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>>SOCIEDADE
2002
vai ser um ano de ocupações
Stédile afirma que governo desrespeitou
700 mil famílias
cadastradas e que elas lutarão por seus lotes
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
Gm
2001, o Ministério do Desenvolvimento Agrário
inaugurou um sistema inédito para a distribuição
de terras no Brasil. Fez uma campanha publicitária convocando
os sem-terra para que se cadastrassem nos Correios, com a promessa
de contemplar todas as famílias interessadas. Até
hoje, porém, segundo o MST, nenhuma das 700 mil famílias
inscritas recebeu um lote sequer. Por isso, João Pedro
Stédile, liderança nacional do movimento, afirma
que 2002 vai ser um ano de ocupações.
Como
o governo é irresponsável e não tem compromisso
nenhum com essas famílias, nós vamos continuar
nos organizando e, durante o ano, haverá muitas lutas
pela terra, muitas ocupações, justamente pelo
pessoal que se cadastrou e agora se sente desiludido pela mentira
vergonhosa do governo, acusou Stédile em entrevista
ao Jornal da Unicamp, durante sua participação
no IV Curso sobre Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural.
O
dirigente disse que a estratégia de cadastramento pelos
Correios foi elaborada pelo ministro Raul Jungman, do Desenvolvimento
Agrário, numa tentativa de contestar os números
de agricultores sem-terra divulgados pelo MST. Ele queria
apostar com a gente que o número de famílias que
divulgávamos era só uma propaganda política
de oposição. Achava que só meia dúzia
se cadastraria e que nós ficaríamos desmoralizados.
Mas apareceram em torno de 700 mil e o governo ficou com o pepino,
porque nem uma única família recebeu o seu lote,
afirmou.
Stédile
aceitou o desafio do ministro apoiado em estatísticas
que apontam para uma significativa redução das
pequenas propriedades rurais no Brasil. Segundo ele, só
nos últimos sete anos, 920 mil famílias de pequenos
agricultores, com menos de 50 hectares, perderam suas terras.
Isso indica que o processo de concentração
da propriedade continua cada vez maior. O modelo econômico
não cria oportunidade para o pequeno agricultor melhorar
suas condições de vida, deixando claro que está
aumentando o número de sem-terra.
O
Censo Agropecuário do IBGE de 1996, lembrou o dirigente,
detectou 4,5 milhões de famílias trabalhando na
agricultura sem possuir terra, denunciando a potencial demanda
por reforma agrária. Desde que foi criado, há
18 anos, o MST conseguiu assentamentos para 350 mil famílias,
mas a situação é precária. É
uma realidade dura, porque o modelo de desenvolvimento econômico
que o governo FHC vem implantando é subordinado às
multinacionais, para as elites. Agora, além de lutar
contra o latifundiário aquele perdulário
que esconde da sociedade extensas áreas improdutivas
, temos de lutar também contra o modelo econômico,
para que se mude a lógica e que se estimule a pequena
propriedade; para que o governo reorganize a agricultura, voltando-a
ao mercado interno.
Desastre
Questionado sobre uma reportagem publicada recentemente
pela revista norte-americana Newsweek, denunciando a reforma
agrária brasileira como um desastre, Stédile afirmou.
A matéria falava o óbvio, aquilo que denunciamos
por todo esse tempo. Não está acontecendo reforma
agrária no Brasil: são assentamentos pontuais,
que os trabalhadores conseguem depois de ficar dois ou três
anos acampados e brigando com o Poder Judiciário. Isto
não é reforma agrária, é uma luta
desesperada pela sobrevivência.
A
reforma agrária, segundo o entendimento do MST, deveria
significar a aplicação de um modelo econômico
voltado para a agricultura familiar e para o mercado interno,
em comunhão com uma melhor distribuição
de renda urbana, que permita ao operário da cidade ter
um salário maior para poder comer melhor. Aí,
o pequeno produtor vai produzir para ele. Hoje, todo o consumo
interno vem do exterior, de países que plantam com subsídios,
como a Argentina e os da Europa, exemplifica.
