“O canto coral é a linha que une pessoas com interesses tão diversos. Temos muitos estudantes de exatas, por exemplo, que realizam uma atividade muito diferente da que desenvolvemos na música. Para eles, que geralmente enfrentam uma carga horária muito pesada, o coral funciona como uma terapia. Chegam sem qualquer pretensão de se tornar cantores, embora isso possa acontecer”, afirma a maestrina Vivian Nogueira, que está à frente do Zíper na Boca desde sua criação em 1985, ou recriação, visto que ela foi convidada a reativar o coral da Unicamp, cujas atividades estavam paralisadas desde o ano anterior. O Zíper na Boca está hoje vinculado ao Núcleo de Difusão Cultural (Nidic) da Unicamp.
Nesses 20 anos, o coral não propiciou apenas novos vínculos de amizade, também mudou destinos. Alberto Pacheco é um físico que se tornou cantor. Logo no início do curso no Instituto de Física Gleb Wataghin, ele foi atraído por um cartaz fixado no “Bandejão”, convidando possíveis coralistas para testes. “Durante toda a graduação em física, eu cantei. Toco piano desde os 8 anos, mas em minha cidade do interior de Minas, música é hobby. No Zíper na Boca vi que também pode ser uma profissão. Ainda adoro a física, um sonho de criança, mas acho muito mais prazeroso fazer música”, afirma.
Formado físico, Alberto Pacheco decidiu graduar-se em música. Fez regência e canto erudito, seguiu pelo mestrado e está na metade do curso de doutorado. Tem se apresentado como tenor de um grupo de música barroca em São Paulo, sem cachês, já que a condição de bolsista da Fapesp proíbe outros rendimentos. Sua pesquisa de doutorado é sobre os cantores da Capela Imperial, os castrati, trazidos por D. João VI no início do século 19. “Na época, meninos italianos eram castrados antes da adolescência para que mantivessem a voz de criança. O castrato cantava a linha da mulher, então proibida de participar dos corais de igreja”, explica.
O Zíper na Boca também mudou a trajetória de vida de André Checchia. Aprovado no vestibular para química “sem muita preocupação em passar”, decidiu ver no que dava. Frustrou-se. Já na metade da graduação, enveredou pela dança de salão, teatro e outros cursos paralelos, buscando algo que lhe interessasse, quando um amigo o convenceu a fazer um teste no coral. “A rotina do grupo, os concertos, as viagens, o contato com colegas que já atuavam na música, despertaram em mim a idéia de trabalhar profissionalmente nesta área. Passado um ano, eu e um amigo formamos uma dupla de voz e violão, e depois uma banda que já existe há quatro anos, da qual sou o vocalista”, conta.
O nome da banda, “Oito ou Oitenta”, reflete a decisão radical de André Checchia. “Eu fazia um estágio de química antes da graduação e achava uma chatice. Mas tudo era uma maravilha quando participava do Zíper, mesmo que dormisse apenas meia hora. Percebi o que queria”, declara. No momento, o químico que virou vocalista disputa pela segunda vez uma vaga no Instituto de Artes da Unicamp, aos 26 anos. E já consegue viver apenas da música, apresentando-se com a banda ou produzindo eventos. Atrás da melhor trilha, chegou à terceira seleção do concurso Popstar e ficou entre 70 melhores do Sudeste no programa Fama, da Rede Globo.
Se a carreira na música fosse mais fácil, Helvia Nascimento, soprano do Zíper na Boca há mais de 10 anos, seguiria esta trilha com prazer. Mas optou por manter-se em seu porto seguro, a biologia. “Meu marido é músico, sei como é”, diz. Tanta propriedade, contudo, não se deve apenas ao testemunho conjugal, pois ela própria ingressou no curso de música depois de graduar-se em biologia. “Conheci meu marido no coral e ele me convenceu a fazer canto popular. Eu já cantava por hobby e tinha uma banda que não durou muito. Tocamos na Bioart, que era um festival de artes tradicional do Instituto de Biologia e também num congresso da área”, recorda.
Helvia Nascimento graduou-se em música e continua na Unicamp, agora para o doutorado em biologia molecular, com um projeto de pesquisa que pouco tem de lúdico. “A idéia é analisar a expressão gênica de pacientes com câncer colo-retal, buscando genes ligados à doença. Uma expressão muito diferenciada seria indício, por exemplo, de que determinado gene aumentaria a chance de uma pessoa ter a doença, ou então a sua agressividade”, explica. Devido ao doutorado, a soprano confessa que não vem participando do Zíper na Boca com a mesma assiduidade. “Mas compareço sempre que posso, como no concerto de 20 anos. Sou uma das coralistas mais antigas e conheço a maioria das músicas”.
Coral é renovado a cada ano
O coral Zíper na Boca é formado por 60 pessoas da comunidade universitária. A cada ano, aproximadamente um terço do grupo é renovado, já que graduandos, pós-graduandos, professores e funcionários nem sempre conseguem conciliar suas atividades com as do coral. As inscrições são abertas no início do ano letivo, havendo então uma seleção de vozes. “O teste tem a finalidade de garantir um número adequado de coralistas, pois é difícil dar continuidade a um trabalho quando o número de ingressantes é muito grande. Na verdade, o interessado não precisa ser um solista vocal ou ter leitura musical. Basta um ouvido um pouco treinado e alguma afinação, mesmo que cante apenas no chuveiro”, informa a maestrina Vivian Nogueira.
O Zíper na Boca tem a formação padrão de um coro misto a quatro vozes. São duas vozes femininas: soprano a mais aguda e contralto a mais grave; e duas masculinas: tenor a voz mais aguda e baixo a mais grave. Estas vozes são chamadas de naipes. “O importante é obter o equilíbrio e homogeneidade das vozes e, não por acaso, temos mais vozes femininas do que masculinas, naturalmente mais potentes. Ao contrário do canto solista, que evidencia as potencialidades individuais de um cantor, o canto coral busca oferecer ao público uma sonoridade coletiva, com as vozes timbradas. Por isso, quando um corista se sobressai, dizemos que está furando o naipe”, explica Vivian Nogueira.
O Zíper na Boca realiza mais de 30 apresentações por ano, dentro e fora da Universidade. Para isso realiza dois ensaios por semana, seguidos de aulas de técnica vocal e de ensaios específicos para os ingressantes. “Os novatos não participam das primeiras apresentações, mas em dois meses já estão aptos para seguir o repertório”, afirma a maestrina. No repertório eclético, são tradição os arranjos de MPB, bem como as peças sacras, desde as renascentistas até as contemporâneas. Há espaço também para a música universal e peças folclóricas.
Saltimbancos O Zíper na Boca comemorou seus 20 anos com dois projetos especiais em 2005. No primeiro semestre montou a peça Saltimbancos, seu primeiro espetáculo musical e ao mesmo tempo cênico. Sucesso junto ao público local, o espetáculo foi levado para o Memorial da América Latina e cidades do interior, e fechou o Festival Internacional de Coros de Maringá. O I Festival de Corais, segundo grande projeto do ano, trouxe à Casa do Lago vários corais de fora da Unicamp. “O festival durou três dias e o Zíper na Boca fez o encerramento com o Concerto dos 20 anos, no dia 26 de novembro, já que a primeira apresentação do nosso coral aconteceu em 27 de novembro de 1985, no auditório do Instituto de Artes”, recorda a maestrina.