| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 327 - 12 a 25 de junho de 2006
Leia nesta edição
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Artigo: Walter Belik
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PAAIS
Software fiscal
Química das sensações
Engenharia Química
Mandarim 28 e 29
Salgado de batata doce
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Formigas lava-pés
Ribeira de Iguape
 

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Estudo propõe financiamento de equipamentos
como forma de garantir transferência de renda

Arquiteta defende programa
para viabilizar
coletores solares
em habitações populares

A pesquisadora Jane Tassinari Fantinelli, que apresentou tese na FEM: analisando a difusão dos coletores solares desde 1970 (Foto:Neldo Cantanti)Os coletores solares destinados ao aquecimento de água têm tecnologia já consagrada e os modelos disponíveis no Brasil apresentam eficiência que varia entre 40% a 62%, considerada muito boa. Se utilizados por famílias de baixa renda, os coletores podem levar a uma redução média no uso de energia elétrica que beira os 35% – dependendo dos descontos por faixa de consumo oferecidos pelas distribuidoras, isso corresponderia a uma redução de 56% a 71% na conta a pagar. O banho quente, para este segmento da população, representa um gasto de 14% a 23% de sua renda mensal.

Contas de famílias de baixa
renda podem cair em até 71%

Diante dessas constatações, por que as habitações populares brasileiras ainda não utilizam aquecedores solares, embora as condições de insolação em praticamente todo o território nacional sejam excelentes? Foi em cima dessa questão que a arquiteta Jane Tassinari Fantinelli desenvolveu pesquisa de doutorado junto ao Departamento de Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. Ela analisa a evolução da difusão do uso de aquecimento solar de água para habitações populares no Brasil a partir de 1970, considerando as ações do Estado, industria e sociedade civil. O trabalho, orientado pelo professor José Tomaz Vieira Pereira da FEM e co-orientado pela professora Elizabeth Marques Pereira, coordenadora do Green Solar da PUC de Minas Gerais, destaca estudo de caso realizado em Contagem (MG) sobre um empreendimento que teve a participação efetiva do poder público através da Eletrobrás.

Em sua pesquisa, Jane Fantinelli conclui que programas de transferência ou aumento de renda poderiam ser implementados por meio do financiamento de sistemas termo-solares com juros adequados à renda mensal das famílias de baixo poder aquisitivo. “O fomento à inserção desses sistemas pode ser estimulado pelo financiamento conjunto com os programas habitacionais para a construção de moradias de interesse social e também pelo financiamento através do sistema financeiro estatal com juros compatíveis com a moradia já construída”, sugere.

Na tese, a pesquisadora apresenta um levantamento minucioso das ações de fomento para uso de aquecimento solar de água em alguns países com experiências relevantes; investiga ao longo das últimas décadas as ações dos diversos agentes brasileiros envolvidos no seu uso em segmentos sociais urbanos de baixo poder aquisitivo; mostra a evolução das atividades dos setores industriais e as tecnologias termo-solares produzidas para pequenas quantidades de água; identifica as experiências nacionais com os segmentos populares em que ocorreu a inserção desses e destaca um estudo de caso.

Sapucaias – O Projeto Sapucaias, desenvolvido em Contagem, constituiu a primeira experiência monitorada de inserção de sistemas solares para o aquecimento da água de banho em área urbana no Brasil, destinada a segmentos de baixa renda – 65% da comunidade com renda média de um a dois salários mínimos. A população envolvida – 100 famílias - construiu as moradias no regime de mutirão e colaborou na instalação dos equipamentos solares recebidos sem custos. O estudo, inédito no país, acompanhou o comportamento dessas famílias frente à nova tecnologia, investigando as mudanças de hábitos no banho, o reflexo da economia de energia elétrica na qualidade de vida e o nível de satisfação com a tecnologia.

Quando da implantação do projeto em 2000, a equipe técnica procurou inicialmente conscientizar os moradores sobre os benefícios econômicos do novo sistema. Isso não impediu que 33% dos equipamentos fossem vendidos após curto tempo de uso, à revelia dos organizadores do programa. “O elevado índice de venda dos coletores solares, por valores insignificantes frente ao custo da tecnologia, pode ser atribuído ao fato de terem sido doados pelo poder público, à facilidade com que um dos sistemas termo-solares poderia ser desmontado sem envolver alterações internas na moradia, à necessidade dos moradores de promover acréscimos ao projeto da casa padrão de 49 m2 e à premência da complementação de renda momentânea para a subsistência familiar”, avalia Jane Fantinelli.

Em pesquisa realizada em julho do ano passado, junto às 67 famílias que permaneceram com o coletor e às 33 que o venderam, a arquiteta chegou a importantes conclusões sobre os hábitos e ações adotadas por esses moradores para compatibilizar o consumo de energia com a renda familiar. “O tempo gasto no banho pelas famílias com coletores era de 10 a 15 minutos e, nas outras, de 5 a 10 minutos. O banho quente no verão era mantido em 50% nas moradias com coletor e em 17% nas que o venderam; no inverno, cerca de 85% dos dois grupos fazem uso dele”, afirma a pesquisadora.

