato e mais três vezes até o bebê ter seis meses de idade (30, 120 e 180 dias).

Ela conviveu mais de perto com as mães e as avós por cerca de oito meses. Teve como casuística 25 duplas, sendo 25 adolescentes e 25 avós. Cada uma dessas 25 responderam a seis entrevistas.

Patrícia observou que a experiência nesse projeto foi muito interessante para ela, sobretudo porque a abordagem inicial, antes distanciada, aos poucos evoluiu. Com o nascimento do bebê, passou a conviver com as pessoas em suas casas, algo muito enriquecedor. O seu projeto de tese foi orientado pela docente da FCM Maria de Lurdes Zanolli e coorientado pelo docente da mesma faculdade Roberto Teixeira Mendes.

A enfermeira informou que as mães eram atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS), não havia avó que ficasse em casa e, apesar da preocupação com as filhas e netos, todas elas (sem exceção) tinham em média 46 anos e precisavam trabalhar.

Quem cuidou desses bebês? Patrícia respondeu que foram as próprias adolescentes. Desse modo, o que ela previa não aconteceu, nem positiva, nem negativamente. As avós diziam: “Você faz com seu filho aquilo que achar melhor”.

Essa foi uma posição muito madura, conforme a enfermeira, porém trabalhosa para a adolescente e que pode ser vista até como um tipo de violência. “Se não está grávida, é somente uma adolescente. Se está, vira gente grande e tem que ser responsável. É um processo exigente”, salientou.

Essa jovem comparece às consultas suas e às do bebê, e tem apenas 14 anos. “Se o médico disser para dar o leite em pó, ela dá. Se o farmacêutico disser para não tomar tal remédio, ela não toma. Ainda é muito suscetível”, explicou. “O Brasil caminhou muito na direção das orientações preventivas, trabalhou com a questão positiva do aleitamento, mas nesse grupo específico é preciso caminhar mais.”

Patrícia Helena Breno Queiroz, autora da tese: “Trata-se de uma prática que envolve  sentimento, entrega e tempo”O que surpreendeu a pesquisadora foi que, ainda que essa geração fosse digital (tem internet, fotografia, wi-fi), dizia que não sabia o que era o aleitamento materno. Não conseguia conceber que, dali a alguns meses, estaria amamentando. E essas mulheres tinham escolaridade compatível com a idade, entre 14 e 19 anos. Todas frequentavam escola.

Patrícia chegou a achar que tinha errado em sua abordagem. Contudo, elas pouco sabiam do aleitamento. Das 25 grávidas, apenas três compreendiam porque viram a mãe amamentar, porque tinham ouvido falar ou porque tinham lido a respeito.

“O primeiro pecado do profissional da saúde é que estamos numa esfera só: achando que a adolescente vai procurar o serviço de saúde e que vamos orientá-la. Precisamos espalhar isso em outras esferas, pois como elas vão aderir ao aleitamento?”, questionou. 

Para a enfermeira, falta dar a voz a essas adolescentes. Quando o profissional de saúde faz uma explanação, elas escutam. Mas se o próprio adolescente fizer, outras jovens prestarão mais a atenção. “Nesses programas de aleitamento, elas mesmo poderiam fazer instruções sobre saúde de maneira geral ou compartilhar experiências”, sugeriu.

 

Desafios

O aleitamento melhorou muito no país, principalmente no Sudeste, segundo a II Pesquisa de Prevalência e de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal (https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pesquisa_prevalencia_aleitamento_materno.pdf). “As mães saem amamentando do hospital e continuam por 30 dias. Depois disso, começam a descontinuar e, por volta dos quatro meses, o aleitamento, antes exclusivo, começa a ser intercalado com outros alimentos. Isso ocorre por prescrição médica”, criticou.

