CARMO
GALLO NETTO
Ao
se compulsar o trabalho acadêmico de mais de duzentas páginas
que examina as transformações e consequências técnicas,
sociais, econômicas e ambientais, relacionando-as com o
ciclo de vida e as políticas públicas que envolvem a fabricação
no Brasil de refrigeradores residenciais de uma porta, a
impressão que fica é a de que o autor tem em mãos um material
que poderia trazer grande contribuição para a conscientização
social.
As intenções e preocupações que orientaram a pesquisa
que originaram a tese ficam claras nas epígrafes que abrem
os capítulos. As referências vão desde a defesa dos recursos
naturais (Rabindranath Tagote), passam pela possibilidade
de aprender com a natureza (Leonardo da Vinci) e chegam
à necessidade de aperfeiçoamento contínuo (Roberto Freyre).
O trabalho em questão é a tese de doutorado apresentada
à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp pelo
engenheiro mecânico Herculano Xavier da Silva Junior. Ele
expõe metodologia para a rotulagem ambiental de refrigeradores
residenciais fabricados no Brasil, utilizando critérios
ambientais e socioeconômicos.
O pesquisador diz que, embora o selo de eficiência energética
que acompanha os atuais refrigeradores seja sobejamente
conhecido, o rótulo ambiental é muito mais amplo, pois o
selo é um dos pré-requisitos para que o fabricante o obtenha.
Com efeito, o rótulo ambiental leva em conta o ciclo de
vida do produto, ou seja, de como é produzido, as matérias-primas
utilizadas, a sua utilização, como será descartado e em
que grau os materiais nele empregados serão reciclados.
A rotulagem se preocupa com as implicações de tudo isso
com o meio ambiente e com as consequências socioeconômicas,
que devem considerar o preço do refrigerador para o consumidor
porque, como diz ele, “não adianta fazer um refrigerador
muito eficiente, mas que o povo brasileiro não consegue
comprar. Isto impõe que se balanceie tecnologia e custos”.
Ele constata que efetivamente um refrigerador com mais tecnologia
é um pouco mais caro, mas em contrapartida, mais eficiente.
Por isso, quando se considera o menor consumo de energia
durante o tempo de utilização, esse diferencial de preço
se paga e passa a gerar um lucro, considerando que no Brasil
um refrigerador é utilizado em media 16 anos e o retorno
do investimento ocorre depois de seis ou sete anos de uso.
A pesquisa, orientada pelo professor Guilherme de Castilho
Queiroz e realizada em colaboração com o Departamento de
Engenharia Mecânica da Universidade de Zaragoza, Espanha,
e com a fabricante de refrigeradores BSH Continental, teve
como objetivos criar uma metodologia de identificação, classificação
e seleção dos refrigeradores de uma porta – o mais vendido
–, de acordo com critérios estabelecidos em um programa
de rotulagem ambiental brasileiro.
O trabalho visou caracterizar o atual patamar evolutivo
do setor, as possibilidades de melhoria da qualidade ambiental
e os ganhos, tanto econômicos como energéticos, com a substituição
do parque de refrigeradores residenciais do país por outros
fabricados segundo novos critérios.
O autor explica que o brasileiro já se habituou a consultar
os selos de eficiência energética, em geral afixados em
lugar visível dos refrigeradores, que especificam o consumo
de energia elétrica dos aparelhos, classificando-os em cinco
faixas, de A a E, vetando por lei o comércio dos que apresentem
consumo acima do máximo permitido. Mas não existe ainda
no país para eletrodomésticos o selo de rotulagem ambiental,
que leva em conta outros fatores além da eficiência energética.
Silva esclarece que a criação de um rótulo ambiental deve
ser antecedida por um programa em que se especificam critérios
a serem seguidos e normas a serem observadas. O programa
brasileiro de rotulagem ambiental é representado pela Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e iniciou-se voluntariamente
em 1993, mas tem ainda utilização reduzida e encontra-se
centrado em madeiras exportadas, atendendo às exigências
de países estrangeiros. O serviço está sob coordenação do
Inmetro.
Com efeito, os bons critérios adotados internacionalmente,
de que são pioneiros Alemanha, Estados Unidos e países da
Comunidade Européia, consideram que o rótulo ambiental para
refrigeradores deve obedecer, para início de programa, quatro
critérios prioritários: 1 – a economia de energia baseada
no selo de eficiência energética; 2 – a redução da destruição
da camada de ozônio pelos gases refrigerantes e pelos gases
utilizados na expansão das espumas colocadas nas portas
e paredes dos refrigeradores; 3 – a redução do potencial
de aquecimento atmosférico que resulta do efeito estufa
provocado por esses dois tipos de gases; e 4 – o custo do
ciclo de vida do produto.
A evolução
A internacionalização dos movimentos ambientais se consubstanciou
a partir da década de 50 e recrudesceu nos anos 60. No bojo
das iniciativas que se seguiram e visam a preservação ambiental
foram criados programas estabelecendo padrões e selos de
eficiência energética e rotulagem ambiental com o objetivo
de melhoria do desempenho ambiental de produtos.
Na verdade, com a implantação dos padrões e selos de eficiência
energética, alguns países deram um passo a mais na busca
de proteção do meio ambiente e de um desenvolvimento sustentável.
Foi assim que surgiu em 1977 o primeiro programa de rotulagem
ambiental na Alemanha. A iniciativa serviu de exemplo para
outros países.