Stédile
acrescenta que a política agrícola do governo
extinguiu as famílias de agricultores que comercializavam
sua produção, como do leite, queijo, frios e embutidos.
Hoje, três grandes multinacionais detêm o
monopólio da produção e comercialização
de produtos agro-industriais nessa área, comentou,
citando Parmalat, Nestlé e Danone. Como o produtor
com 10 hectares vai viver com 10 ou 15 vacas, se as multinacionais
que controlam o mercado vão pagar R$ 0,20 e até
R$ 0,10 por litro no verão, em algumas regiões?
O pequeno produtor vai ter de vender cinco litros de leite para
comprar um copo de água ou uma coca-cola. Esta relação
de preços condena o camponês e o agricultor à
pobreza perpétua. Por mais que eles produzam, não
conseguirão melhorar de vida.
Ao
priorizar a produção de alimentos para a exportação,
insiste Stédile, este modelo poderá levar à
escassez, num hipotético dia em que o salário
do trabalhador brasileiro tiver um aumento real. As feiras
não terão produtos para atender a demanda, pois
não existe uma política agrícola destinada
a atender ao mercado interno. Vai faltar de leite a batata.
O modelo de Fernando Henrique Cardoso não deixa espaço
para a agricultura familiar, que produz alimentos para a população
brasileira.
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Nova
campanha tenta mudar Constituição´
A
proposta do Curso sobre Realidade Brasileira é, principalmente,
a de despertar a consciência dos quase mil jovens da área
rural, entre 14 e 20 anos, filhos de assentados, vindos de todos
os estados do Brasil. Eles são a garantia da continuidade
da luta pela terra no Brasil. Estão sendo preparados
e formados para continuar a luta. Ensino a história do
Brasil para mostrar como o passado explica o presente,
afirmou o professor Plínio de Arruda Sampaio em sua palestra.
Segundo
ele, a ocupação de terra não é mais
uma posição política: há jurisprudência
de que constitui uma manifestação cívica,
uma forma de reivindicação; não é
feita com objetivo de tomar terra, mas de fazer com que o governo
cumpra uma determinação da Constituição.
A teoria da terra produtiva é um equívoco.
Ela tem de cumprir uma função social, o que é
muito mais que apenas produzir nela. É preciso manter
a fertilidade, proteger o meio ambiente, cumprir a legislação
trabalhista e garantir que as pessoas que nela vivem tenham
uma vida humana. Se a propriedade não cumpre essas funções,
é desapropriável, acrescenta o professor.
Os
militantes e partidos de esquerda estão iniciando uma
campanha nova para que haja mais oportunidades no campo, e para
que se inclua entre os critérios de desapropriação
o tamanho da propriedade. Como não há nenhum tamanho
especificado na legislação, a idéia é
limitar a extensão das terras. A deputada Luci Choinacki,
do PT, apresentou Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que
limita ao máximo de 35 módulos fiscais as propriedades
rurais sob o domínio de uma mesma pessoa física
ou jurídica (acima de 15 módulos fiscais, ou 75
hectares, já é considerada grande propriedade).
Na
avaliação de Sampaio, para se conseguir a aprovação
da PEC no Congresso será necessária uma campanha
popular muito grande. Se no lugar de um latifundiário
tivermos 200 ou 300 agricultores com uma produção
diversificada, melhor para o Brasil. Melhor para a natureza.
Isto terá repercussão no modelo agrícola
brasileiro, onde a primeira tarefa será garantir a alimentação,
preconiza. Para ele, a distribuição de terras
no país não é significativa, é feita
a passo de cágado. Existe uma manipulação
estatística, onde se considera como assentados aqueles
que já estão instalados na terra. Assentado é
o desempregado que ganha um pedaço de terra, afirma.
(C.T)
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O
grande acampamento
Grilos
e grilagens
As
colheitadeiras e os trabalhadores do campo
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