Logo após o lançamento da pedra fundamental da Unicamp, em 5 de outubro de 1966, o reitor Zeferino Vaz tratou de definir o time de cientistas que o ajudaria a fundar as bases da instituição. Entre os nomes escolhidos estava o do então professor da USP, Giuseppe Cilento, italiano nascido em Sorrento, internacionalmente conhecido por seus trabalhos na área da fotobioquímica. A ele foi conferida a missão de implantar o Instituto Central de Química (ICQ), mais tarde Instituto de Química (IQ), um dos pilares do projeto que ambicionava erguer, em área anteriormente ocupada por um vasto canavial, uma universidade que fosse modelar para o país.
O chamado ‘milagre
brasileiro’
impulsionou
a unidade
Assim, no início de 1967, Cilento, auxiliado por Geraldo Vicentini, já trabalhava para dar forma à proposta de Zeferino Vaz. Um dos primeiros desafios a ser vencido era formar um corpo docente qualificado. Respaldado pelo reitor, que por sua vez havia obtido o aval do governo do Estado, o coordenador do ICQ recrutou alguns dos melhores pesquisadores da Química, tanto do Brasil quanto do exterior. Da USP, vieram jovens especialistas de diversas áreas, como Aécio Pereira Chagas, que posteriormente sucederia Cilento na diretoria, e Claudio Airoldi, ainda hoje em plena atividade. Também foram contratados cientistas estrangeiros, a maioria deles norte-americanos. Vários ficaram por longo tempo, enquanto outros tiveram breve passagem pela Unicamp.
Ainda em 1967, foi realizado o primeiro vestibular para o curso de Química. No ano seguinte, a primeira turma de alunos foi recepcionada pelos professores e pelo próprio Zeferino Vaz, que ministrou a aula inaugural. As atividades acadêmicas tinham lugar num barracão pertencente ao extinto Ateneu Paulista, colégio localizado na esquina das ruas do Sacramento e 14 de Dezembro, no Centro de Campinas. Lá, havia um anfiteatro, um laboratório da Química e outro da Física. A Reitoria, por sua vez, funcionava no prédio onde hoje está o Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), na rua Culto à Ciência, bairro Botafogo.
Em 1969, em razão da falta de espaço, parte das atividades do já denominado Instituto de Química (IQ) foi transferida para o campus de Barão Geraldo, então um enorme canteiro de obras. As aulas teóricas passaram a ser ministradas em um prédio próximo à sede da administração central da Universidade. O transporte de professores, alunos e funcionários era feito por meio de ônibus fretado. Em dias de chuva, a chegada aos locais de trabalho e de estudo se transformava numa aventura.
Como as estradas de acesso ao campus ainda não eram asfaltadas, parte do trajeto se transformava em lamaçal. Para evitar que os ônibus atolassem, os motoristas paravam os veículos a mais de um quilômetro do ponto final. Assim, os passageiros eram forçados a cumprir o restante do percurso a pé. O trekking só foi amenizado, ainda que involuntariamente, pela rainha da Inglaterra, Elizabeth II. Explica-se: em sua passagem por Campinas, no final da década de 60, a monarca visitou uma das fazendas situadas no distrito de Barão Geraldo. Para facilitar o deslocamento da convidada ilustre, autoridades e anfitriões trataram de calçar algumas vias, o que facilitou a vida daqueles que se dirigiam à Unicamp.
Graças ao milagre – Em 1971, o IQ finalmente foi transferido para um dos prédios que hoje compõem o complexo arquitetônico da unidade. Apesar de o Brasil viver sob a tutela dos militares, as atividades acadêmicas praticamente não sofreram impactos negativos naquela oportunidade. Ao contrário, graças ao chamado “milagre brasileiro”, como foi classificado o período de forte expansão da economia nacional, o IQ foi beneficiado por verbas advindas de convênios firmados com órgãos ou empresas públicas que ajudaram a alavancar suas pesquisas. Por esta época foram adquiridos, por exemplo, equipamentos de grande porte e de avançada tecnologia. As linhas de pesquisa ganharam, dessa forma, maior vigor.
Ainda no princípio da década de 70, o IQ começou a oferecer, em caráter extra-oficial, algumas disciplinas em nível de pós-graduação, atendendo inicialmente o seu próprio corpo docente, já que alguns professores contavam apenas com a graduação. Graças a essa iniciativa, em 1974 a unidade foi considerada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) como um centro de excelência em pesquisa. Passados três anos e ao cabo de um longo processo burocrático, o IQ finalmente recebeu credenciamento para a pós-graduação, em quatro áreas de especialização: Orgânica, Inorgânica, Físico-Química e Analítica. Todo esse avanço, conforme avaliação de alguns dos envolvidos, deu-se sob a batuta de Cilento, auxiliado pelo seu diretor associado, o professor Jayr de Paiva Campello.
