| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 334 - 21 a 27 de agosto de 2006
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Fotojornalismo opinativo
 

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Jornalista aponta tendência ao tratamento de
imagens para torná-las mais interpretativas e autorais

Fotojornalismo Opinativo

O jornalista Celso Luiz Bodstein entrevistou fotógrafos e editores da grande imprensa: tema ainda é objeto de polêmica. (Foto: Antoninho Perri)Da mesma forma como o texto no jornalismo impresso tem experimentado mudanças, tornando-se cada vez mais opinativo e analítico, inclusive para se diferenciar do conteúdo oferecido pelas mídias eletrônicas, a fotografia publicada em jornais e revistas também deverá acompanhar essa tendência. A previsão é do jornalista Celso Luiz Bodstein, que acaba de defender tese de doutorado no Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Em seu trabalho, orientado pelo professor Fernando de Tacca, ele propõe o surgimento de uma nova categoria de fotojornalismo, qual seja, a que produz imagens interpretativas e autorais no lugar das meramente factuais. “Isso, evidentemente, sem perder o compromisso com a informação”, ressalta o pesquisador.

Editores se preocupam com ética na manipulação das fotos

Na pesquisa, intitulada “A Ficcionalidade do Fotojornalismo”, Bodstein faz uma análise aprofundada dessa atividade jornalística, levando em conta não apenas os novos paradigmas da comunicação, mas também o comportamento dos profissionais da área diante o desafio ético de interpretar a realidade, sem falseá-la. Um dos aspectos debatidos pelo autor ao longo da tese é o emprego de recursos tecnológicos para o tratamento das imagens. Ele considera legítimo, por exemplo, que o fotojornalista utilize programas de computador para alterar elementos da fotografia, de modo que estes contribuam para a informação. “Eu não falo obviamente de forjar um fato ou situação, o que seria uma atitude inadmissível. Trata-se de trabalhar aspectos que caracterizem ou ressaltem a leitura que o fotógrafo faz de um determinado acontecimento”, explica.

Oriente Médio: manchas de sangue e partes de roupas na fronteira de Israel e a faixa de Gaza (Folha de S. Paulo)Para exemplificar, Bodstein cita uma imagem produzida pela fotojornalista Marlene Bergamo, publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 2001. Depois de registrar o corpo de uma vítima de assassinato na periferia de São Paulo, ela lançou mão de um software para dar um tom avermelhado ao céu mostrado na fotografia, posicionado em segundo plano em relação ao cadáver. “Com isso, a jornalista deu sentindo próprio à imagem, tendo o fato como referência. Em outras palavras, ela assumiu uma atitude diante da factualidade: deixou de ser apenas uma testemunha para manifestar uma posição frente àquela cena de violência”, esclarece. Além desta, o pesquisador analisou outras 26 imagens em seu trabalho, produzidas por fotógrafos brasileiros e estrangeiros.

Embora identifique a autoralidade como uma tendência dentro do fotojornalismo, o pesquisador reconhece que o tema ainda é objeto de polêmica. Ao entrevistar fotógrafos e editores de grandes jornais e revistas brasileiros, ele constatou que existe uma certa divisão em relação ao emprego mais amplo das imagens interpretativas. De modo geral, a expectativa dos primeiros é de que elas ganhem cada vez mais espaço nas publicações. Já os segundos manifestaram alguma dúvida sobre a validade dessa nova categoria em substituição ao modelo convencional e demonstram marcada preocupação com a definição de limites éticos para a manipulação das imagens. “São aspectos que exigirão reflexões mais aprofundadas, visto que estamos tratando da quebra de paradigmas”, analisa Bodstein.

