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Proteína guardiã
Estudo desvenda ação
protetora da
interleucina em crises de epilepsia
O
processo inflamatório que age durante a epilepsia tem
um papel protetor ou prejudicial no sistema nervoso central
(SNC)? Há controvérsias na literatura. Muitos
grupos defendem que a proteína interleucina-1-beta
(IL1-B), quando aumentada, exibe um efeito pró-convulsivante.
Poucos grupos sustentam o oposto. Mas os resultados encontrados
na tese de doutorado do biólogo Vinicius D'Ávila
Bitencourt Pascoal, defendida na Faculdade de Ciências
Médicas (FCM), corroboraram que ela, ao contrário,
pode ter uma ação protetora contra as crises,
particularmente na epilepsia do lobo temporal, que acomete
cerca de 50% de todas as epilepsias existentes, distribuídas
em 2% da população mundial. Esses achados ganharam
ainda maior sustentação com o uso da técnica
de interferência por RNA, ao promover a modulação
dessa proteína ligada aos processos inflamatórios
usando uma via endógena (do próprio organismo),
sem necessidade de cirurgia. A pesquisa foi desenvolvida no
âmbito do Programa de Cooperação Interinstitucional
de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (Cinapce), financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) e que contou com o suporte
de outro aluno de doutorado, o biólogo Rafael Marchesini.
Ao estudar o papel da inflamação
na epilepsia e os genes envolvidos, o biólogo modulou
a expressão tanto do gene IL1-B quanto do seu antagonista
para tentar desvendar a gênese da epilepsia em modelos
animais. Ele pôs sua atenção no gene IL1-B
pelo fato de ser uma proteína sabidamente pró-inflamatória
que possui várias funções, entre elas
a de estar relacionada à morte neuronal em efeitos
tóxicos no SNC. Para reproduzir as crises, ele empregou
a pilocarpina - substância que, em altas doses, provoca
um efeito excitatório no SNC. Os experimentos, feitos
com animais, demonstraram que a metodologia da interferência
por RNA conseguiu ser mais específica para elucidar
o papel da inflamação. Segundo a médica
geneticista Íscia Lopes Cendes, orientadora da tese,
a maior parte dos trabalhos até agora defendiam que
a inflamação podia ser inclusive uma das causas
da epilepsia.
O pesquisador informa que o estudo da epilepsia
do lobo temporal tem um grande apelo devido à dificuldade
que um número significativo de pacientes apresentam
no controle de suas crises, mesmo com o uso correto dos medicamentos.
Em alguns casos, os pacientes necessitam ser submetidos à
cirurgia para conter as crises, sendo que esse procedimento
tem tido resultados favoráveis, quando bem-indicado.
Portanto, afirma Íscia Lopes Cendes, a procura por
um melhor conhecimento dos mecanismos que levam à epilepsia
de lobo temporal poderia auxiliar na busca por terapias mais
eficientes e menos invasivas para esses pacientes. "É
nesse contexto que se inserem os estudos sobre o papel da
inflamação na epilepsia de lobo temporal."
Técnica mais específica
A tese de doutorado empregou a técnica de interferência
pelo ácido ribonucleico (RNA), encarregado de levar
a informação do DNA (principal molécula
de cada célula) às estruturas que sintetizam
as proteínas. Aí entra em ação
uma dupla fita de RNA, uma molécula biológica
que o organismo tem naturalmente e que é responsável
por ativar a via bioquímica que culminará por
induzir a destruição do RNA-mensageiro, impedindo
a produção da proteína-alvo. "No
estudo de Vinicius, esta molécula de RNA de dupla fita
foi sintetizada em laboratório e introduzida na célula."
Esse mecanismo de interferência por
RNA, recorda ela, deu inclusive o prêmio Nobel de Medicina
aos biólogos Andrew Fire e Craig Mello em 2006. De
acordo com Íscia Lopes Cendes, as fitas duplas de RNA
se ligam a complexos de proteínas e "encontram"
o RNA-mensageiro complementar a sua sequência. Quando
um trecho dele é capturado pelo complexo de proteínas
contendo o RNA injetado, este induz a destruição
do RNA- mensageiro. Assim, a proteína correspondente
àquele gene não é produzida, "silenciando-o".
