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Pesquisas do IEL revelam nuances
do universo literário oitocentista no país
Romances
vendidos por meio de anúncios de jornal e ensino de literatura
para formação de homens da elite. Esses são os temas
de duas pesquisas desenvolvidas recentemente no Instituto
de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Os estudos mostram
como os gêneros literários começaram a formar leitores
e a história da literatura no Brasil, ao resgatar informações
do século 19. Enquanto Regiane Mançano destaca em sua
dissertação textos do romantismo francês que no início
do século 19 preparavam os leitores para receber os primeiros
romances brasileiros, Carlos Augusto de Melo dedica sua
tese aos primeiros historiadores de literatura do Brasil,
entre os quais o cônego Fernandes Pinheiro, autor do
Curso Elementar de Literatura Nacional, primeira
história literária brasileira, lançada em 1862.
Com
orientação da professora Márcia Abreu, do IEL, Regiane
Mançano destaca a corrida rumo a cada novo romance anunciado
nos jornais Correio Braziliense, Gazeta do Rio
e Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, no período
de 1808 a 1844. A trajetória dos principais livreiros
da época e a estratégia para angariar leitores têm
lugar de destaque no trabalho realizado pela pesquisadora.
Ao
analisar em sua tese, orientada pelo professor Francisco
Foot Hardman, as historiografias Curso Elementar de
Literatura Nacional, Curso de Literatura Portuguesa
e Brasileira, de Sotero dos Reis; e O Brasil Literário,
de Ferdinand Wolf, Carlos Augusto de Melo mostra como
a literatura, até os dias de hoje, é ensinada pelo viés
da história.
Obras celebram nação e simbiose
luso-brasileira
O lançamento da primeira história literária
brasileira, o Curso Elementar de Literatura Nacional,
do cônego Fernandes Pinheiro, aconteceu em 1862, quase 20
anos depois da publicação dos primeiros romances, A Moreninha
e O Filho do Pescador. Esquecida pelos estudiosos
da área de literatura contemporâneos, a obra é resgatada
pelo pesquisador Carlos Augusto de Melo, com mais duas histórias
literárias consagradas na época: o Curso de Literatura
Portuguesa e Brasileira, de Sotero dos Reis; e O Brasil
Literário, do vienense Ferdinand Wolf. Dedicadas à formação
literária do restrito público frequentador da escola no
século 19, as obras privilegiavam um grupo seleto de escritores,
que se transformaram em cânones literários.
Assim
como nos romances, essas histórias literárias acabavam por
ter entre seus leitores as pessoas mais letradas da sociedade.
Para se ter ideia, Wolf, que jamais pisara o solo brasileiro,
produziu O Brasil Literário com informações fornecidas
por quem encomendou a obra, que, por sua vez, foi lançada
em francês, fora do Brasil. De acordo com Melo, só depois
de muitos anos o material seria traduzido e publicado em português.
“Wolf é de Viena e nunca veio ao Brasil. Escreveu a história
literária porque D. Pedro II pediu que escrevesse e divulgasse
a obra na Alemanha. Quer dizer, a obra foi escrita em alemão,
mas só foi publicada em francês”, explica. A história
literária de Sotero dos Reis também teve acesso restrito
por privilegiar conterrâneos maranhenses e ser dedicada a
um curso de iniciativa privada.
Entre
os importantes aspectos revelados pela tese de Melo, está
a valorização demasiada do estudo histórico das obras literárias
nacionais. Ao investigar o método e a teoria de cada uma das
obras, Melo diz ter percebido que as obras constituíam um
material para consagrar a literatura nacional. “Esses textos
literários foram transformados em cânones. E nós conseguimos
trazê-los até o momento para nossa história contemporânea”,
acrescenta.
Momento
de independência literária consagrada a partir do romantismo,
o século 19 celebrou textos com perspectiva historiográfica
parecida, em que se ressaltavam obras que representassem a
nação brasileira, segundo Melo. A ideia era mostrar a importância
da literatura como símbolo nacional. Encomendadas pelos colonizadores,
as historiografias combinavam a literatura brasileira e a
portuguesa. Melo contextualiza dizendo que no momento em que
se valorizava o nacional, os portugueses estavam presentes
de certa forma. “Se você ler a história literária do
cônego Fernandes Pinheiro, o Curso Elementar, perceberá
que ele estuda paralelamente os brasileiros e os portugueses
e, consequentemente, as obras”, acrescenta. Na obra de Sotero
dos Reis, a simbiose entre portugueses e brasileiros é destacada
logo no título: Literatura Portuguesa e Brasileira.
