O cerco aos fraudadores e sonegadores de impostos por parte da Receita Federal deverá ganhar em eficiência com a entrada em operação de um software desenvolvido em conjunto por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O programa, que usa recursos de inteligência artificial (IA), ajudará os técnicos na tomada de decisão, visto que tem a capacidade de selecionar com maior precisão, a partir do cruzamento de uma série de dados, processos e declarações contendo possíveis irregularidades. A ferramenta está sendo testada por pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) e do Instituto de Computação (IC) em laboratório montado especificamente para esse fim pela Receita junto ao Laboratório de Redes de Comunicações (LaRCom) da FEEC. Esta é a primeira vez que o órgão busca soluções nesse sentido fora do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
Laboratório
da FEEC
está fazendo
simulações
com sistema
O software desenvolvido pelos especialistas da Unicamp e ITA será incorporado pelo Projeto Harpia, concebido pela Receita para combater a sonegação fiscal no país. Ele leva este nome em referência à maior ave de rapina brasileira, conhecida pela profundidade do seu campo de visão, cerca de oito vezes mais potente que o do homem. De acordo com o coordenador do LaRCom, professor Leonardo de Souza Mendes, o convite para que a Unicamp participasse do projeto foi feito pela Receita por meio da Agência de Inovação (Inova) da Universidade. O órgão se interessou em propor a parceria a partir do conhecimento adquirido por alguns de seus funcionários, envolvidos nos programas de pós-graduação da instituição.
Depois de várias reuniões, nas quais os especialistas identificaram as reais necessidades da Receita, o contrato foi assinado no final de 2005. “Ficou definido que a nossa missão seria projetar uma plataforma dotada de um sistema de inteligência que fosse capaz de integrar e analisar os dados contidos nos cadastros do órgão”, explica o coordenador do LaRCom. Para dar conta da tarefa, foi necessário estabelecer uma estrutura específica para esse fim. Assim, uma oficina mecânica ocupada anteriormente pela FECC foi reformada e deu lugar a um moderno laboratório equipado com computadores de última geração.
Prova de conceito – Atualmente, o sistema está analisando, de forma simulada, um milhão de declarações descaracterizadas fornecidas pela Receita na área de importação e exportação. É o que os técnicos chamam de “prova de conceito”, ou seja, a etapa na qual os especialistas verificam se a arquitetura do software opera como o idealizado. O coordenador do LaRCom faz questão de ressaltar que as informações são hipotéticas e codificadas por meio de números. “Não existe, portanto, a possibilidade de que algum dado sigiloso seja conhecido e, conseqüentemente, associado a quem quer que seja”, assegura o professor Leonardo Mendes. De acordo com ele, a função do programa é auxiliar os fiscais a tomarem decisões inteligentes. Em outras palavras, a ferramenta aponta, após cruzar e analisar diversas variáveis, quais processos podem conter eventuais fraudes. Atualmente, esse trabalho é feito de forma aleatória e com um alto grau de subjetividade, o que dificulta a identificação de possíveis sonegadores.
Segundo a coordenadora do projeto por parte da Receita, Antonella Saraiva Lanna, é a primeira vez que o órgão busca esse tipo de suporte para suas atividades fora do Serpro. “Trata-se de uma iniciativa pioneira. Nós procuramos a Unicamp e o ITA em razão da excelência das duas instituições nas áreas de pesquisa e desenvolvimento de ferramentas computacionais. A iniciativa faz parte do nosso objetivo de empregar sistemas dotados de inteligência artificial no combate à sonegação”, afirma. Ao todo, segundo ela, o órgão está investindo R$ 9 milhões no convênio, que terá a duração de dois anos.
Antonella Lanna lembra que assim que a plataforma estiver validada e aprovada, as operações passarão a ser feitas no âmbito do Serpro, aí sim com dados reais dos contribuintes. “Nem a Unicamp e nem o ITA executarão esse tipo de serviço”. Embora o Fisco não confirme, existe a possibilidade de a ferramenta ser utilizada futuramente na análise das declarações de imposto de renda tanto de pessoas físicas quanto de jurídicas.
Ganho acadêmico – A parceria com a Refeita Federal não trará ganhos apenas para o Fisco, como lembra o coordenador do LaRCom. Um resultado importante do trabalho desenvolvido para o órgão, de acordo com o professor Leonardo, é a formação de pessoal qualificado para trabalhar nas áreas ligadas à computação. Atualmente, integram o projeto 13 alunos de pós-graduação, além de quatro docentes da FEEC e IC. Para o segundo semestre de 2006, prevê, já estarão sendo publicados os primeiros artigos científicos relacionados às atividades em curso. “Ou seja, essa experiência também será valiosa do ponto de vista acadêmico”. O professor Leonardo Mendes acredita que, em razão do sucesso do trabalho até aqui, novas parcerias possam ser firmadas entre a Unicamp e a Receita. “O órgão já demonstrou interesse no desenvolvimento de novos projetos, inclusive com outras áreas do conhecimento universitário”, adianta, sem entrar em detalhes.