Bem-estar – Jane Fantinelli constatou que a posse e uso de eletrodomésticos é maior nas famílias com coletores, em pelo menos 16 equipamentos selecionados. O uso de equipamentos eletro-eletrônicos para o lazer também é maior nas famílias com coletores, à exceção dos televisores, presentes em 79% desta amostra e em 100% das famílias que os venderam. O índice de satisfação com a energia termo-solar é de 93%, sendo que os 7% restantes relacionam a insatisfação com a pouca quantidade de água quente e a problemas com o sistema. A falta de manutenção explica a perda de eficiência, pois cerca de 40% das famílias não fazem manutenção e nunca limpam seus equipamentos. “A economia de energia alcançada com os coletores solares foi utilizada no uso de equipamentos eletrodomésticos e no maior consumo de água, o que reflete melhoria da qualidade de vida em comparação com as famílias que não possuem o sistema termo-solar”, observa.

O exemplo que vem da Europa

A pesquisa de doutorado de Jane Fantinelli mostra que na União Européia a promoção da expansão dos sistemas termo-solares se alicerçam em duas diretrizes fundamentais: o desenvolvimento de um suporte público de financiamentos, regulamentações e campanhas, e o aprimoramento da qualidade dos produtos e serviços oferecidos pela indústria. “Estas duas vertentes têm promovido a confiança na tecnologia e o fomento aos mercados”, afirma.

Segundo a pesquisadora, a automação da indústria e a produção em escala têm sido incentivadas para a diminuição dos custos finais dos coletores, principalmente nos países dependentes de combustíveis fósseis. São os casos de Israel que os utiliza em 85% das moradias (6,5 milhões de habitantes) e Grécia, 25% das moradias (11,1 milhões de habitantes). A adoção dos coletores se mostra muito forte em países que estão estruturando seu desenvolvimento econômico, como a China, que nos últimos 15 anos instalou 51 milhões de metros quadrados de placas, o que corresponde a 45 milhões de equipamentos (1,3 bilhões de habitantes) e Turquia, 8 milhões de m2 (71 milhões de habitantes).

O Brasil instalou 3 milhões de coletores a partir de 1970, em todas as classes sociais, comércio e indústria. Na opinião da arquiteta, a principal barreira para o fomento de sistemas termo-solares para as classes populares brasileiras é a ausência de um planejamento energético destinado exclusivamente a elas. “Os programas solares previstos na década de 1980 (Pró-solar) e detalhados em metas e diretrizes na década seguinte (Declaração de Belo Horizonte e Declaração de Brasília) não foram incorporados ao planejamento energético estratégico das fontes alternativas de energia renovável, cuja lei (Proinfa) só foi implementada em 2004. Essa lei prevê que a matriz energética nacional tenha nos próximos 20 anos a contribuição de 10% de energia de fontes alternativas”, informa.

Nesse contexto, os sistemas termo-solares não foram considerados geradores de energia elétrica, mas equipamentos que promovem eficiência energética. A pesquisadora enfatiza que os programas propostos desde 1987 para o fomento de coletores solares em grande escala entre as classes de baixa renda não tiveram continuidade e ficaram sujeitos aos contextos transitórios dos sucessivos governos, por não fazerem parte do planejamento energético estratégico do País.

Prioridades – Desde 2001, entretanto, os sistemas termo-solares estão incorporados às políticas públicas de eficiência energética e, embora exista linha de crédito no sistema financeiro público e privado para a aquisição de coletores solares como estímulo à conservação de energia, há pouca promoção e divulgação por parte dos diversos agentes envolvidos. Jane Fantinelli constata que os setores populares, com renda familiar de até dois salários mínimos, têm outras prioridades, como melhorias construtivas na habitação. Outro aspecto relevante diz respeito ao desconhecimento dos próprios usuários e da sociedade em geral sobre a economia que representa a substituição da eletricidade pelos coletores solares para o aquecimento da água.

“As tecnologias eficientes estão disponíveis e devem ser usadas para que se alcance o máximo de ganhos econômicos. Os custos e preços finais podem ser diminuídos com a produção em escala e o aumento da automação industrial, como já ocorre em países que têm planos estratégicos para alterar a matriz energética”, defende a pesquisadora com determinação. Ela prega ainda que o planejamento energético para os setores populares deve envolver os diversos agentes estatais que atuam nas áreas sociais, habitação, educação, desenvolvimento tecnológico e pesquisa, energia e no setor produtivo.

Na opinião da pesquisadora, com a recente criação da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) – encarregada de estudos e projetos para subsidiar a formulação, o planejamento e a implementação de ações do Ministério de Minas e Energia – a conservação de energia e a eficiência energética serão integradas ao conjunto de planos e metas, elaborados para todos os suprimentos energéticos que compõem a atual matriz energética brasileira.

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