Até hoje, nos manuais literários oferecidos na escola, portugueses
e brasileiros estão presentes.
Política
A investigação feita por Melo
pode ser uma resposta a questionamentos presentes ainda hoje
durante uma aula de literatura no banco da escola. Entre as
questões, ele destaca: “Por que estudar literatura portuguesa
e brasileira, e não americana, inglesa, alemã?”. A perspectiva,
alerta o pesquisador, vem do século 19, quando se começou
a estudar literatura. “Trata-se de uma perspectiva colonial.
Tínhamos a independência política e literária, mas mesmo assim
estávamos precisando do aval da metrópole portuguesa, principalmente
porque os governantes naquela época eram portugueses ”, acrescenta.
Para ele, havia política institucional para se construir histórias
literárias naquele momento. E essas políticas não foram quebradas
até hoje. “Mesmo a gente não tendo mais um vínculo tão forte
com Portugal”. Para Melo, as bases imperiais ainda representam
um atraso no ensino de literatura.
A
análise de histórias elaboradas há dois séculos é importante
para observar o ensino de literatura, na opinião de Melo.
Ele observa que o cônego Fernandes Pinheiro produziu uma historiografia
para suas aulas como primeiro professor de literatura do famoso
carioca Colégio D. Pedro II, que era oficial para todos os
intelectuais que queriam uma carreira acadêmica, ser médicos,
advogados, entre outras profissões de prestígio da época.
“E o ensino se configura a partir do Colégio D. Pedro II,
e o cônego foi quem inaugurou a cadeira de literatura, em
1862”, salienta.
Apesar de termos a independência
em 1822, o ensino de literatura acontece quase perto da República.
Além de acontecer com atraso, na opinião do pesquisador,
o ensino da história da literatura dava muito mais retórica
à poética, para ensinar os estudantes a se comportarem como
acadêmico, ter postura de fala no discurso político. Então,
o que mais interessava era a retórica, e o texto literário
era usado como corpus para se falar bem. “Não iam
estudar a história da obra; o texto será usado para outros
fins. E são os fins para a consagração desses homens, da
elite, porque quem estudava na época era a elite”, pontua.
Melo enfatiza que até hoje
a literatura não é usada como expressão de arte, mas sim
como auxílio para se entender outros textos ou para estudar
língua portuguesa. “E veja a raiz: a base está no século
19, nessas histórias literárias”, enfatiza.
“Fico analisando os romances
e eles não entravam na história literária. O que interessava
mais eram as poesias, e o romance era deixado de lado”,
diz Melo. Os historiadores trabalhavam muito mais a poesia
e não se interessavam muito pela literatura contemporânea
, segundo o autor da tese.
Como
eles tinham de representar o Brasil, essas histórias literárias
iriam representar o Brasil como tendo uma cultura e era importante
mostrar que o país era civilizado porque tinha uma literatura.
“Havia então vínculo institucional com esses políticos,
os homens de poder daquela época”, explica. Os escritores
eram escolhidos a dedo, por questões até mesmo pessoais.
José de Alencar, por exemplo, não foi selecionado por criticar
Gonçalves de Magalhães, do qual D. Pedro II era partidário
por ser o patrono da literatura nacional, em Confederação
dos Tamoios. Já Gonçalves, por ser do mesmo grupo do
cônego e do imperador, aparece no Curso Elementar de Literatura
Nacional. O colégio no qual o cônego deu suas primeiras
aulas era de propriedade de D. Pedro II, daí a obediência
às ordens políticas. “Então ou tinha Gonçalves, ou José
de Alencar. O cônego não seria audacioso”, acrescenta.
Para Melo, Sotero dos Reis
restringiu sua historiografia por questões provincianas e
o cânone também acabou ficando restrito. “Trazemos do século
retrasado uma perspectiva totalmente bifurcada,por questões
políticas e pessoais. Sotero dos Reis era do Maranhão, nunca
veio para o Rio de Janeiro, nunca participou da elite carioca”.
O Curso Elementar era
usado nas escolas até 1878. Depois foi aplicado o livro do
Wolf, mas, como este estava na língua francesa, era inacessível,
até que em 1888 surge Silvio Romero,que tomou o lugar dos
três historiadores no Brasil, pois Sotero nunca saiu do Maranhão.