Patrícia comentou que o Brasil está adiantado em termos de aleitamento porque conta com um sistema público de saúde gratuito e disseminado. “Os programas são políticas públicas e abraçam o país como um todo. Agora, quanto mais rico é o país, mais estudado, menor é a taxa de aleitamento. Então não implica ter mais conhecimento e sim efetivamente tomar aquilo para si”, esclareceu. “Eu posso ter consciência disso, entretanto é uma prática que envolve sentimento, entrega e tempo.”

Algumas adolescentes, além de dúvidas sobre o aleitamento, mostravam um certo distanciamento. Até tinham acesso a informações. Só que da mesma maneira. Tem mais: sobre elas havia um peso social de ter que gerar o filho e ter que amamentá-lo. Não tinham a noção de que era bom. Mesmo assim, começaram a amamentar. E o hospital trabalhou fortemente para isso.

Das 25 mães entrevistadas, nove continuaram amamentando até o sexto mês. Outras saíram da maternidade e compraram uma mamadeira. “Não se trata de algo perverso. Muitas mães, vendo que a criança chora, acabam ficando desesperadas”, realçou.

É que normalmente essas adolescentes moram em casas pequenas e com muita gente. À noite, a criança chora e atrapalha quem vai trabalhar no dia seguinte. Isso angustia a mãe que, sem o devido suporte, apela para o mais fácil. “Esse momento já é delicado para o adulto. Imagine para a adolescente”, contextualizou.

 

Avós

As avós pesquisadas eram jovens, diferente das avós mencionadas na literatura, que em geral tinham mais de 70 anos e assumiam o cuidado dos netos, por questões legais ou porque os pais morreram.

A doutoranda relatou que as avós do seu estudo precisavam contribuir com a subsistência da casa. Muitas eram sozinhas e tinham uma família nuclear feminina que se apoiava nelas. Em termos de nível de instrução, a maioria não tinha concluído o ensino fundamental.

Elas trabalhavam em profissões modestas e com alto índice de informalidade. Apenas cinco tinham registro em carteira. O restante não recolhia imposto de renda e, se tivesse acidente, ficava desprovida. Então elas não podiam faltar do trabalho para não lhes faltar recursos. Várias tinham sido mães adolescentes e, como não tiveram apoio na época, disseram que iriam apoiar. Era um ciclo que se repetia.

Patrícia lembrou que muitas dessas avós avaliadas eram as mães das adolescentes ou as suas sogras. Muitas jovens mudavam para a casa do companheiro para terem maior espaço. Agora, quando perguntavam o seu estado civil, elas se diziam solteiras. Somente duas eram casadas formalmente.

 

Questões

Na entrevista, Patrícia indagou às filhas como elas se viam grávidas e qual era a impressão da mudança física? Umas achavam que estavam ficando lindas e outras horríveis. Perguntou quem iria cuidar do bebê? Todas as meninas falaram que elas, com a ajuda da mãe.

Para as avós, a enfermeira perguntou como foi sua experiência de amamentação e como estavam se sentido? Essas perguntas foram feitas antes e após o nascimento do bebê. Antes, a maioria não tinha incorporado a ideia. Depois, acharam uma experiência maravilhosa. “Acabavam ressignificando rapidamente o processo”, disse. “Temos o filho, ele cresce, casa, vai embora e aí nascem os netos. São fases da maturidade familiar. Isso em geral acontece para todo mundo.”

Para a doutoranda, estudar o aleitamento materno é essencial na sociedade porque ajuda a manter o assunto nas pautas de discussão. “Meu estudo tem um olhar distinto de outros, cuja influência da avó foi negativa para a amamentação. O meu estudo não foi nem positiva, nem negativa. Por outro lado, foi relevante que essas avós tenham confiado na decisão de suas filhas.”

 

Publicação

Tese: “As avós na gestação e no aleitamento materno de suas filhas adolescentes”

Autora: Patrícia Helena Breno Queiroz

Orientadora: Maria de Lurdes Zanolli

Coorientador: Roberto Teixeira Mendes

Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)