Sob fogo cerrado: bolivianas atrás de fogueira acesa durante protesto em La Paz (Folha de S. Paulo)O pesquisador destaca que a autoralidade no fotojornalismo não está apenas na capacidade que este tem de alterar uma imagem a partir de recursos tecnológicos de última geração. A interpretação de um fato pode ser feita, ainda, por intermédio do olhar do fotógrafo. Se a explicação soa demasiado simples, tratemos de aprofundá-la. Ao cobrir um determinado acontecimento, para usar um jargão jornalístico, o profissional pode ter em mente somente o compromisso de registrá-lo. Ou pode, por meio do mesmo registro, conferir-lhe sentido. Para isso, o fotojornalista normalmente vale-se da sua experiência de vida, do seu repertório intelectual, da sua consciência em relação àquela realidade, entre outros elementos. Trata-se, nas palavras de Bodstein, de uma elaboração mais complexa e sofisticada.

Assim, no lugar de ser um mero cumpridor de pautas, o fotojornalista opta por marcar o fato com a sua câmera. Isso pode ser feito, conforme o autor da tese, de diversas maneiras. “Nesse caso, o profissional trabalha em um outro plano, a saber, o da enunciação. Às vezes, ele opta por deixar o objeto principal fora de quadro. Noutras, parte para o pictorialismo ou faz uso de metáforas. De maneira geral, as imagens não enfocam o ícone ou o índice, mas sim o símbolo. O resultado é que a fotografia deixa de ser só uma ilustração do texto e assume a condição de símbolo complexo, que muitas vezes faz parte da imaginação do leitor”, afirma Bodstein.

Feições da guerra: mãe e filho albaneses, dentro de um ônibus, fogem de Selce, na Macedônia (Correio Popular)Uma imagem emblemática, nesse sentido, foi produzida pelo fotógrafo norte-americano Stanley Greene, em agosto de 2000, em referência ao acidente com o submarino nuclear Koursk, da Rússia, que naufragou no mar de Barents. Na oportunidade, 118 tripulantes morreram. Para retratar a tragédia, Greene clicou a mesa da casa de uma das vítimas, sobre a qual estavam fotos da família, um exemplar de jornal, um prato com comida e um vaso contendo flores. “Possivelmente, nenhuma outra cena poderia revelar com tanta eloqüência a dimensão daquele acontecimento”, infere Bodstein.

Autonomia – O pesquisador reconhece, porém, que a conquista pelo fotojornalismo do que poderia ser classificado de “autonomia autoral” demandará um longo processo. Este, prossegue ele, seguramente dependerá de uma série de fatores para que se concretize, principalmente em plagas brasileiras. Uma dessas condições, e talvez a mais importante, reside na formação dos profissionais, reconhecidamente falha. Atualmente, lembra Bodstein, a maioria das escolas de jornalismo no Brasil está exclusivamente preocupada em ensinar a seus alunos aspectos técnicos da fotografia, como tempo de exposição e controle de luminosidade. “Esse é um problema que precisamos superar. A meu juízo, a universidade deve ter um refinamento pedagógico, de modo a fornecer elementos para que os estudantes desenvolvam uma consciência singularizada do mundo social. Falta, entre outras coisas, discussões conceituais acerca do papel da fotografia no jornalismo”, critica.

A despeito dessa dificuldade, Bodstein afirma não ter dúvida de que a fotografia seguirá, paulatinamente, o exemplo do texto no jornalismo impresso, que tem se voltado cada vez mais para a análise e interpretação dos fatos. Primeiro, segundo ele, porque não faz sentido que um fique divorciado do outro. Segundo, porque existe a concorrência das mídias eletrônicas, especialmente a internet, que têm cumprindo com eficiência o papel de anotar os episódios cotidianos. “Quando ocorre algo importante, os sites e até mesmo os blogs registram os acontecimentos quase que instantaneamente, inclusive por meio de imagens. Apenas para se ter uma idéia, a estimativa é que cerca de 6 bilhões de fotos sejam produzidas em 2006 em todo o mundo por meio de câmeras de telefones celulares. De alguma forma, parte desse material concorrerá com a produção dos jornais. É por isso que o jornalismo impresso tem que oferecer um diferencial aos seus leitores. Esta diferença, para mim, está exatamente na sua capacidade de ir além do factual”, avalia.

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