Melo admite, a partir da pesquisa,
que a história dessas obras da literatura é um tanto complicada,
pois, no Maranhão, quem aprendia literatura estudava os escritores
destacados por Sotero dos Reis; Fernandes escreveu dando aula
ao público da elite central brasileira. E Wolf nunca esteve
no Brasil e escreveu sua narrativa a partir, segundo Melo,
da perspectiva imperial, mais precisamente de Gonçalves de
Magalhães. Todo o ponto de vista do Império era transmitido
aos estudantes, que poderiam ser os futuros intelectuais:
eles tinham de valorizar a pátria, a nação, Brasil e Portugal,
a cultura, respeitar o Império, e não querer sua divisão.
Melo acredita que, se separassem as literaturas brasileira
e portuguesa, seria a divisão do Império.
Ademais, como nos romances,
eles enfatizavam a moral. A cultura de um personagem dentro
de um poema, por exemplo, apresentava traços de boa conduta.
E o aluno tinha de seguir aquela conduta valorizada por eles.
A beleza da natureza também tinha de estar presente, valorizando
o espaço, as plantas e os índios, como confirmadores da nacionalidade
brasileira. “Com isso, cria-se uma educação. Essas pessoas
iam crescendo com questões como: ‘Vamos valorizar o Império’,
as boas condutas.”
A grande revolução no século
20, com a chegada de Antonio Candido e Afrânio Coutinho, foi
a mudança no cânone literário, com a inserção de escritores
não contemplados anteriormente, sem se prender a datas e valorização
de questões nacionais. Eles acabam optando pela valorização
da estética da obra e da literatura propriamente dita. Segundo
Melo, os novos historiadores dedicam-se à análise dos textos,
de aspectos sociais e da formação do leitor e não se prendem
mais a períodos, datas e valorização de questões nacionais,
como era imposto nas obras anteriores. “Eles queriam dizer
que a literatura faz sua própria história. Não precisa das
outras histórias e desses períodos. Não precisa falar da história
do Brasil para falar da história da literatura. O importante
para eles era valorizar o texto literário e ver o que pode
nos fornecer”, acrescenta.
A
tendência, na opinião de Melo, é colocar Sousândrade (Joaquim
de Souza Andrade) ao lado de Gonçalves Dias e falar sobre
a Amazônia e resgatar escritores silenciados pelas primeiras
histórias literárias. Melo informa que muitos professores
e críticos estão trabalhando obras que estavam à margem, como
as de Sousândrade, por serem importantes e contribuírem para
a formação cultural da sociedade.
De acordo com Melo, a tese
é importante no sentido de resgatar os historiadores esquecidos
e tentar mostrar o valor de suas obras para, a partir de suas
obras, compreender o presente. O trabalho destaca também que
essas histórias reconhecem nomes que ficaram desconhecidos
posteriormente, como Souza e Caldas, que foi famoso e citado
pelos historiadores da época; assim como Antônio Henrique
Leal, João Francisco Lisboa, entre outros. “Este últimos eram
maranhenses e não eram valorizados e até agora não são tão
canônicos. O único que ficou valorizado foi Gonçalves Dias”,
explica.
Apesar da situação em que
produziram suas obras, Melo destaca que esses autores foram
importantes para a formação que se tem hoje, pois, foi a
partir deles que se percebeu a importância de estudar literatura.
“Se não fossem eles, não teríamos o desenvolvimento de
manuais didáticos em relação às literaturas ou histórias
literárias. Estaríamos muito mais atrasados. Foi a postura
desses historiadores que contribui e muito para nossa cultura
e a divulgação de nosso patrimônio literário”, enfatiza.
A maior contribuição da tese,
para ele, é possibilitar a reflexão sobre o ensino, e a percepção
de que ainda se estuda literatura pelo viés da história. “Esse
viés é algo instaurado no século 19, com perspectiva do poder
imperial. Agora, estudamos literatura e nem sabemos por quê.
Está lá no ensino e ninguém sabe”, provoca Melo, para concluir:
“A literatura é importante para a formação cultural pessoal
do aluno e por isso é importante estudar as obras”.
