Edição nº 659

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 13 de junho de 2016 a 19 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 659

Pistas na folha de eucalipto

Pesquisa investiga ação do fluoreto
no meio ambiente na produção de alumínio

São conhecidos as pesquisas e os trabalhos desenvolvidos pelo professor Jaime Aparecido Cury, da Faculdade de Odontologia (FOP) de Piracicaba, relacionados aos benefícios da adição do flúor nas águas tratadas destinadas ao consumo humano, nos cremes dentais e nas aplicações tópicas realizadas nos consultórios dentários. Nesses casos, e estudos o comprovam, o emprego do flúor, na forma de íon fluoreto (F-), não provoca quaisquer efeitos colaterais danosos à saúde dos indivíduos.

Embora reconhecidos os benefícios do íon fluoreto no controle da cárie dentária, e apesar de encontrado naturalmente no solo, nas águas subterrâneas, nas águas dos rios e dos mares, ele é considerado um poluente quando advindo de atividades industriais na forma de gás, caso do fluoreto de hidrogênio (HF) ou de material particulado. Nestes casos as principais fontes de poluição são as indústrias de alumínio, fertilizantes, cerâmica, vidro, aço, entre outras. Este fato levou o docente, já há algumas décadas, a se dedicar também ao estudo da poluição ambiental por fluoreto e suas consequências.

Na década de 90 o professor preocupou-se, de forma assistemática, a determinar o grau de contaminação a que pudessem estar sendo submetidos funcionários de uma fábrica de alumínio. Posteriormente, em 1996 e 2006, se dedicou à determinação da poluição por flúor, decorrente da fabricação de fertilizantes, na região de Cubatão. Recentemente ele orientou tese, do dentista Fabricio Narciso Olivati, que teve o objetivo de avaliar eventual poluição ambiental por fluoreto na cidade de Alumínio, São Paulo, sede da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), a maior indústria de produção desse metal no Brasil e uma das mais importantes do mundo no setor. Situada a sudeste do Estado de São Paulo, o município de Alumínio pertence à região administrativa de Sorocaba e está a 74 km da capital.

Para determinar a presença de fluoreto o pesquisador se valeu de folhas de eucalipto como biomarcador, selecionado pela disponibilidade desse vegetal a diferentes distâncias da indústria. Como biomarcadores são utilizadas espécies vegetais que possuem maior sensibilidade para a detecção de substâncias químicas potencialmente contaminantes. Embora existam vários compostos de flúor gerados como poluentes, o trabalho centrou-se na ação de gases de flúor liberados na fabricação de alumínio e que, absorvidos pela planta, dão origem ao íon fluoreto.

As análises basearam-se na quantificação da concentração de fluoreto encontradas nas amostras de folhas de eucalipto existentes na região, em cinco diferentes pontos de coleta, e foram realizadas no Laboratório de Bioquímica da FOP, dirigido pelo professor Jaime. Para tanto, as folhas foram desidratadas, pulverizadas e o fluoreto solúvel em água foi extraído a 37 °C, sendo então o extrato resultante submetido a processos analíticos adequados.

Frise-se que os limites de ingestão de fluoretos pelo ser humano envolvem duas situações distintas: a toxidade aguda e a toxidade crônica. A aguda, hoje muito rara e acidental, decorre da ingestão por via oral de uma quantidade muito grande de fluoreto, acima da dose provavelmente tóxica (DPT) que é de 5 mg F/kg de peso do indivíduo. Já a toxidade crônica resulta da ingestão diária de pequenas quantidades de fluoreto por via oral ou respiratória. É o que ocorre com o consumo diário por crianças de água fluoretada na concentração ótima - cujo único efeito é fluorose dental, que neste caso não provoca qualquer prejuízo ao organismo. Entretanto quando pessoas são expostas durante toda a vida a altas concentrações de flúor pode haver o desenvolvimento de fluorose esquelética, provocada pela poluição ambiental decorrente de atividades industriais locais. 

Nos dentes o fluoreto em excesso interfere na sua mineralização, tornando-os opacos e mais fragilizados. Esta hipomineralização ocorre somente durante a formação dos dentes e, portanto, acomete apenas crianças até mais ou menos os sete anos de idade. Já no osso o excesso de fluoreto leva à hipermineralização tornando-o frágil e mais sensível a fraturas. Como o tecido ósseo está em constante renovação, o efeito crônico da toxidade se manifesta no adulto desde que a quantidade de fluoreto absorvida pelo organismo seja alta e por períodos muito prolongados.

A pesquisa
Embora um dos objetivos do trabalho fosse o de verificar as concentrações de fluoreto em amostras de folhas do eucalipto disponível no entorno da indústria, Fabricio pretendia inicialmente determinar também, através de exames de urina, a quantidade de fluoreto absorvido por moradores da cidade e até a situação dentária de crianças locais, propostas inviabilizadas pela pouca disponibilidade das pessoas em participar. Ele entende que em uma cidade de pequeno porte, com pouco mais de 17 mil habitantes, em que tudo gira em torno de uma única indústria, os fatores inibitórios e os receios são grandes.

Em vista disso, ele delimitou o foco do estudo à contaminação atmosférica, colhendo amostras de folhas de eucalipto da espécie híbrida Eucalyptus grandis x Eucalyptus urophilla, disponíveis no local, nos meses de março e agosto. Ou seja, no período mais chuvoso e por consequência de maior dispersão atmosférica, em que se poderiam esperar teoricamente menores concentrações do poluente, e no período menos chuvoso, portanto de menor dispersão atmosférica e, presumivelmente, de maior concentração de poluentes. A escolha de dois períodos visou também a confirmação de resultados e a eliminação de eventuais sazonalidades de produção, já que ele não dispunha de informações sobre possíveis períodos de maior ou menor atividade da fábrica.

