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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 05 de outubro de 2015 a 18 de outubro de 2015 – ANO 2015 – Nº 640Uma radiografia da prematuridade
Estudo revela que parto terapêutico é responsável por 35,4% das ocorrências de prematuros no paísO parto prematuro terapêutico é decorrente de indicação médica para o nascimento antes de 37 semanas de gravidez, devido a complicações como doenças maternas ou fetais. Esse tipo de prematuridade é responsável por 20% a 40% dos partos prematuros no mundo, variando conforme as condições de assistência médica locais, segundo dados de 2014 publicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Já uma pesquisa abrangente coordenada pela Unicamp, junto a 20 hospitais de referência do Sudeste, Sul e Nordeste do Brasil, registrou o índice de 35,4% – foi feita a vigilância de 33.740 partos no período de abril de 2011 a julho de 2012, com a ocorrência de 4.150 casos de partos prematuros, dos quais, 1.468 terapêuticos. Vídeo
O denominado Estudo Multicêntrico de Investigação em Prematuridade (EMIP), financiado por Fapesp e CNPq através da chamada PPSUS (Pesquisa para o SUS) e coordenado pelo professor Renato Passini Jr, é considerado inovador na proposta de avaliar as condições que levam à indicação do parto prematuro terapêutico, os resultados perinatais e os fatores de risco associados. As informações, que prometem contribuir para melhorar os desfechos maternos e fetais, compõem a dissertação de mestrado do médico obstetra Renato Teixeira Souza, orientada pelo professor José Guilherme Cecatti. Intitulado “Uma análise do parto prematuro terapêutico no contexto da prematuridade no Brasil”, o estudo foi apresentado em março na Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
“A principal complicação que leva à interrupção da gestação por indicação médica antes dos nove meses, evidenciada na dissertação, é a síndrome hipertensiva (pressão alta) materna, que pode prejudicar a evolução da gravidez: mais de 90% dos partos prematuros terapêuticos ocorreram por causa de um componente da síndrome”, afirma Renato Souza. “Além disso, no Brasil, a hipertensão está entre as maiores causas de mortalidade materna, sendo a primeira em alguns Estados e a segunda em outros, dependendo das condições de assistência médica locais.”
José Guilherme Cecatti, professor titular de obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia da FCM, ressalta que a eclâmpsia, uma condição ligada à pressão alta, é a causa mais importante de morte materna aqui e em vários outros países. “A eclâmpsia é um tipo de hipertensão que, por motivos não inteiramente conhecidos até hoje, acontece apenas durante a gravidez, podendo culminar em convulsões altamente prejudiciais tanto para a mulher como para a criança, inclusive com risco de morte. E, além dos cuidados imediatos, existe apenas uma forma de tratamento: interromper a gestação.”
Segundo o autor da dissertação, houve um aumento da prematuridade terapêutica em várias regiões do mundo nas últimas décadas, o que pode estar associado com o aumento das doenças maternas crônico-degenerativas (hipertensão, diabetes, síndrome metabólica, etc.). “Notamos que o perfil materno tem mudado, com a mulher engravidando mais tarde e com mais problemas de saúde. Todas essas doenças, e também a obesidade, contribuem para complicações durante a gravidez, que por vezes levam à necessidade do parto prematuro terapêutico.”
O obstetra acrescenta que, na pesquisa, os outros dois fatores mais frequentes para a resolução prematura foram o descolamento prematuro de placenta e a diabetes. “A própria síndrome hipertensiva pode afetar a função da placenta, fazendo com que o bebê cresça pouco, comprometendo a oxigenação, o recebimento de nutrientes e, não raro, tornando inviável prolongar a gestação. Vale ponderar que a prematuridade traz o risco de estresse respiratório, uma vez que o bebê não está pronto para uma vida sem suporte respiratório fora do útero, além de deficiências nos sistemas nervoso central e digestivo, entre outras complicações.”
DADOS DO EMIP
De acordo com Renato Souza, o protocolo do estudo multicêntrico visou à identificação de todos os partos prematuros nos 20 hospitais durante o período da coleta, contando com colaboradores em cada instituição. “Identificados os casos, as mães foram convidadas a responder um questionário bastante abrangente sobre todos os aspectos da prematuridade, incluindo o parto prematuro terapêutico, como fatores de risco, o tipo de assistência prestada e os desfechos de cada gestação. Os colaboradores realizaram também uma revisão dos dados de prontuário médico e carteira de pré-natal da mulher participante. Houve ainda um grande monitoramento e checagem dos registros de cada hospital, devidamente gerenciados e auditados. Nos partos prematuros terapêuticos, a via de parto mais frequente foi a cesariana.”
O EMIP coordenado pela Unicamp constatou uma prevalência global de prematuridade de 12,3% nos centros estudados, confirmando os dados oficiais do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, que indica um aumento de casos com índices de 6,2% em 1994 para 12,4% em 2012. O Brasil segue a tendência mundial, em que a estimativa de prematuros é de 15 milhões por ano, o que corresponde a 11,1% de todos os nascimentos. “Pelo nosso estudo, este aumento da prevalência de prematuridade teve como principal determinante o parto prematuro terapêutico. O conhecimento dos fatores a ele relacionados é ponto fundamental para atingir a redução destas intervenções, contribuindo para maior controle da taxa de prematuridade e da morbimortalidade neonatais”, observa Renato Souza.
