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O lugar da arte na terapia de Nise
Tese mostra importância do trabalho
inovador desenvolvido pela psiquiatra
Nise
da Silveira repetiu diversas vezes que “ninguém perguntava
para ela sobre os doentes mentais, sobre onde eles moravam,
como era a vida deles”. Segundo o terapeuta ocupacional José
Otávio Pompeu e Silva, a psiquiatra brasileira falava que
o mais importante era dar oportunidades melhores para estes
doentes. “Ela falava que eles moravam em tristes lugares e
que isto precisava ser mudado”, complementa Pompeu e Silva,
que dedica seu doutorado, defendido no Instituto de Artes
(IA) da Unicamp, à presença forte da arte na técnica de terapia
ocupacional deixada por Nise da Silveira. A ideia da tese
é mostrar que, a partir da convergência de vários autores,
ela construiu uma teoria complexa a partir da qual amplificou
o potencial criador dos doentes mentais que receberam seus
cuidados. “A arte é central na vida e na obra de Nise”, ressalta
Silva, que foi orientado pela professora Lucia Reily, do Centro
de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Dr.Gabriel Porto (Cepre)
e do Instituto de Artes da Unicamp.
Ao seguir os passos de Nise,
tanto na vida pessoal quanto na contribuição literária, a
tese coloca no mesmo patamar arte e medicina, pintura e psicanálise.
O método de Nise da Silveira, segundo o terapeuta, une vários
pensadores e práticas numa construção complexa, como chamam
os estudiosos atuais. Complexa no sentido de sua etimologia
latina: “aquilo que é tecido em conjunto”. Nise estudou muitas
fontes em suas pesquisas e teve o privilégio de conhecer Jung,
que, durante um encontro em sua casa na Suíça, convenceu-a
a estudar mitologia. Mas ela também teve outros mestres importantes
como Freud e o filósofo Spinoza, segundo Pompeu e Silva. “Defendo
a tese que Nise da Silveira não se filiou a nenhuma escola
de terapia ocupacional, mas desenvolveu seu próprio meio de
prática e teoria, com um estudo das mais variadas escolas
e pensadores que ela julgou pertinentes para o desenvolvimento
de uma terapia ocupacional de excelência”, acrescenta.
Oriunda de uma família alagoana,
Nise viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, onde
introduziu atividades expressivas e estudou a expressão plástica
de doentes mentais internados em um grande hospital psiquiátrico
no subúrbio da cidade. De acordo com Pompeu e Silva, ela estudou
a leitura de imagens do inconsciente e, com esta prática,
descobriu um novo meio de comunicação com o mundo interno
do doente mental. Para ele, um detalhe muito importante na
história de Nise é seu aprofundamento no estudo da vida dos
clientes que ela cuidou e estudou durante a vida. Uma das
atitudes nobres da psiquiatra, na sua opinião, foi trazer
os doentes esquecidos do Engenho de Dentro para a literatura,
para as exposições de arte e para os olhos do mundo.
A prática de Nise é muito
importante, na opinião do terapeuta, no sentido de amenizar
o tratamento na área de saúde mental. A vivência de dez anos
nesta área o credencia a falar sobre a construção complexa
de Nise e abordá-la com seus alunos de terapia ocupacional
na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na sua opinião,
apesar da reforma da psiquiatria na primeira década do século
21, os doentes mentais ainda em alguns lugares são tratados
com grandes doses de psicotrópicos. “Mesmo com a reforma,
técnicas como a de Nise da Silveira, que possibilitam a estas
pessoas se expressarem e mostrarem seus sentimentos e subjetividade,
ainda são colocadas como secundárias no tratamento oferecido
na saúde mental brasileira”, reflete Silva.
Sempre adversa a tratamentos
considerados agressivos, Nise revolucionou os métodos de atendimento
ao portador de transtornos mentais no Brasil, principalmente
no que diz respeito à esquizofrenia, cujos pacientes são muitas
vezes de difícil acesso pela linguagem verbal.
O contato com a prática da
mestra foi possível, segundo ele, porque ela teve o cuidado
de passar sua técnica para muitos seguidores. Na observação
de Pompeu e Silva, muitos jovens psicólogos, terapeutas, artistas,
monitores de terapêutica ocupacional aprenderam nos grupos
de estudo e no Museu de Imagens do Inconsciente a maneira
como Nise cuidava dos seus clientes e suas metodologias de
estudo.
Segundo o professor, Nise
escreveu artigos, revistas e livros. Os mais expressivos foram
produzidos depois dos 70 anos e mostram que a criação no envelhecimento
é um caminho possível e importante. “Ela preocupou-se em deixar
muitas pistas sobre sua metodologia e seu jeito de cuidar
dos doentes mentais”, acrescenta.
Ao pesquisar a trajetória
da autora, retomando sua biografia até os 40 anos de idade,
Silva mostra que a vida e o trabalho se complementavam. O
autor da tese explica que a teoria da técnica de uma terapia
é criada e recriada constantemente. No caso de Nise, apesar
de vários textos publicados, a forma de fazer terapia não
foi totalmente codificada e explicada por ela, então, com
sua morte, cabe aos seguidores recriar uma forma de terapia
que possa ser usada em conjunto por terapeutas, artistas e
interessados em propiciar uma melhor qualidade de vida para
pessoas que sofrem de dor psíquica.
No Brasil, segundo o pesquisador,
há um extenso material que pode ajudar nessa busca. Mesmo
não tendo acesso a todo o acervo da psiquiatra, ele descobriu
livros e outros documentos em muitos lugares do Brasil, entre
eles o Fundo Octavio Brandão, onde encontrou fotos, imagens,
cartas que ligavam Nise da Silveira ao partido comunista e
a trajetória de Laura Brandão e da família de Otávio Brandão.
“Nise foi uma das quatro pessoas presentes no porto do Rio
de Janeiro quando a família Brandão foi deportada do Brasil
no início da era Vargas”, relembra.
No Fundo Leon Hirszman, Silva
descobriu um material de um documentário inacabado e inédito
sobre Nise da Silveira. O principal ambiente de pesquisa onde
se pode encontrar muitos documentos sobre Nise é o Museu de
Imagens do Inconsciente.
Para Nise, a esquizofrenia
nada mais era que “estados de ser”, desencadeados por situações
extremas. A inclusão, transformação e cura por meio da arte
era a base para o tratamento de doenças mentais. A iniciativa
de unir humanização e arteterapia foi elogiada pelo mestre
Jung. Ingressou no curso de medicina aos 16 anos, num momento
em que as profissões não eram tão acessíveis às mulheres,
e formou-se aos 21 anos especializada em psiquiatria, já contestando
os tratamentos tradicionais.
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Publicação
Tese de doutorado: “A Arte na Terapia Ocupacional
de Nise da Silveira”
Autor: José Otávio Pompeu e Silva
Orientadora: Lucia Reily
Unidade: Instituto de Artes (IA)
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