Sobre os dirigentes, diz-se que, a despeito de terem temperamentos diametralmente opostos, completavam-se perfeitamente. Enquanto Cilento era mais fechado, Jayr demonstrava uma dinâmica incomum. Considerado o pai da fotobioquímica brasileira, o diretor do IQ valia-se do seu talento e prestígio científico para consolidar o projeto de fazer da unidade uma referência nacional no ensino e na pesquisa. Chegou a ser cogitado para concorrer ao Prêmio Nobel de Química, mas comenta-se que não teve força política para cacifar o próprio nome. Já o diretor associado era um excelente executor e dedicava-se para além do expediente às suas atividades. Na gestão de ambos, os laboratórios receberam novos equipamentos e a biblioteca foi substancialmente reforçada.
Por esta época, quando a internet sequer havia sido imaginada, o contato entre os pesquisadores do IQ e seus pares em universidades estrangeiras era feito por carta. Era dessa forma que eles trocavam informações sobre os estudos que estavam desenvolvendo. Aliás, a via postal também era usada para a remessa dos trabalhos que participariam dos congressos internacionais. Como os artigos tinham de ser analisados antes de serem aceitos, muitos deles eram devolvidos para a execução de eventuais ajustes. Em seguida, eram novamente enviados para nova checagem. Todo esse processo não levava menos de um ano. Isso, evidentemente, se não houvesse greve dos carteiros num dos países envolvidos.
Na Santa Efigênia – Ainda em meados da década de 70, uma decisão governamental atrapalhou a pesquisa científica brasileira, em especial a desenvolvida pelo IQ. Por determinação do então presidente Ernesto Geisel, as importações passaram a pagar uma elevada taxa compulsória. Com isso, a compra de aparelhos e reagentes químicos ficou inviabilizada. Uma alternativa encontrada pelos cientistas da Unicamp foi construir alguns dos equipamentos de que precisavam. Para isso, viajavam a São Paulo, onde compravam peças, suprimentos e dispositivos nas lojas instaladas na rua Santa Efigênia, conhecida nacionalmente como reduto do comércio de produtos eletroeletrônicos e de informática.
As atividades transcorriam proficuamente, até que, em 1981, o então governador Paulo Maluf decretou intervenção na Universidade. O ato, repudiado por toda a comunidade acadêmica, teve um aspecto positivo. No princípio da Unicamp, os docentes do IQ, a exemplo de alguns colegas de outras unidades, eram pejorativamente chamados por uma parcela da sociedade campineira de “professores-taxistas”. É que vários moravam em outras localidades e vinham para Campinas duas ou três vezes por semana. Os que não tinham carro próprio desembarcavam na Rodoviária. Alguns pegavam táxis até o campus de Barão Geraldo.
Como Campinas já contava com a PUC, muitos campineiros relutavam em aceitar uma segunda instituição de ensino superior na cidade, ainda mais tendo em seu corpo docente inúmeros forasteiros. Com a intervenção, porém, esse sentimento transformou-se. Contrários à violência perpetrada pelo governador, os campineiros “assumiram” a Unicamp definitivamente e hipotecaram total solidariedade à comunidade acadêmica. “Não se mexe com um patrimônio da cidade”, passaram a afirmar. Superada essa fase difícil, o IQ, assim como a Universidade de modo geral, experimentou uma fase de expansão tanto do ponto de vista físico quanto acadêmico.
Porto de Santos – A excelência das investigações científicas realizadas pelo Instituto passou a ser cada vez mais reconhecida em âmbito nacional. Um exemplo disso foi o convênio firmado com a Receita Federal de São Paulo, em 1983, que transferiu para a unidade o gerenciamento de um laboratório de controle analítico, instalado no Porto de Santos, ainda hoje em operação. Sua missão é analisar produtos químicos, alimentícios e biológicos que chegam ao país através do local. Atualmente, o IQ dá concretude ao sonho dos pioneiros da Unicamp. Trata-se de um dos mais importantes centros de pesquisa do país, cujos trabalhos têm importante inserção na comunidade científica internacional.
O Instituto, que conta com 81 docentes, ocupa hoje uma área de cerca de 18.000 m², sendo 1.400 m² destinados a laboratórios de ensino, 5.700 m² a laboratórios de pesquisa e 2.000 m² a salas de instrumentos. A unidade formou até hoje aproximadamente 1,3 mil bacharéis. Também gerou perto de 1,3 mil dissertações de mestrado e teses de doutorado. Os pesquisadores do IQ somam, ainda, mais de 3 mil artigos publicados em revistas científicas indexadas nacional e internacionalmente.