Anúncios funcionavam como caixa de ressonância
Vendem-se
romances. Eles podem ser adquiridos em livrarias ou por
navegação, diretamente de Portugal. Enquanto os primeiros
romances brasileiros, A Moreninha, de Joaquim Manoel
de Macedo, e O filho do Pescador, de Teixeira e Souza,
não foram lançados, era dessa forma que os leitores se
informavam sobre a chegada de novas obras: por anúncios,
que continuaram a ser publicados por muito tempo no Brasil.
A maioria dos títulos era tradução de obras escritas
originalmente em língua francesa; mas também eram divulgados
romances traduzidos do inglês, do espanhol e do alemão,
além de obras de origem portuguesa. Os anúncios faziam
as vezes da crítica literária, praticamente inexistente
no período de 1808 a 1844, que foi analisado pela pesquisadora
Regiane Mançano, do Instituto de Estudos da Linguagem da
Unicamp, em seu projeto de mestrado. “Dos jornais que
pesquisei, apenas o Correio Braziliense chegou a
publicar uma crítica ao romance Atala em 1812, mas
eram os anúncios que reverberavam as discussões críticas
na época”, acrescenta.
Mas quando Macedo lançou
A Moreninha, em 1844, os brasileiros já estavam
seduzidos pelo gênero literário. Desde o início do século
19, o hábito da leitura de romances já era estimulado
pelos anunciantes em periódicos como Correio Braziliense,
que circulou até 1822, no Rio de Janeiro, e da Gazeta do
Rio. A partir de 1827, os fluminenses interessados por romances
começaram a acompanhar as propagandas no Jornal do Comércio,
segundo Regiane.
Textos como Aventuras
de Telêmaco, Aventuras de Gil Blaz e Paulo e Virginia
já eram sucesso entre os leitores do Jornal do Comércio,
do Rio de Janeiro, entre 1808 e 1844 e, atentos a isso,
alguns livreiros investiam também em títulos antigos disponíveis
em sua “distribuidora”. Uma chuva de anúncios bem-elaborados
instigava os leitores fluminenses à oferta bem-servida
de novos títulos.
O conteúdo dos anúncios
tentava convencer o leitor da qualidade do conteúdo das
obras, mostrando o quanto a leitura poderia ser moralizante,
divertida e instrutiva. Os anunciantes procuravam mostrar
que os romances não influenciariam mal as mulheres do início
do século 19, já que a produção “novelística” sempre punia
a protagonista caso esta se envolvesse num caso de traição.
Indícios como “o texto é moralizante” estavam sempre contidos
nos anúncios. “Quando as protagonistas traíam, tinham final
ruim. Adoeciam, morriam, nunca se davam bem no fim de história.
As histórias eram, invariavelmente, moralizantes. A leitora
aprenderia pelo livro. E a moral é explorada nos anúncios”,
explica. Ela acrescenta que, para a moralização ser facilitada,
as obras tinham de ser divertidas.
Mesmo os não tão conhecidos
tornavam-se populares por causa dos anúncios, de acordo
com Regiane. Além dos anúncios de grandes livreiros, Regiane
encontrou, entre os quase mil textos analisados, publicidade
de livreiros eventuais, que comercializavam no sótão de
sua casa, por exemplo. O efeito positivo e rentável dos
anúncios chamou a atenção dos donos e vendedores de livrarias.
Para se ter ideia, um dos mais famosos deles, Villeneuve,
chegou a quase mil publicações em jornais. Os livreiros
tiveram participação importante no crescimento do comércio
de romances no Brasil. A pesquisa revela que, nas quatro
primeiras décadas de 1800, o comércio livreiro se expandia
e se estabelecia, ao contrário das informações encontradas
por elas em alguns estudos de que não existiam livreiros
no início do século 19. “Eles não investiriam tanto em anúncios
se não houvesse um mercado em crescimento”, acrescenta Regiane.
Alguns livreiros, como Paulo
Martin, tiveram papel de destaque até que romance se afirmasse
no Brasil. Em 1822, todos os anúncios da Gazeta do Rio
eram feitos por ele, que, por sua vez, não se importava
de divulgar outros livreiros. Segundo a autora, ele era
proprietário da Loja Oficial da Gazeta, mas em 1822, ele
desaparece. “Não há mais registros sobre ele”, informa
Regiane. Enquanto isso, Hipólito da Costa privilegiava
romances publicados por editoras portuguesas.
