Um dos sucessos recentes da indústria automobilística brasileira é a tecnologia denominada “flex”, aquela que permite aos automóveis utilizarem tanto a gasolina quanto o álcool – ou a mistura de ambos – como combustível. Tal solução, que já despertou o interesse de vários países, é conseqüência direta do empenho da ciência nacional para o desenvolvimento de uma alternativa eficiente aos combustíveis fósseis. Parte do sucesso desse esforço deve ser creditada às pesquisas conduzidas na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, que completou 30 anos de atividades no final de 2005. Nascida como um departamento ligado à antiga Faculdade de Engenharia de Campinas, a FEQ é atualmente uma das unidades mais produtivas da Universidade.
Pesquisas
sobre fontes
alternativas de
energia vêm
desde a criação
Embora tenha crescido em tamanho e importância, a FEQ de hoje guarda os mesmos compromissos da época em que foi concebida, ou seja, formar pessoal altamente qualificado e cooperar para o desenvolvimento científico nacional. Mas para alcançar o estágio atual, muitos obstáculos tiveram que ser superados, a começar pela resistência inicial à criação do curso de Engenharia Química pela Unicamp. A proposta partiu do então reitor Zeferino Vaz, atendendo a um pedido das indústrias, que no início dos anos 70 começavam a formar na região de Campinas um dos mais importantes parques químicos e petroquímicos do país. Naquela oportunidade, as empresas se queixavam da carência de mão-de-obra com sólida formação. O argumento era o mesmo apresentado anos antes por outros segmentos do setor produtivo e que havia levado a Universidade a implantar, em 1967, a FEC. Esta era constituída pelos departamentos de Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica.
Convencido da viabilidade da idéia, Zeferino Vaz convocou um grupo de trabalho para formular o projeto de criação do curso de Engenharia Química, sob a coordenação do professor André Tosello, idealizador da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). Este, entretanto, considerou a iniciativa inoportuna. Comentava-se à época que Tosello não via com bons olhos a possibilidade de um novo curso concorrer com o de Engenharia de Alimentos, sobretudo dentro da mesma unidade. Determinado, o reitor procurou então o diretor da FEC, professor Manoel Sobral Júnior, a quem confiou a tarefa. Ocorre, porém, que a Congregação da FEC também se posicionou contra a proposta, por considerar que a faculdade não dispunha de infra-estrutura para abrigar outro curso.
Como não era de ceder facilmente, Zeferino insistiu. Após inúmeras reuniões, nas quais enfatizou a importância de a Unicamp oferecer o curso de Engenharia Química, o reitor finalmente conseguiu convencer seus pares. Assim, em 13 de agosto de 1974 o Conselho Diretor, precursor do atual Conselho Universitário (Consu), aprovou a proposta. Foi deliberado que a Universidade ofereceria 50 vagas a partir do vestibular do ano seguinte. Em 1975, ano do primeiro exame de seleção para a carreira, o Conselho Estadual de Educação aprovou a medida. Superada as primeiras adversidades, outras surgiriam no front. No princípio de 1976, data do ingresso da primeira turma, começaram a chegar os professores responsáveis pelas várias disciplinas, como Mário de Jesus Mendes, que se doutorara em Engenharia Química pela Universidade Técnica de Berlim, Alemanha.
Impasse no currículo – Uma dificuldade inicial foi a falta de espaço para abrigar os docentes. Estes dispunham de apenas três salas emprestadas pelo Departamento de Engenharia Mecânica (DEM). Não existiam quaisquer recursos para a formação do que seria o Departamento da Engenharia Química (DEQ), exceto o entusiasmo dos pioneiros. Dependências para a instalação de laboratórios, então, nem pensar. Os livros disponíveis eram os que haviam sido trazidos pelos próprios professores. Como as aulas só teriam início no segundo semestre de 1976, o grupo dedicou-se primeiramente ao planejamento do currículo do curso. Para não fugir à regra, tal missão também acabou se transformando num problema. É que o professor Antonio Carvalho de Sales Luis, designado pelo diretor da FEC para chefiar o departamento recém-criado, havia apresentado uma proposta de currículo que não agradava a vários professores.
Enquanto Sales Luis, engenheiro químico com pós-graduação em Física Aplicada, defendia um currículo baseado no chamado “ensino tecnológico”, os professores mais novos, egressos em sua maioria de instituições como a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), principalmente da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe), queriam uma instrução fortemente fundada nas ciências básicas, como física, química, matemática e biologia. Entre esses últimos estavam nomes como Saul Gonçalves d’Ávila, César Costapinto Santana, José Cláudio Moura e Alberto de Andrade. Foram realizadas incontáveis reuniões para tentar superar o impasse. Um ponto, no entanto, unia as duas partes: ambas concordavam que o ensino de Engenharia Química na Unicamp deveria ser “moderno”, ou seja, ser diferente dos cursos análogos até então oferecidos no país.