A colheita das folhas foi feita às distâncias de 250, 350, 600, 700 e 1.700 metros da indústria e amostras de controle foram colhidas, nas mesmas épocas, na cidade de Capão Bonito, a 150 km do local, onde reside o pesquisador, comprovadamente livre de poluição por fluoreto de origem industrial, e que se distingue ainda por possuir o maior reflorestamento de eucaliptos no Estado de São Paulo, de propriedade do mesmo grupo empresarial. Com a colheita de amostras a várias distancias procurava-se saber se a poluição concentrava-se no entorno da fábrica ou se disseminava além.

A constatação foi a de que a presença de poluição não tem relação direta com a distância da indústria, pois foram encontradas concentrações acima dos valores normais em plantas em todos os pontos estudados, mas sem que se verificasse uma tendência padrão. Esse achado contrariava de certa forma o que era inicialmente esperado, ou seja, que a concentração de fluoreto fosse máxima próximo à fábrica e que diminuísse com o distanciamento dela. Ele considerou, então, a possibilidade deste aparente disparate decorrer da ação dos ventos predominantes na região, explicação a ser confirmada por outras pesquisas.

Segundo a literatura especializada, as concentrações de fluoreto estão dentro da normalidade quando na faixa 1 a 10 ppm - que corresponde à mg F/kg de vegetal, mas podem ser potencialmente tóxicas para as plantas quando atingem de 20 a 80 ppm. No caso, houve pontos da coleta que atingiram mais de 450 ppm, ou seja, 450 miligramas de flúor em 1 000 gramas do vegetal, ou ainda, 0,45 miligramas de fluoreto em um grama do vegetal. Os valores detectados no entorno da fábrica foram 5 a 100 vezes maiores que os encontrados no grupo de controle (Capão Bonito). A propósito Fabricio ressalva: “Os resultados em média mostraram que as concentrações de íon fluoreto nas folhas de eucaliptos localizados ao redor da fábrica na cidade de Alumínio foram da ordem de 8 a 54 vezes maiores que os encontrados em Capão Bonito, evidenciando a emissão de fluoreto de hidrogênio na atmosfera. Não determinamos os possíveis impactos dessa emissão de fluoreto nos trabalhadores da fábrica, na população, na fauna e flora da região, que devem ser pesquisados”.

O professor Jaime lembra que para efeitos comparativos, de controle analítico e validação da técnica, foram analisadas as concentrações de fluoreto nas folhas da espécie Camellia sinensis, da qual é obtido o chá preto ou verde, por se tratar de planta que consegue captar o fluoreto contido no solo. No chá preto o fluoreto tem origem natural atingindo concentrações de até 1000 ppm. Uma xícara de chá preto chega a contribuir com uma ingestão de fluoreto equivalente a 1 litro de água fluoretada na concentração ótima de 0,7 ppm.

Explicações
O professor Jaime explica que se levou em conta no ar do entorno da indústria principalmente a presença de fluoreto gasoso, que entra na folha e libera no seu interior o íon fluoreto. Mas esse mesmo gás é absorvido pelos vegetais e respirado pelos animais e humanos e uma vez nestes, na forma iônica, chega ao sangue que o conduz aos vários tecidos do organismo. O seu efeito cumulativo ocorre ao encontrar os tecidos mineralizados nos quais se junta ao cálcio solidificando-se na forma de minerais.

O docente esclarece ainda que, embora as empresas disponham de filtros para retenção de gases nocivos, ela não é total e uma parte deve escapar para o ambiente, como sugerem os dados do trabalho. Então ele se pergunta: “Se gases de fluoreto estão contaminando a atmosfera o que deverá estar acontecendo com os que trabalham dentro da fábrica? É uma pergunta que merece resposta, pois se trata de uma questão de saúde ocupacional. A legislação (NR 7, 2013) exige análises periódicas de urina em ambiente industrial em que há possibilidade de contaminação por fluoreto, o que imagino deve estar sendo feito em Alumínio. Valores de excreção de fluoreto na urina, em termos do Índice Biológico Máximo Permitido (IBMP) de 3,0 mg F/g creatinina antes do início da jornada de trabalho e de 10,0 mg F/g creatinina ao final dela são parâmetros previstos por lei. Dados, da década de 90, de que confidencialmente disponho, mostraram que essa contaminação existia. Resta verificar se continua e quanto ela pode estar afetando a saúde do trabalhador”.

Fabricio enfatiza que os dados obtidos mostram que existe poluição ambiental por fluoreto em certo espaço em torno da fábrica, embora não permitam determinar o impacto dela nos vegetais, nos animais e nos seres humanos. “Tínhamos ideia de fazer um trabalho até com as crianças para detectar o efeito dessa poluição na fluorose dental, mas não conseguimos por falta de receptividade. Nossa pesquisa acabou tendo caráter prospectivo e exploratório. Os possíveis impactos dessa poluição na saúde dos trabalhadores, dos moradores da cidade e sobre os animais e vegetais da região sugerem novas pesquisas, a exemplo do que é rotineiramente feito em países como Alemanha, Austrália, Nova Zelândia”, conclui ele.

Publicação

Tese: “Concentração de íon flúor em folhas de eucalipto localizadas ao redor de uma indústria de alumínio”
Autor: Fabricio Narciso Olivati
Orientador: Jaime Aparecido Cury
Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)