Em 1827, a autora encontrou
propagandas de Albino Jordão e Pierre Plancher, que eram
campeões em anunciar romances conhecidos, mas se estabeleciam
no mercado ampliando o leque de ofertas. Em 1836, Planche
foi para a França, deixando o jornal com Villeneuve. Outros
livreiros vão desaparecendo, pois Villeneuve ocupa todo
o espaço. “Mais de mil títulos é um número expressivo para
o início do século 19”, comenta Regiane. Albino Jordão,
segundo ela, competia com Villeneuve, mas o número de anúncios
dele era diminuto em relação ao outro.
De acordo com Regiane, os
livreiros acabaram se comportando como difusores do gênero
no Brasil ao publicar intensamente seus anúncios, no século
19. Isso revelava a reciprocidade entre o mercado e os romances.
Isso provocou o investimento dos editores em traduzir para
o português. De acordo com a pesquisadora, de 1808 a 1822,
dos 136 títulos romanescos franceses oferecidos ao público,
132 se encontravam em língua portuguesa. Até 1844, 849 textos
estavam anunciados e 754 eram obras disponíveis em língua
local.
Se de um lado, a descoberta
do telégrafo, entre outras inovações tecnológicas, dá sinais
de mudanças na vida social e literária da sociedade brasileira,
de outro, pesquisadores como Delso Renault, ao analisar
os anúncios, afirmam que mesmo antes das inovações, o comércio
carioca era tomado pelas novidades do Velho Mundo.
A partir da análise dos
anúncios, Regiane constatou que os leitores de jornais
estavam despertos para tais novidades. Alguns romances eram
usados em sala de aula, principalmente os publicados em
francês e português, como Telêmaco. “Era comum
ver anúncios em meio a livros escolares publicados no jornal”,
acrescenta.
A veracidade tinha de ser
característica destacada nos anúncios, segundo a pesquisadora,
pois instigava a curiosidade do leitor. “Se o romance tinha
como uma das missões moralizar o leitor, então se aquela
história tivesse ocorrido com alguém, a moralização era
motivo ainda mais forte para atrair o consumidor”, explica.
Outra estratégia para angariar
leitores, além do apelo à moralização e veracidade, os anúncios
tinham lugar de destaque e sempre apareciam na mesma página,
geralmente a terceira ou quarta, dos periódicos, segundo
a autora.
Os anúncios, segundo Regiane,
sobrevivem mesmo depois da chegada dos folhetins, que, após
a publicação do último capítulo eram publicados em um volume,
que certamente teria anúncio garantido na página de anúncios.
Entre os dez romances que
mais tiveram anúncio publicado no período analisado por
Regiane estão: Aventuras de Gil Blaz (1715-1735),
Aventuras de Telêmaco (1699), Choupana Índia
(1791), Diabo Coxo (1707), Paulo e Virginia (1787),
Cartas de huma Peruviana (1812), Filosofia por
Amor (1765), Ilha Incógnita (1787), Lances
da Ventura (1793-1794), Numa Pompilio (1786),
Thesouro de Meninas (1757). Com exceção de Lances
da Ventura, que é de origem portuguesa, todos os elencados
são de língua francesa.
Como prova da eficácia
da propaganda impressa, os livros Aventuras de Gil Blaz
e Aventuras de Telêmaco foram anunciados durante 33 anos,
de acordo com levantamento feito por Regiane. Em seguida
vêm Diabo Coxo e Paulo e Virginia, 32 anos;
Cartas de huma Peruviana, Filosofia por Amor,
Incógnita e Lances de Ventura, 31 anos; e
Numa Pompilio e Thesouro de Meninas, 29 anos.
Caminhos
do romance
A dissertação de Regiane
faz parte do projeto temático “Caminhos do Romance no
Brasil: séculos 18 e 19”, que reúne trabalhos de iniciação
científica, mestrado e doutorado. O projeto investiga
o processo de implantação e consolidação do gênero romanesco
no Brasil a partir do exame dos romances em circulação,
das práticas de leitura por eles suscitadas e dos espaços
em que essas práticas se davam, tendo como base temporal
meados do século 18 e final do século 19.
Financiado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
o projeto, interdisciplinar, é desenvolvido a partir
de uma colaboração entre as professoras Márcia Abreu,
do IEL, Sandra Guardini Vasconcelos, da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade
de São Paulo (USP), e os docentes da área de história
Nelson Schapochnik, da Faculdade de Educação (FE) da
USP, e Luiz Carlos Villalta, da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas (Fafich) da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG).
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