Dos 1.468 casos de prematuridade por indicação médica, 45,9% foram por morbidade materna, 25,4% por morbidade fetal e 28,7% por morbidade materna e fetal. A proporção de prematuros terapêuticos sobre o total de prematuros teve pouca variação entre os casos do Sudeste e Nordeste (34,7 e 34,9% respectivamente), enquanto que no Sul essa proporção foi um pouco mais elevada (39,6%). O perfil de atendimento das maternidades avaliadas pode explicar essa variação de proporção. As causas predominantes foram: 631 por pré-eclâmpsia, 166 por hipertensão crônica, 140 por hipertensão gestacional e 102 por síndrome de Hellp (que tem a hemorragia como sintoma). Vieram na sequência o descolamento da placenta (83), diabetes (79), placenta prévia (36), infecção não obstétrica (16), doença cardíaca materna (12) e corioamnionite (6).
RECOMENDAÇÕES
O autor da dissertação explica que hoje se busca a prevenção contra a prematuridade de forma geral, mas que o EMIP comprova um aumento preocupante do parto prematuro terapêutico nos últimos anos, enquanto o espontâneo teve uma pequena queda ou tendência à estabilidade – o terceiro subtipo é por ruptura das membranas. “Apesar de se tratar de uma fotografia do que acontece nesses 20 hospitais, com limitações para se relacionar causa e efeito, o estudo permite algumas recomendações. Uma delas é de atenção para a morbidade da mãe na assistência pré-natal, especialmente na identificação da pré-eclâmpsia (pressão alta), cujo tratamento adequado poderia impedir a interrupção precoce da gravidez.”
Na opinião de Renato Souza, seria interessante que em determinadas situações houvesse uma prevenção em unidades primárias ou secundárias de saúde, mas que para isso é necessário tornar conhecidos os fatores relacionados à prematuridade terapêutica antes do encaminhamento ao terciário. “No EMIP conseguimos traçar este perfil de maneira abrangente e sólida. Esta associação entre parto prematuro terapêutico e complicações na saúde materna é uma informação preciosa quando se pensa em prevenção e manejo de assistência.”
O professor Guilherme Cecatti retoma o exemplo da eclâmpsia para lembrar que o Caism da Unicamp (Hospital da Mulher José Aristodemo Pinotti) recebeu somente um ou dois casos nos últimos dez anos, assim mesmo de mulheres que já chegaram apresentando convulsões. “O hospital realiza uma abordagem criteriosa para identificar precocemente o risco desta complicação e promover uma série de intervenções para evitá-la – o que é incomum mesmo em unidades terciárias. Do ponto de vista prático, recomendamos rigor na identificação precoce e um manejo adequado, a fim de evitar a interrupção da gestação. É uma situação que países do primeiro mundo já conseguiram controlar bem melhor que o Brasil, ainda que na Unicamp tenhamos resultados bem parecidos.”
A propósito, o docente da FCM aponta o que parece um contrassenso: que o parto prematuro terapêutico está cada vez mais frequente nos lugares com recursos mais avançados em termos de saúde. “Isso acontece porque agora podemos oferecer tratamento para muitas mulheres que antes não podiam engravidar por problemas médicos. A anemia falciforme, por exemplo, até bem pouco tempo era doença gravíssima, em que a mulher raramente passava da infância para a adolescência; ela morria. Com os recursos atuais, essas mulheres conseguem levar uma vida praticamente normal – e engravidam, sob o risco de complicações que obriguem antecipar o parto.”
MAIS DOIS PROJETOS
Cecatti ressalta a importância dos resultados deste estudo – que por ser de mestrado poderia merecer menos atenção – por não derivarem apenas do atendimento no Caism da Unicamp. “Na verdade, foi um projeto bem maior, vencedor do concurso PPSUS, muito pleiteado na área médica, cujo edital é conduzido pela Fapesp em parceria com o CNPq, selecionando projetos com grande potencial de aplicação prática para o sistema de saúde. Implementou-se uma rede com vinte instituições, o que atribui expressividade aos resultados em termos nacionais. Uma ressalva é que os 35,4% de partos prematuros terapêuticos são representativos de um conjunto de hospitais públicos de referência, índice que provavelmente seria menor caso a pesquisa fosse estendida a unidades do país inteiro.”
Outro detalhe é que o panorama amplo e profundo da prematuridade no Brasil traçado no estudo, conforme frisa o professor da Unicamp, foi fundamental para a aprovação de recursos voltados a mais dois grandes projetos, que ligam Fundação Gates, Ministério da Saúde e CNPq. “A proposta de um dos projetos é dar sequência ao tema estudando outras formas de identificação precoce em mulheres que apresentam risco maior de desenvolver uma prematuridade no futuro – trabalho que Renato Souza está desenvolvendo agora. A outra pesquisa envolve intervenções em pacientes que já apresentam sinais de risco para prematuridade, como o colo encurtado.”
Publicação
Tese: “Uma análise do parto prematuro terapêutico no contexto da prematuridade no Brasil”
Autor: Renato Teixeira Souza
Orientador: José Guilherme Cecatti
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Fapesp e CNPq