O RNA de interferência, esclarece Meireles,
funciona como um mecanismo de defesa contra os vírus,
colaborando para manter a integridade do DNA dos organismos
e o controle da expressão genética. Vinicius
salienta que a técnica adotada por ele tirou proveito
desse processo como uma ferramenta para silenciar a expressão
de genes. Além disso, o biólogo acrescenta que,
diferentemente dos experimentos feitos anteriormente com outros
inibidores da IL1-B, seus experimentos não necessitaram
que os animais fossem submetidos à cirurgia para introdução
de drogas ou anticorpos no SNC, já que ele juntou a
molécula de dupla fita de RNA com um fragmento de proteína,
que "carregou" este complexo da circulação
periférica diretamente para o SNC. Esse detalhe técnico
foi importantíssimo, realça a geneticista, pois
somente a cirurgia já induz reação inflamatória
e pode mascarar todos os resultados experimentais. "Não
tivemos que lidar com esse problema", acrescenta.
Os
resultados do trabalho mostraram que, ao alterar a expressão
dos dois genes - tanto da IL-1-B quanto do antagonista, ocorriam
alguns efeitos. "Quando era diminuída a produção
da IL-1-B, os animais respondiam com crises mais rapidamente
e a taxa de mortalidade aumentava. Quando usava-se a estratégia
de silenciar o antagonista endógeno, aumentava-se a
ação da IL1-B. Neste caso, os animais demoravam
mais tempo para ter crise e a taxa de mortalidade era menor,
mostrando um efeito protetor da interleucina", constata
Vinicius.
Após três meses de observação
dos animais, conduzidos no Laboratório de Genética
Molecular do Departamento de Genética Médica
da FCM e no Centro Multidisciplinar para Investigação
Biológica na Área de Ciência (Cemib),
o biólogo coletou o tecido dos animais e a partir de
cortes histológicos do cérebro averiguou se
havia aumento ou diminuição da morte neuronal.
"Percebemos que, com o aumento da atividade da IL1-B,
tivemos menos mortalidade dos neurônios, que é
um dos marcadores da ocorrência da epilepsia nestes
animais", expõe.
O pesquisador explica que
seus resultados têm também uma implicação
prática, pois algumas propostas sinalizavam que talvez
se devesse usar anti-inflamatórios para tratar a epilepsia,
com vistas a diminuir a inflamação e curar a
epilepsia. Esta, todavia, pode ser uma proposta perigosa,
contesta Vinicius, porque, de acordo com os dados obtidos
no presente trabalho, se diminuir demais a inflamação,
inibindo o efeito da IL1-B, é possível piorar
a recuperação da lesão induzida por um
"insulto". "É preciso tomar cuidado
porque, ao agir em processos biológicos, que são
naturais e normais e que estão ali porque o organismo
está se protegendo de uma lesão, pode-se complicar
o quadro. Nosso trabalho apontou isso: a inflamação
dentro de certo limite é benéfica", garante
a geneticista.
Tese recebe prêmio em congresso
O trabalho de Vinicius, intitulado "O
papel da interleucina-1-beta na fase aguda do modelo de epilepsia
do lobo temporal induzido pela pilocarpina", foi o primeiro
colocado na área de pesquisa básica em epilepsia
do 33º Congresso da Liga Brasileira de Epilepsia, que
aconteceu no início deste mês em Brasília,
Distrito Federal. Entendendo a distinção como
um reconhecimento ao seu trabalho, julgado por uma banca de
especialistas, ele garante que o próximo passo será
desenvolver o pós-doutorado. Já em agosto segue
para os Estados Unidos a fim de aprender algumas técnicas
de biologia molecular, com RNAs não-codificantes, para
depois empregar na área de epilepsia da FCM da Unicamp.
É certo que a notoriedade do prêmio
está fortemente ligada ao seu homenageado, o médico
carioca Aristides Leão, que estudou na Universidade
de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, onde obteve o mestrado
em 1942 e o doutorado, em 1943. Em 1944, ele publicou um artigo
no Journal of Neurophysiology que se tornou um clássico
da Neurofisiologia. Descobriu uma reação ocorrida
no córtex cerebral.
Esse fenômeno foi batizado de depressão
alastrante ou A Onda Leão. Embora não sendo
conhecidas as causas naturais do fenômeno, ele pode
ser induzido por toque, choque elétrico ou substância
química. A descoberta foi valiosa para o diagnóstico
de doenças como a epilepsia e a enxaqueca, abrindo
perspectivas para o entendimento de outros fenômenos
patológicos e estudos sobre o comportamento animal
e a organização funcional do sistema neural,
a memória e o aprendizado.
Publicação
Tese de Doutorado: "O papel da interleucina-1-beta na
fase aguda do modelo de epilepsia do lobo temporal induzido
pela pilocarpina"
Autor: Vinicius D'Ávila Bitencourt Pascoal
Orientadora: Íscia Lopes Cendes
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
Financiamentos: Fapesp e CNPq
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