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desmonte do projeto nacional Octavio
Ianni nos ilumina ao avaliar a crise energética dentro do contexto
histórico brasileiro ÁLVARO
KASSAB Um
silêncio reverencioso tomou o auditório do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH), em 18 de junho último, durante um seminário
internacional sobre a América Latina. Podia-se ouvir o barulho metálico
das cadeiras e os sons inconfundíveis do burburinho externo, típicos
dessas ocasiões. A deferência tinha nome, sobrenome e uma história
de coerência: a palavra acabara de ser passada a Octavio Ianni, professor
emérito da Unicamp. Não foi preciso meia hora para que a platéia,
formada em sua maioria por jovens, se sentisse recompensada. Foi uma aula brilhante
daquele que é considerado um dos mais renomados intelectuais do país.
Conceitos sem concessões fluíam num estilo que reunia o telegráfico,
o visceral e o espirituoso. Novas luzes sobre geopolítica, economia, história
e seus derivados foram debatidas por esse ituano de 75 anos, boa parte deles dedicada
à defesa intransigente dos ideais democráticos, traduzida em obras
que se tornaram clássicos das Ciências Sociais. Na
entrevista que segue, concedida ao Jornal da Unicamp, Ianni analisa com a agudeza
habitual a crise energética, classificada por ele como a pá
de cal no processo de desmonte do projeto nacional. Para o professor, ao
adotar incondicionalmente a cartilha do neoliberalismo, o governo ficou refém
do capital transnacional e das organizações multilaterais. Em seu
depoimento, Ianni também historia essa dependência, segundo ele iniciada
já na ditadura militar, e critica o papel da mídia.
Jornal
da Unicamp Como o senhor vê a crise de energia? Octavio
Ianni A rigor, a crise energética é só
um aspecto de uma conjuntura excepcionalmente crítica que está vivendo
a sociedade brasileira. De certo modo, a crise de energia expressa uma crise mais
profunda, geral, da maneira pela qual o governo está conduzindo a economia
e a sociedade brasileira. P
O senhor poderia explicar? R
O que está em causa, fundamentalmente, é que o sistemático
programa de privatização, de alienação, de centros
decisórios por parte do governo, seguem diretrizes que não são
simplesmente do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial do
Comércio. São também das corporações transnacionais.
P
O que isso significa? R
Envolve uma mudança profunda da política econômica, social
e cultural brasileiras. Em outros termos, o que está acontecendo é
um abandono total do projeto nacional que se havia desenvolvido em décadas
anteriores. Um processo que havia se iniciado já desde a Proclamação
da República, mas que, a rigor, entra num ciclo excepcionalmente importante
desde 1930 até os anos 60. E esse projeto nacional, que já sofreu
sérios percalços, passou por sérias dificuldades durante
a ditadura militar, passou, com os governos civis, desde o primeiro, e agora,
com os dois mandatos do atual governo, a ser radicalmente abandonado. P
Em que sentido? R O que
acontece é que a capacidade do Estado de definir objetivos, de implantar
diretrizes, ficou totalmente dependente das avaliações não
só das organizações multilaterais, mas também das
corporações transnacionais, que passam a ter uma voz muito importante
na maneira pela qual o governo toma decisões. Todos sabemos que a crise
de energia é conseqüência imediata, direta, da maneira pela
qual esse governo adotou as diretrizes neoliberais. Então, dá para
dizer e esse é o ponto principal - que a crise de energia é
somente uma expressão fundamental e, talvez se possa dizer, o desfecho
do processo de desmonte do projeto nacional. P
O senhor entende que o projeto de nação foi definitivamente
relegado ao abandono? R O projeto
nacional significa que, desde um certo momento, de uma maneira muito evidente
desde 1930, com o primeiro governo Vargas, e mesmo com a ditadura Vargas, foram
adotadas medidas de modo a dinamizar a economia e a desenvolver setores econômicos
além da agricultura. Todos sabemos que até 1930 o Brasil era amplamente,
quase que totalmente, dependente não da agricultura em geral, mas principalmente
da cafeicultura. E isso era uma fonte, ao mesmo tempo, de conveniências,
de alianças, de acomodações e de graves problemas. As crises
do comércio internacional do café repercutiam de maneira desastrosa
na economia e na situação social do país. P
Como, no entendimento do senhor, se deu a ruptura? R
O que houve desde 1930 de uma maneira mais evidente foi a adoção
de medidas de modo a estimular o desenvolvimento de outros setores da economia,
ao mesmo tempo que protegendo a economia cafeeira. Naturalmente entram outros
elementos em causa, como as guerras, mas o que ocorreu foi um desenvolvimento
cada vez mais evidente do setor industrial e, claro, do setor de serviços
e de empreendimentos econômicos estatais. P
Quais? R A Companhia
Siderúrgica de Volta Redonda, a Eletrobrás, a Companhia Vale do
Rio Doce, a Fábrica Nacional de Motores, entre outros. Era uma grande quantidade
de iniciativas através das quais setores privados e governamentais dinamizavam
o conjunto da economia. E isso veio acompanhado, da década de 30 à
de 60, de iniciativas na área cultural, na área universitária,
de legislação trabalhista. P
O senhor poderia citar quais as iniciativas? R
A CLT é uma iniciativa que se situa precisamente nesse contexto.
Ela é de 1943. O que houve, então, foi um projeto nacional muito
forte. Errático, com problemas, inclusive favorecendo alguns setores em
detrimento de outros, mas existia um projeto..
Continua... | |