Em sua passagem pela vida, o homem sempre gerou conhecimento, tanto aquele que lhe é útil naquele momento, quanto o que será útil para alguém, algum dia, quem sabe... E no vaivém de ensino e aprendizagem através dos tempos, chegamos ao ensino de química, praticado nos mais diferentes níveis e nas mais diferentes comunidades. Independentemente do que tenha ocorrido ao longo do tempo, atingimos uma situação em que a antipatia supera, em muito, a simpatia pelo entendimento da química. Identificar as causas e os culpados por esta situação já ocupou as mentes dos mais diferentes tipos de profissionais; aparentemente, o tempo investido no diagnóstico foi muito maior que aquele gasto na procura de soluções.
Além dos problemas enfrentados pelos alunos, o professor de química encontra uma série de dificuldades na atividade docente. Não dispõe de literatura adequada para se preparar para suas aulas, ou seja, se precisa estudar, ele acaba estudando no mesmo livro que seus próprios alunos estudam. Em seu curso de licenciatura não havia disciplinas terminais que lhe permitissem olhar o conhecimento adquirido, nos anos anteriores, como um conjunto de conhecimento coeso e atrelado ao dia-a-dia das pessoas. Não havia ocasiões que permitissem ou provocassem a consolidação do conhecimento adquirido. Além disso, e muito mais grave, não lhe foi ensinado como ensinar determinado assunto, em termos de conteúdo e não de metodologia!
A partir do ano 2000, começamos a atuar mais intensamente na linha de pesquisa “Ensino de Química”, desenvolvida no Instituto de Química (IQ) da Unicamp, criando novas disciplinas e orientando alunos de pós-graduação, que têm como produto de seus trabalhos materiais didáticos direcionados para o ensino de química nos vários níveis. Esta iniciativa contemplava um grande anseio de profissionais que já atuavam no mercado de trabalho e não encontravam inserção no meio acadêmico para se aperfeiçoar em sua atividade.
As disciplinas, em nível de pós-graduação, representaram uma grata surpresa tanto para professores quanto para alunos. Elas apresentavam uma sistemática que propiciava aos alunos a oportunidade de contornar os seus problemas e dúvidas de conteúdo, ao mesmo tempo em que traziam a oportunidade única de terem o seu desempenho avaliado por seus próprios pares.
Nestas disciplinas, oferecidas nas tardes das sextas-feiras, o professor selecionava um assunto, normalmente fundamental, e o apresentava aos alunos no nível mais elevado de abordagem, utilizando os argumentos mais avançados e atuais disponíveis na literatura. Isto servia para todos conhecerem o estado da arte naquele tema. Depois, o assunto era tratado criticamente e se discutia como ele poderia ser ensinado nos vários níveis de aprendizado. Discutia-se o que poderia ser omitido, o que deveria ser omitido, o que tinha que ser dito e como deveria ser dito para cada tipo de aluno, desde o do nível médio até aqueles de doutorado. Tudo isto em aproximadamente 3,5 horas.
Em seguida, o professor encarregava dois alunos de preparar um material sobre o que havia sido discutido, expressando sua opinião e seu ponto de vista, e propondo como ensinar aquele conteúdo. Este material deveria ser enviado, via internet, ao professor e aos demais alunos até a noite de terça-feira, e todos deveriam estudá-lo e fazer uma análise crítica. A análise crítica era enviada ao professor, também via internet, até a noite de quinta. Na sexta, os alunos que prepararam o material ministravam uma aula com cerca de uma hora sobre o conteúdo, e ao final todos faziam a sua análise crítica, na tentativa de melhorar tanto a qualidade do material quanto a sua forma de apresentação.
O resultado alcançado por estas disciplinas, que continuam sendo oferecidas, foi muito gratificante. Como a grande maioria dos alunos já atuava como professor, tudo aquilo representou um re-aprendizado muito significativo. A solidão e falta de discussão e apoio de que tanto os professores reclamavam foi totalmente superada, havendo uma percepção geral de que as falhas de conhecimento e as estratégias adotadas eram comuns à maioria dos alunos/professores. Isto acabou gerando um sentido de solidariedade entre eles jamais visto em qualquer outra disciplina.