Com esses instrumentos, procurou-se orientar a preferência
do consumidor em adquirir produtos com melhor desempenho,
menor consumo energético e com menores impactos em relação
ao meio ambiente, estimulando os fabricantes em busca do
desenvolvimento sustentável e a formação de uma classe de
consumidores mais conscientes e responsáveis.
Selos de eficiência energética começaram no Brasil voluntariamente
em 1984, embora os padrões dos níveis máximos e mínimos
de eficiência energética de máquinas e equipamentos que
consomem energia elétrica fossem estabelecidos por lei apenas
em 2001, enquanto os programas para refrigeradores tornaram-se
obrigatórios apenas a partir do início de 2007.
No caso de refrigeradores residenciais, o Brasil ainda
não possui um programa de rotulagem ambiental e nem uma
metodologia de seleção e classificação dos melhores aparelhos
aqui produzidos com base em uma visão técnico-econômica
e sócio-ambiental. Além disso, diz Silva, o estudo se impõe
quando se sabe que o governo pretende subsidiar para as
camadas menos favorecidas cerca de dez milhões de refrigeradores
em substituição aos antigos que consomem muita energia e
ainda usam o gás flúor-cloro- carbono (CFC), e as que venceram
licitações mais recentes são obrigadas a recolher os velhos
aparelhos utilizados por essas populações trocando-os por
versões que consomem menos energia.
Estas circunstâncias, segundo Silva, impõem a implantação
de um programa de rotulagem ambiental para refrigeradores
que leve à redução dos impactos ao meio ambiente em todo
o ciclo de vida dos produtos, ou como diz ele, do ‘berço
ao túmulo’, a fim de oferecer à sociedade aparelhos de melhor
qualidade ambiental.
Em relação aos aspectos relacionados ao ciclo de vida do
produto, ele considera matéria-prima, produção, distribuição,
uso, revalorização e disposição final. E acrescenta: “Para
tanto, a ABNT, órgão certificador nacional precisa desenvolver
critérios ambientais que constituam a base de análise dos
ganhos técnicos, econômicos e ambientais e que atendam à
concessão do rótulo ambiental. O trabalho desenvolvido considerou
esses critérios e ainda a influência das políticas públicas
no setor de refrigeradores”.
O autor informa que existem no país cerca de 47 milhões
de refrigeradores residenciais, dos quais cerca de vinte
milhões (42%) têm oito ou mais anos de uso. A maior parte
deles utiliza ainda o CFC, menos eficiente energeticamente
e proibido por lei a partir de 2001, porque esses aparelhos
foram produzidos antes da promulgação da lei que passou
a controlar os níveis máximos de consumo de eletricidade
dos equipamentos consumidores de energia elétrica.
O programa de rotulagem ambiental se justifica ainda porque
o refrigerador está entre os eletrodomésticos que mais consomem
energia, respondendo por 22% do consumo residencial, e os
de uma porta constituem 60% dos refrigeradores em uso no
Brasil.
Em suma, o autor considera objetivo da tese criar uma metodologia
de identificação, classificação e seleção de refrigeradores
de uma porta, de acordo com critérios ambientais e socioeconômicos
previamente estabelecidos em um programa de rotulagem ambiental,
para identificar o atual patamar evolutivo do setor, as
possibilidades de melhoria da qualidade ambiental e os ganhos
tanto ambientais quanto econômicos e energéticos com a substituição
do universo de refrigeradores residenciais.
Ele espera que o estudo auxilie aos tomadores de decisão
na seleção e aprovação dos melhores aparelhos do mercado
com vistas à utilização de um Rótulo Ambiental Brasileiro.
Na sua perspectiva, um programa de rotulagem ambiental brasileiro
poderá promover efetivamente uma melhora contínua dos refrigeradores
e ajudar na disseminação de uma cultura de consumo sustentável.
Algumas constatações
Aumento de eficiência
Ao persegui-la deve ser considerado o tempo de vida
do refrigerador e a economia produzida durante sua
vida útil, de forma a viabilizar o custo para o
consumidor.
Gases utilizados
Para minorar o efeito estufa e a destruição da camada
de ozônio, o gás refrigerante e o gás utilizado
para expansão da espuma interna que isola o refrigerador
devem ser criteriosamente selecionados.
Efeito estufa
Até há pouco tempo se utilizava como gás refrigerante,
os CFC’s que em relação ao dióxido de carbono, que
constitui o padrão para o cálculo do efeito estufa,
tem um potencial de aquecimento de cerca de 10.700
vezes maior, enquanto para os HFC’s e HCFC’s utilizados
hoje esse efeito varie de 1.300 – 1.400 vezes. A
proposta do pesquisador é a utilização do isobutano,
já empregado por cerca de 10% do mercado, e cujo
potencial de aquecimento global é apenas 3 vezes
maior do que o do dióxido de carbono.
Eficiência energética
O programa de rotulagem ambiental exige que os refrigeradores
não só estejam no nível A de eficiência energética
mas ainda o superem em 20%.
Simulações
O trabalho simula os ganhos energéticos que serão
obtidos com a substituição dos refrigeradores antigos
e mostra quantas termoelétricas poderiam deixar
de ser construídas. Mostra ainda qual será o impacto
no efeito estufa se esses refrigeradores não forem
substituídos, chamando a atenção para quanto de
créditos de carbono podem ser obtidos com as medidas.
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