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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 29 de agosto de 2016 a 11 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 667Em escala maior
Pesquisadora sintetiza, caracteriza e processapolímeros biorreabsorvíveis implantados em vítimas de acidentes
Tese de doutorado apresentada na Unicamp promete ser um primeiro passo para suprir a limitação do Brasil na produção de alguns biomateriais, que ainda precisam ser importados visando aplicações como para corrigir e regenerar lesões de tecidos e ossos em vítimas de acidentes traumáticos. A pesquisa de Ana Flávia Pattaro resultou na síntese, caracterização e processamento de polímeros biorreabsorvíveis para obtenção de materiais com características específicas para cada área de aplicação em engenharia de tecidos. A tese foi orientada pelo professor Rubens Maciel Filho, coorientada pela doutora Maria Ingrid Rocha Barbosa Schiavon e desenvolvida no âmbito do Biofabris – Instituto de Biofabricação, instalado na Faculdade de Engenharia Química (FEQ).
Ana Flávia Pattaro afirma que a obtenção de polímeros puros, copolímeros e nanocompósitos são fundamentais para que os biomateriais alcancem diferentes propriedades e desempenhos, sendo muito versáteis na aplicação em engenharia de tecidos. “Trabalhei com dois polímeros já conhecidos no meio científico, PGA (Poli (Glicolídeo)) e PLLA (Poli (L-Lactídeo)). A grande vantagem foi sair da ampola em laboratório para produzir polímeros em escala maior, principalmente aqui no Brasil, onde há pouca síntese deste material – ele é normalmente importado, vindo já sintetizado para produção de próteses.”
A inovação neste estudo, segundo a pesquisadora, está na síntese do PLLA juntamente com argila bentonítica para produzir um nanocompósito esfoliado. “Atestamos que a argila não interfere no crescimento celular, sendo que esta parte do trabalho se encontra inclusive em processo de patente. A tese pode gerar muitas outras pesquisas, envolvendo desde a copolimerização, que ainda precisa de ajustes, até o processamento do nanocompósito por eletrofiação [técnica de produção de fibras com diâmetros em escala nanométrica], o que em minha opinião representa grande potencial para a sua utilização em pele, curativos e outras aplicações.”
A autora da tese explica que os polímeros biorreabsorvíveis podem ser utilizados como scaffolds (estruturas para implantes), fios de sutura, pinos e na liberação controlada de drogas, entre outras aplicações. “Esses materiais importados são muito caros, havendo grande necessidade de realizar esta produção no Brasil. Para cada tipo de aplicação é necessário que tenham características bem definidas de síntese. A maior vantagem da utilização de biopolímeros em próteses é que sua absorção pelo organismo ocorre simultaneamente ao crescimento do tecido danificado, não havendo necessidade de remoção da prótese nem problemas de rejeição.”
De acordo com o professor Rubens Maciel Filho, os compostos presentes nestes biopolímeros auxiliam no crescimento celular, permitindo sua utilização, por exemplo, como bandagens para úlceras causadas por diabetes e outras feridas que demoram a cicatrizar. “O material potencializa o crescimento da pele diminuindo o risco de infecções. Dependendo da técnica de fabricação é possível obter filmes suficientemente flexíveis para aplicação como segunda pele em queimaduras e outras lesões maiores; ou para aplicações que exijam maior resistência mecânica, como parafusos em reconstruções ósseas.”
O professor considera importante destacar que a técnica para sintetizar um biomaterial com nanocompósito esfoliado foi desenvolvido dentro do Biofabris, com um campo de aplicações que vai muito além do imaginado pelo grupo, sobretudo na área médica e outras correlatas. “Não se trata de um produto de prateleira, disponível em farmácias ou mesmo em lojas especializadas. Há uma série de aplicações que ficarão mais claras no andamento das pesquisas, devido às características que este material já apresenta e pode apresentar. Isso se deve não apenas à presença da argila, mas à forma esfoliada como estão estruturados. É um polímero obtido simultaneamente com a colocação dos nanomateriais e, por isso, com propriedades mais eficientes para certas aplicações.”
Para André Luiz Jardini, pesquisador sênior do Biofabris, o impacto deste trabalho está na produção de um material final que pode ser utilizado em diversas áreas, como em cirurgia plástica, quando a pessoa sofre um acidente e há deformação de parte do assoalho da órbita onde o globo ocular é sustentado. “Com este material é possível produzir implantes para reconstruir o assoalho e, sendo biorreabsorvível, o organismo vai absorvê-lo conforme ocorre o crescimento ósseo no local. É uma área delicada não só em termos de cirurgia plástica quanto de implantação de parafusos de titânio para fixação de placas.”
