Cratera descoberta por docente do IG
é tombada pelo patrimônio histórico
Alvaro Crósta e alunos constataram que a depressão
circular situada no PR foi formada por choque de meteorito
LUIZ SUGIMOTO
A cratera de impacto meteorítico de Vista Alegre, descoberta em 2004 pelo professor Alvaro Crósta e seus alunos do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, passou a integrar o patrimônio histórico do estado do Paraná. A cerimônia de tombamento ocorreu às vésperas do último Natal, no município de Coronel Vivida, onde está localizada a cratera. Na mesma ocasião, os Correios lançaram um selo comemorativo trazendo a imagem de satélite da cratera marcada por uma depressão circular com 9,5 quilômetros de diâmetro.
“A área tombada tem cerca de 10 mil metros quadrados e contém uma pedreira onde estão expostas as rochas formadas pelo impacto do meteorito, na entrada do bairro Vista Alegre. Há também o projeto de um mirante, a ser construído em uma região elevada da borda da cratera, que permitirá ao visitante observar toda a circunferência. A área total da cratera é enorme e é utilizada principalmente para cultivo de grãos; são terras bastante valorizadas devido à topografia mais favorável do interior da estrutura”, esclarece Alvaro Crósta.
A cratera de Vista Alegre já havia sido transformada em sítio geológico para fins de turismo e divulgação científica em 2006, com o reconhecimento da Mineropar – empresa que regula as ações de geologia e recursos minerais no Paraná. A estatal, presidida pelo geólogo e professor universitário Eduardo Salamuni, já criou 13 geológicos no estado, como em Foz do Iguaçu, Vila Velha e Ilha do Mel. Foi Salamuni, que também é membro do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico do Paraná, quem relatou o processo de tombamento da cratera.
Entre as autoridades presentes à assinatura do livro de tombo estavam a Secretária Estadual de Cultura do Paraná, Vera Mussi Augusto, o prefeito de Coronel Vivida, Pedro Mezzomo, e o presidente da Mineropar, Eduardo Salamuni. Alvaro Crósta foi um dos convidados de honra no evento, juntamente com o engenheiro florestal Osmar Eugenio Kretschek, que em 2004 informou o professor do IG sobre a existência de uma formação circular em Vista Alegre, depois de ler uma entrevista do pesquisador sobre crateras de impacto no Jornal da Unicamp.
Ciência e cultura
Quando Crósta e seus alunos viajaram até a região e constataram que a depressão circular havia sido formada por choque de meteorito, os moradores custaram a acreditar. “As crateras de impacto meteorítico representam eventos catastróficos de enormes proporções, que mexem com o imaginário das pessoas. Meus alunos têm feito palestras nas escolas do município de Coronel Vivida, utilizando a cratera como tema. Além de prosseguirmos com o trabalho científico, outro dos nossos objetivos é criar uma ponte entre ciência e cultura, aproveitando os elementos locais”.
Segundo o professor, crateras de impacto não são comuns na Terra, ao contrário do que ocorre em outros corpos planetários sólidos como na Lua ou em Marte. O motivo é que, com o decorrer do tempo geológico, as crateras vão sendo obliteradas por fenômenos de erosão, sedimentação e movimentos de placas tectônicas. “O planeta já sobreviveu a inúmeros impactos, mas o homem moderno não testemunhou nenhum, já que a probabilidade de uma ocorrência deste porte é de uma a cada milhão de anos, felizmente. Portanto, trabalhamos apenas as evidências indiretas de eventos de impacto contra nosso planeta”.
A mais jovem dessas evidências indiretas é a Cratera do Meteoro, no Arizona (EUA), que tem 50 mil anos. Ainda assim, sua associação com um impacto meteorítico suscitou grande debate entre cientistas dos Estados Unidos no início do século XX, como informa Alvaro Crósta. “Sustentava-se na época que se tratava de uma cratera produzida por processo endógeno, como vulcanismo, e não de natureza exógena, decorrente do impacto de um meteorito”.
O pesquisador do IG lembra que o único impacto visto pelo homem moderno foi em outro planeta, quando o cometa Shoemaker-Levy partiu-se em 21 fragmentos que foram bombardeando Júpiter em seqüência, em julho de 1994. Durante seis dias, nossos telescópios espaciais e sondas com câmeras potentes se voltaram para o espetáculo. “Foi um impacto monumental, mas como se trata de um planeta gasoso, os efeitos foram diferentes do que teriam sido na Terra”.