Antes de terem com Sales Luis, os professores contrários à posição do chefe do DEQ costumavam se encontrar num conhecido bar do Cambuí, o bairro mais boêmio de Campinas, de nome Paulistinha, sob a providencial justificativa de que não tinham clima para esse tipo de atividade no campus de Barão Geraldo. Lá, entre uma cerveja e um lanche de pernil, travavam um rico embate de idéias, de modo a ajustar o posicionamento que teriam na reunião departamental. Nesse meio tempo, a primeira turma do curso de Engenharia Química já aportava na Unicamp. Ou seja, os 50 calouros começaram a cursar as disciplinas do ciclo básico sem que uma grade curricular estivesse definida.
Depois de intensa e acalorada negociação, os integrantes do DEQ finalmente chegaram a um acordo e deram início à elaboração do programa curricular. A versão final contemplou de maneira mais ampla as idéias dos professores mais novos, embora também abrigasse algumas propostas contidas no plano original apresentado por Sales Luis. Tal decisão, segundo algumas interpretações, é que conferiu ao curso a originalidade e a qualidade que os pioneiros tanto buscavam. Paralelamente a esse processo, os docentes ocuparam-se também de desenvolver as primeiras pesquisas. Duas delas eram especialmente importantes e receberam a denominação de Projeto Hidrogênio e Projeto Aguapé.
Fontes alternativas – Motivados pela crise do petróleo, os pesquisadores do DEQ, em parceria com colegas de outras unidades da Unicamp, realizavam estudos voltados ao desenvolvimento de fontes alternativas de energia. O Projeto Hidrogênio, por exemplo, tentava comprovar a viabilidade do uso desse gás em substituição aos combustíveis fósseis. O Projeto Aguapé, que caminhava paralelamente, objetivava a geração de gás metano pela fermentação anaeróbica da planta em escala piloto. As duas pesquisas trouxeram novos e importantes conhecimentos para a ciência brasileira, bem como outras da área de álcool-química.
Com o currículo da graduação definido e as primeiras pesquisas em andamento, o DEQ voltou-se para criação dos cursos de pós-graduação. Em 1979, teve início a implantação do mestrado. No ano seguinte, a modalidade já recebia sua primeira turma, formada por 12 alunos, sendo que cinco haviam acabado de se graduar pela própria Unicamp. Os cursos de doutorado viriam a ser oferecidos uma década depois. Nesse meio tempo, o departamento consolidou as linhas de pesquisa e laboratórios. Em meados dos anos 80, com a FEC totalmente institucionalizada, o Departamento de Engenharia Elétrica (DEE) entendeu que já tinha condições de se transformar numa unidade independente e iniciou um processo para a sua elevação ao status de faculdade.
A proposta foi levada ao Conselho Diretor, que a aprovou em 27 de maio de 1986, no mandando do reitor Paulo Renato Costa Souza, mais tarde ministro da Educação. Dessa forma, os outros dois departamentos, que também analisavam a conveniência de se “emanciparem”, foram igualmente elevados à categoria de faculdade. O processo, conforme alguns dos envolvidos, foi conduzido com serenidade. Nos casos da Engenharia Mecânica e Engenharia Química, a aprovação deu-se em 1989 e a implantação efetiva em 1990. O primeira diretoria eleita da FEQ foi constituída pelos professores Milton Mori e José Cláudio Moura.
Indicadores atuais – Faculdade devidamente instalada, as atividades de ensino, pesquisa e extensão experimentaram um significativo avanço. Uma iniciativa importante concretizada nessa fase foi a criação, em 1992, do curso noturno de Engenharia Química. Para evitar que o ensino perdesse em qualidade em relação ao oferecido em tempo integral, a grade curricular passou por reformulação e a infra-estrutura da unidade foi adaptada às novas necessidades.
Os atuais indicadores da unidade comprovam que os objetivos perseguidos pelos pioneiros foram alcançados. Até aqui, a FEQ gerou 616 dissertações de mestrado e 294 teses de doutorado. Entre 2002 e o início de 2006 foram publicados 350 artigos científicos em periódicos indexados nacional e internacionalmente.
Em 30 anos de atividade, a FEQ formou 1.255 engenheiros no seu curso de graduação e mais 478 mestres e doutores em seus cursos de pós. A Faculdade conta hoje com oito prédios, que somam 10.750 metros quadrados de área construída. São 48 professores – 46 deles com o título mínimo de doutor – e mais 47 funcionários. Em 2005, os cursos de extensão oferecidos pela Faculdade geraram uma receita de R$ 1,3 milhão.