É antigo o fascínio dos matemáticos pela estética, bem como a proximidade dos artistas com esta ciência exata. Esta proximidade despertou em Fernanda Massagardi, aluna do Instituto de Artes da Unicamp, a idéia de desenvolver um método de ensino de matemática por meio da arte, colocado em prática junto a alunos do colégio SER Universitário, em Sorocaba (SP). Esta experiência resultou em livro, Um primeiro olhar, ainda não editado. “Falta o patrocínio, pois um livro de arte precisa de papel de boa qualidade e de acabamento mais refinado”, diz a autora.
Nem por isso Fernanda deixa de ousar, alimentando a expectativa de fazer de seu livro apenas o primeiro de uma série baseada na nova metodologia, tanto que já vem esboçando um segundo volume com conteúdo mais denso. A artista explica que todas as pesquisas e a elaboração do método foram realizadas ao longo de 2005, a partir de uma bolsa de iniciação científica oferecida pelo Pibic/ CNpQ. O trabalho foi escolhido pela Unicamp para representar a área de Humanidades no Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de Florianópolis, em julho próximo.
O resultado do trabalho surpreendeu a ela própria, um zero à esquerda em matemática no ensino médio foi reprovada na disciplina pelo professor que se tornaria seu marido. “A maneira que a matemática é ensinada nas escolas não estimula o aluno na aprendizagem, tornando-a chata. Por causa da falta de interesse, acreditava que meu talento era para as artes. Não imaginava chegar a essa interface entre as duas áreas, a ponto de a aversão pela matemática se transformar em meu maior prazer”, admite Fernanda. Durante o curso de artes, ela manteve contato com uma professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Maria Ângela Miorim, obtendo acesso a um projeto educativo de arte e matemática veiculado pela TV Cultura. “Aquilo despertou em mim um grande interesse e mergulhei na análise de obras-primas do Renascimento”, recorda.
Sob orientação da professora Maria Ângela, doutora nem Educação Matemática, a artista iniciou a pesquisa de iniciação científica em artes aliando o ensino da matemática, e passou a absorver, para sua surpresa, conteúdos que até então lhe eram indigestos. Estudou, por exemplo, a seqüência de Fibonacci, desenvolvida pelo matemático do século 17 a partir de um problema inspirado na procriação de coelhos, que resumimos nesta página. Na solução do problema encontramos uma seqüência que, se analisada, esconde na divisão de seus termos o chamado “número de ouro”.
Uma das atividades na escola de Sorocaba, proposta a alunos de 1º ano do ensino médio, foi de que procurassem criar uma escultura em papel, utilizando cortes e dobras, baseada no método utilizado pelo escultor brasileiro Amílcar de Castro. Esse artista fazia pequenas maquetes que orientavam a construção das obras finais, realizadas em materiais como cobre e o aço corten utilizado em navios. Ao criar essa escultura, os alunos assimilaram noções de planos, retas, cortes do plano, segmentos de reta e formas geométricas. “Foi gratificante, pois além de aprenderem a matemática de forma lúdica, também puderam conhecer obras importantes”, comenta a artista. Ela observa que os alunos não tinham familiaridade nem com O Homem Vitruviano, de Da Vinci, embora a figura esteja estampada na camiseta da escola. Nesse sentido, a autora acredita que seu trabalho cumpre dois papéis: ensinar matemática e levar a arte até o cotidiano dos adolescentes.
O livro O livro Um primeiro olhar traz quatro capítulos. Em O olhar, a autora sugere que o professor apresente obras de artistas consagrados aos alunos, instigando-os à observação e a questionar o porquê de se estudar matemática a partir daquelas imagens. No segundo capítulo, propõe o estudo das cores, um dos conceitos fundamentais nas artes plásticas e que também pode servir à matemática. “Goethe, o famoso pensador e escritor alemão, dedicou mais de vinte anos de sua vida também ao estudo das cores. Criou o Círculo Cromático para dispor as cores primárias e secundárias”, ilustra Fernanda Massagardi.
Um terceiro capítulo é dedicado à composição, associando a disposição dos elementos a formas matemáticas. O último capítulo é reservado à proporcionalidade, mais especificamente à proporção Áurea.
O número de ouro
Temos um único casal de coelhos recém-nascidos. Os filhotes levam dois meses para atingir a maturidade sexual e procriam uma vez por mês. Em cada mês a fêmea dá a luz a um macho e a uma fêmea. Após 12 meses, teremos quantos casais de coelhos?”. Foi calculando o número de coelhos mês a mês 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144 que o matemático Leonardo Fibonacci (1170-1250) elaborou a seqüência que leva seu nome. Existem duas propriedades interessantes na série de Fibonacci. Uma delas é que, a partir do terceiro número (2), todos serão a soma dos dois números anteriores (2+1=3, 5+3=8, 8+5=13). A outra propriedade é que a partir do terceiro termo, dividindo qualquer número pelo seu antecessor e repetindo esta operação continuamente (5:3=1,6666667, 8:5=1,6), obteremos um quociente cada vez mais próximo de 1,6180, o “número de ouro”.
Algumas plantas e árvores crescem e se ramificam de acordo com a série de Fibonacci, a exemplo da seqüência das pequenas sementes que formam o miolo do girassol. Há animais que possuem no corpo padrões que respeitam essa seqüência, como a cauda do pavão e as escamas de certos peixes. “Alguém disse que artistas e matemáticos são privilegiados leitores da natureza. Poincaré, um dos maiores matemáticos da história, afirmou que o elemento dominante na criatividade matemática é mais estético do que lógico”, observa Fernanda Massagardi.
A cabeça de David
A escultura em mármore de David, com 5,16 metros de altura, é uma das obras mais conhecidas do Renascimento. “Imagino que Michelangelo tenha se deparado com um problema em especial: como representar uma figura humana em um bloco de mármore tão grande?”, supõe Fernanda Massagardi. Segundo a pesquisadora, como todo objeto parece menor quando visto à distância, a cabeça da escultura ficaria muito pequena se o artista considerasse as proporções normais do ser humano. “Por isso, Michelângelo exagerou no tamanho de cabeça e também da mão próxima a ela, oferecendo uma imagem extremamente proporcional para quem está no nível do solo. Nossos olhos são iludidos pela perspectiva”, finaliza.
Proporção Áurea
Na obra 1.618, o artista plástico Antonio Peticov reproduziu a formação de um caramujo, o Nautilus marinho. A constituição da espiral do caramujo segue à risca a seqüência do “retângulo de ouro”, cuja razão entre seus lados deve ser ou tender a 1,618. Os gregos da antiguidade já consideravam mais agradáveis e belos os retângulos que estivessem numa proporção que ficou conhecida como Áurea. A fachada do templo Parthenon, toda organizada segundo a razão de ouro, revela a preocupação em realizar uma obra de extrema harmonia. Tomando a famosa Mona Lisa de Leonardo da Vinci, e construindo um retângulo em torno de seu rosto, veremos que está na proporção Áurea; subdividindo o retângulo na linha dos olhos, teremos a mesma proporção; e assim em várias partes do corpo. “Essa proporcionalidade causa no observador a sensação de harmonia e equilíbrio, sejam composições arquitetônicas, escultóricas ou pictóricas”, explica Fernanda.