TV-Escola – Em outras oportunidades, ao invés de se iniciar as aulas com a exposição do professor, utilizou-se os filmes do programa TV-Escola – Como Fazer?, do MEC. Observamos, em todas as situações, que é muito difícil alcançar os objetivos esperados para este programa, em função da despreocupação dos professores em dirigir um olhar crítico para os filmes, a ponto de aprender a explorá-los. Desenvolvemos um trabalho de mestrado que resultou em dois textos que acompanham estes filmes, instruindo, orientando e sugerindo aos professores uma maneira adequada de utilizar o acervo do TV-Escola.
Nosso grupo também se dedica à redação de textos direcionados para os níveis médio e superior que apresentem algum diferencial em relação ao material disponível. Publicamos o livro “Estrutura Atômica & Ligação Química”, produto de uma tese de livre-docência, a ser utilizado na primeira disciplina de química oferecida a alunos do curso de química. O livro teve aceitação muito boa pelos alunos, que destacaram a facilidade de estudar por meio dele, ainda que na ausência do professor – e já se tornou referência em várias universidades do país, sendo empregado tanto em disciplinas de química geral quanto de química inorgânica.
Concluímos, também, a redação de uma proposta de ensino de estrutura atômica e ligação química para o nível médio, utilizando apenas argumentos acessíveis aos adolescentes, sugerindo situações perfeitamente imagináveis para um aluno com aquele perfil, e omitindo os argumentos que são inseridos apenas no curso superior, sem promover uma deturpação no entendimento.
Recentemente, publicamos ainda o livro “Química das Sensações”, produto de uma dissertação de mestrado, que enfatiza a transdisciplinaridade no ensino de disciplinas das várias áreas da química, bem como de física e medicina. Está em redação final um livro didático que enfatiza a interpretação de todas as transformações que ocorrem na análise qualitativa de cátions, tão utilizadas na disciplinas de química analítica qualitativa, tanto dos cursos de nível técnico quanto de nível superior.
Investimos também em propostas alternativas que despertem a atenção dos alunos e tornem o estudo de química mais atraente, como a produção de crônicas. Neste trabalho, enfatizamos a inserção do conteúdo químico em situações cotidianas e familiares ao estudante de qualquer região do país. Concluídas as crônicas, confeccionamos os respectivos desenhos, que acabaram resultando em histórias em quadrinhos aplicadas ao ensino de química. Já temos três histórias concluídas e o objetivo agora é criar um conjunto de crônicas/histórias em quadrinhos que possam cobrir todos os assuntos desenvolvidos em um semestre de atividades no nível médio. Novamente, o interesse despertado por este tipo de material foi imediato.
Questão ética – Finalmente, como um grande desafio, estamos desenvolvendo o trabalho que intitulamos “A Química em X(ch)eque”. Paralelamente aos benefícios e malefícios que a química pode trazer para o homem, uma questão muito importante que se coloca é até que ponto o interesse financeiro pode superar a razão acadêmica, chegando a mascarar uma realidade e prejudicar a sociedade e o meio ambiente. Tentar decidir a favor ou contra a ciência química é o mesmo que colocá-la no banco de um tribunal e julgá-la. Os benefícios superam os malefícios? Vamos nos tornar totalmente dependentes da química? Conseguimos viver sem as facilidades que a química nos proporciona? Até que ponto o interesse financeiro mascara os prejuízos a que estamos sujeitos? É a química em X(ch)eque! Somos capazes de perceber até que ponto o “xeque” é mais importante que o “cheque”? Somente uma análise cuidadosa destas questões nos auxiliará a dar um veredicto neste julgamento da química. Este é o desafio deste trabalho em andamento e que não podemos deixar de discutir com os nossos alunos de qualquer nível de formação.
Acreditamos que o trabalho produzido em nossa linha de pesquisa contribui para eliminar aquelas dificuldades sinalizadas pelos professores de química, destacadas inicialmente. Imaginamos que ainda temos que estabelecer, cada vez mais, parcerias interdisciplinares que permitam eliminar, definitivamente, aquela visão pontual da química, dissociada das demais áreas do conhecimento. Se conseguirmos atingir nossos objetivos, estaremos começando a formar a melhor geração de professores de química, totalmente distinta e jamais vista anteriormente.