A bióloga Ana Amélia Rodrigues ficou responsável pelos testes em cultura de células, observando como os biopolímeros interagiam com células como de regeneração de cartilagem (fibroblastos). “Pelo menos nos testes em laboratório feitos até o momento, esses materiais não interferiram na proliferação das células. Esses testes são os recomendados para a produção de biomateriais, o que já permite avançar para ensaios in vivo dando prosseguimento ao trabalho.”
Rubens Maciel Filho lembra que é preciso considerar o valor agregado ao biomaterial, não por ele em si, mas pela dificuldade de produção, funcionalidade e importância da aplicação. “Implantado no ser humano, este material vai dar a resposta desejada pelo médico, permitindo que um osso cresça e se regenere, sem a necessidade de uma segunda cirurgia para sua retirada. Estamos partindo de materiais relativamente baratos para valorizá-los ao preço do ouro. Possuímos um dado de que, produzindo o lactídeo e o polímero através do açúcar como matéria-prima, estaremos multiplicando em mais de 100 mil vezes o valor de exportação desta commodity. Outros produtos podem ainda ser produzidos agregando valores a matérias-primas nacionais”.
Ana Flávia Pattaro esclarece que, para sua tese, os polímeros biorreabsorvíveis foram sintetizados a partir do dímero (lactídeo e glicolídeo), que é importado a um custo aproximado de R$ 15 mil o quilo. “Nosso desafio agora é desenvolver o lactídeo a partir do ácido láctico, uma fonte que pode vir da fermentação da cana-de-açúcar, tornando toda a cadeia muito mais acessível financeiramente. Desde a sua criação, o Biofabris sempre teve este objetivo: a biofabricação para desenvolver produtos que cheguem à sociedade.”
O Biofabris
O Biofabris é financiado pelo Governo Federal e pela Fundação de Auxílio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), tendo o professor Rubens Maciel Filho na coordenação. O laboratório conta também com a participação de docentes da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) e da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, e com pesquisadores do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), entre outras instituições.
Sobre esta missão do Biofabris, Maciel Filho aponta a necessidade de dominar áreas fundamentais para o desenvolvimento de aplicações destinadas à população que não tem condições de pagar os valores convencionais. “Queremos mostrar que a pesquisa acrescenta valor aos produtos, dentro de um conceito diferente que é a bioeconomia, trazendo riqueza real para o país e garantindo acessibilidade a todos. É um trabalho em equipe, com várias etapas de produção e conhecimentos específicos que o valorizam demais. É bom lembrar que o Brasil vive quase uma guerra do Vietnã por ano em acidentes de moto nas grandes cidades, vitimando uma maioria de jovens que custam para o Estado, para a família e principalmente para eles próprios, que interrompem seus projetos de vida por nem todos terem acesso a próteses e tratamento especializado.”
André Jardini também destaca a multidisciplinaridade da equipe, que no caso desta pesquisa reuniu químico, engenheiro químico, engenheiro mecânico, engenheiro de materiais e biólogo. “É assim desde a criação do Biofabris em 2009. Um pesquisador, isoladamente, dificilmente chega a um material como este, capaz de gerar impacto na sociedade. Os estudos com esses biopolímeros prosseguem, agora na parte de aplicação, com a criação de um projeto para aprovação no comitê de ética e início dos testes pré-clínicos, a fim de identificar as áreas de interesse como de dermatologia, cardiologia (stents) e cirurgia plástica (parafusos e placas). E há a questão prévia, que é a síntese do material precursor, ou seja, como produzir o lactídeo a partir de fontes renováveis, no caso, melaço da cana-de-açúcar.”
Ana Flávia Pattaro, que teve apoio da Fapesp, do CNPq e da BunTech (empresa do grupo BUN – Bentonit União Nordeste) para desenvolver a tese de doutorado, lembra que ainda há muito trabalho pela frente para ajustar as propriedades do material. “É apenas o início de muita pesquisa. Precisamos, por exemplo, ajustar as propriedades do nanocompósito para cada tipo de aplicação, incluindo próteses e, também, aperfeiçoar o processo de organofilização (transformação da argila para que tenha afinidade com o polímero), pois qualquer resíduo pode interferir no crescimento celular. Não recorremos a qualquer tipo de purificação para este polímero, o que também representa um grande progresso: quanto menos processos envolvendo solventes, melhor o resultado final, com produtos que não causem toxidade.”
Publicação
Tese: “Síntese, caracterização e processamento de polímeros biorreabsorvíveis para uso na engenharia de tecidos (Tissue Engineering)”
Autora: Ana Flávia Pattaro
Orientador: Rubens Maciel Filho
Coorientadora: Maria Ingrid Rocha Barbosa Schiavon
Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ)
Financiamento: Fapesp, CNPq e BunTech