Geoturismo
Na opinião de Crósta, dentre as feições geológicas, as crateras de impacto estão entre as mais fascinantes para a população, justamente por instigarem a imaginação sobre o passado do nosso planeta e sobre as transformações pelas quais passou. “Em outros países, existem museus dedicados ao tema, como o da cratera do Arizona, que é belíssimo e recebe dezenas milhares de visitantes todos os anos. No futuro, talvez se possa pensar até mesmo na criação de parques geoturísticos em crateras meteoríticas brasileiras, algo que já existe na Alemanha e na África do Sul, integrando áreas turísticas e de interesse geológico”.
O único parque geoturístico existente atualmente no Brasil é o Monumento Natural Vale dos Dinossauros, no sertão da Paraíba, onde se vê uma infinidade de pegadas fossilizadas de dinossauros de todos os tamanhos – a área foi considerada patrimônio da humanidade pela Unesco. Parque similar está sendo proposto para a serra da Bodoquena, na região de Bonito, no Mato Grosso do Sul.
Datação
Um dos objetivos científicos dos estudos feitos pelo grupo de Alvaro Crósta é estabelecer a idade da cratera de Vista Alegre, e também de outras crateras meteoríticas brasileiras. “Estamos estabelecendo parcerias com dois grupos de pesquisa da Alemanha e da Áustria, os mais avançados no estudo de crateras. Em maio, estaremos visitando junto com eles as crateras de Serra da Cangalha e Riachão, nos estados de Tocantins e Maranhão, e em julho Vista Alegre e Vargeão, contando com a larga experiência desses pesquisadores para avançarmos no estabelecimento das idades dessas crateras.”
No caso de Vista Alegre, quando o corpo celeste se chocou na superfície, as rochas eram os basaltos do período Cretáceo, pertencentes à unidade geológica Formação Serra Geral. Trata-se de rochas vulcânicas de cor cinza escura, popularmente conhecidas como “pedra-ferro”, originadas quando o continente sul-americano começou a se separar do continente africano. A dedução é que o impacto ocorreu depois da consolidação destas lavas, que têm pouco mais de 130 milhões de anos.
O que aconteceu em Vista Alegre
Nas escolas da cidade de Coronel Vivida e aos visitantes da cratera de Vista Alegre, é distribuído um folheto em três versões (português, espanhol e inglês), elaborado pelo professor Alvaro Crósta e por alunos do Instituto de Geociências e produzido pela Mineropar. O folheto explica que asteróides viajam pelo espaço a velocidades de 4.000 a 26.000 km/h e, por isso, a energia liberada pelo impacto tem proporções colossais. Estima-se que para formar aquela cratera, a energia foi equivalente a 250 mil bombas iguais à que destruiu a cidade de Hiroshima. As imagens dos satélites mostram uma depressão circular, com diâmetro de 9,5 km, circundada por serras que correspondem às bordas da cratera.
Além da profunda deformação das rochas basálticas existentes no local, outro efeito do impacto foi a elevação do fundo da cratera, de modo semelhante ao que ocorre quando uma pedra cai sobre a água. Este fenômeno provocou a ascensão de camadas de arenitos da Formação Botucatu, que estavam a centenas de metros de profundidade. Fragmentos desses arenitos, de cor esbranquiçada, ainda podem ser encontrados em alguns pontos dentro da cratera.
O folheto segue explicando que tanto as rochas como o corpo celeste foram instantaneamente fragmentados, pulverizados e fundidos com a colisão. A maior parte da nuvem de detritos se espalhou em torno da cratera e uma parte menor depositou-se no fundo, formando um novo tipo de rocha chamada de “brecha de impacto”. São as brechas preservadas da erosão que estão na pequena pedreira tombada e que serviram como principais fontes de informação para se determinar a origem e como se formou a cratera de Vista Alegre.
Gêmeas
Até hoje, 174 crateras foram descobertas na Terra, sendo apenas cinco no Brasil: Domo de Araguainha (MT/GO), Riachão (MA), Serra da Cangalha (TO), Domo de Vargeão (SC) e Vista Alegre (PR). Uma sexta cratera em potencial encontra-se em estudo pelo grupo de Alvaro Crósta: a de Cerro Jarau, situada na divisa entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai.
Um detalhe em relação às crateras de Vargeão e de Vista Alegre, é que ambas foram formadas sobre os basaltos da Formação Serra Geral e estão separadas por apenas 100 quilômetros de distância. Isto sugere que elas podem ser “gêmeas”, formadas por um mesmo corpo celeste que se dividiu ao entrar na atmosfera.
A Cratera do Meteoro, no Arizona, é umas das mais jovens e formou-se há cerca de 50 mil anos, com diâmetro de 1.200 metros e profundidade de 190 metros, estando muito bem preservada. Uma das maiores é a cratera de Chicxulub, no Golfo do México, que tem 170 quilômetros de diâmetro – sua formação, há aproximadamente 65 milhões de anos, pode ter sido responsável pela extinção dos dinossauros e de muitas outras formas de vida então existentes no planeta.