Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 262 - de 16 a 22 de agosto de 2004
Leia nessa edição
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Consumo abusivo de drogas
Fórum: área da saúde
Tela angelical
 

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Estudo inédito revela que índice consumido
diariamente é pelo menos três vezes maior do que o aceitávela

Ingestão de compostos cancerígenos é grande no Brasil, aponta pesquisa



MANUEL ALVES FILHO

Veja a tabela dos níveis médios de hidrocarbonetos


Mônica Cristiane Camargo (à dir.), com a professora Maria Cecília Toledo, orientadora do estudo: situação preocupanteA cada dia, o brasileiro ingere, junto com a sua dieta básica, uma média de 6,15 µg (microgramas) de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), compostos potencialmente carcinogênicos formados durante a combustão incompleta de material orgânico, como no caso da queima de madeira e óleos combustíveis. Desse índice, 1,9 µg/dia corresponde à fração carcinogênica. Os dados, que revelam uma situação preocupante, constam de pesquisa inédita desenvolvida para a tese de doutorado de Mônica Cristiane Rojo de Camargo, apresentada na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Entre os grupos de alimentos que mais contribuem para a ingestão dos HPAs estão os óleos e gorduras, carnes e açúcares, sendo que o nível de contaminação destes últimos surpreendeu a própria especialista, pois não havia referência anterior na literatura.

Óleos, carnes, gorduras e açúcares, os vilões

Para estimar a ingestão diária de HPAs no país (veja tabela), Mônica tomou dois caminhos. Primeiro, ela obteve dados sobre o consumo de alimentos e bebidas pelos brasileiros. Sua fonte foi a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além de Brasília e Goiânia. Juntas, essas áreas urbanas respondem por cerca de 30% da população, compreendendo diferentes classes sociais e variados níveis de escolaridade e idade. Depois, a pesquisadora dividiu os alimentos que compõem a dieta do brasileiro em grupos e os analisou em laboratório, de modo a obter os níveis de HPAs presentes nas amostras selecionadas.

De acordo com Mônica, os HPAs que ocorreram com maior freqüência foram o Benzo(k)fluoranteno, benzo(a)pireno e benzo(a)antraceno, detectados em 100, 86 e 76% das amostras, respectivamente, em níveis que variaram de 0,07 a 7,21 µg/kg. A professora Maria Cecília Toledo, que orientou o estudo, lembra que os três estão entre os seis hidrocarbonetos comprovadamente carcinogênicos, segundo experiências realizadas com animais de laboratório. “A pesquisa indica que o nível de contaminação dos alimentos pelos HPAs é significativo no Brasil e exige providências para o seu controle”, alerta a docente da FEA.

A contaminação dos alimentos pelos HPAs, explica Mônica, ocorre por variadas razões. Em relação às carnes, sobretudo as defumadas, o problema está no processo de preparo, durante o qual o produto entra em contato diretamente com a fumaça. Quanto aos cereais, a fonte está na secagem, que é feita por meio da queima de madeira, por exemplo. “Algumas indústrias também queimam a madeira para secar o milho ou a soja, numa das etapas para a extração do óleo comestível. Já os vegetais são contaminados através dos hidrocarbonetos presentes no ar ou na água, conseqüência direta da poluição ambiental”. A autora da pesquisa lembra que não há um nível tolerável para a ingestão dos HPAs, visto que são potencialmente maléficos para a saúde de homens e animais.

O que se busca, segundo Mônica, é a redução da contaminação ao menor patamar possível. A expectativa da pesquisadora é que seu estudo sirva justamente para ajudar a orientar medidas nesse sentido. A professora Maria Cecília afirma que é possível adotar procedimentos que reduzam a presença dos hidrocarbonetos nos alimentos. No caso das indústrias de óleos, o uso do carvão ativado no processo de refino traz ótimos resultados, como comprovam experiências conduzidas em outros países. “Já o controle da contaminação dos vegetais pelos HPAs exige uma ação mais ampla; um esforço para reduzir a poluição ambiental”, aponta.

Conforme o estudo, não foram encontradas grandes diferenças na ingestão dos contaminantes nas regiões avaliadas. Brasília e Curitiba apresentaram as maiores taxas, enquanto as menores foram registradas em Fortaleza, Salvador e Recife. “Comparando-se os resultados da pesquisa com dados disponíveis na literatura, observa-se que na dieta de vários países, da mesma forma que na brasileira, os óleos e gorduras são, em geral, as principais fontes de exposição aos HPAs. Os níveis de ingestão dos hidrocarbonetos pelos brasileiros está muito próximo do verificado na Itália e Holanda, por exemplo”, afirma Mônica.

Açúcar e café – Um aspecto que surpreendeu Mônica ao longo da sua investigação foi o nível de contaminação dos açúcares industrializados pelos HPAs, fato que não era mencionado anteriormente na literatura. Segundo a autora da tese de doutorado e sua orientadora, o problema pode estar no processo de colheita da cana, em que é utilizado o artifício da queima das folhas, medida que também ajuda a matar animais peçonhentos. A solução, caso a hipótese seja confirmada, seria abandonar a queima ou ampliar a mecanização. “Esse fato chamou tanto a nossa atenção que decidimos iniciar uma pesquisa voltada apenas para a questão da contaminação dos açúcares pelos hidrocarbonetos”, revela a professora Maria Cecília.

Como dado complementar ao trabalho, a pesquisadora analisou ainda a influência da técnica do preparo do café na quantidade de contaminantes ingeridos pelos brasileiros A pesquisadora constatou que a pessoa que ferve o pó junto com a água pode consumir até 5,5 vezes mais HPAs totais do que aquela que simplesmente coloca o produto no coador e despeja água quente em seguida. O estudo desenvolvido por Mônica faz parte de uma linha ampla de pesquisa da FEA, iniciada em 1990, que conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A pós-graduada também obteve bolsa da Fapesp.


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