.Fora
dos eixos
Especialistas
criticam os Eixos Nacionais
de Integração e Desenvolvimento
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
s
Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento,
propostos pelo governo FHC nos programas Brasil
em Ação e Avança Brasil,
longe de integrar o país econômica e socialmente,
ameaçam reconcentrar as atividades econômicas
com maior valor agregado na região Sudeste. Além
disso, não contemplam a problemática das
cidades e relegam os problemas sociais às soluções
via mercado. Estas foram algumas das conclusões
do Seminário Nacional Regiões e Cidades,
Cidades nas Regiões, realizado no Instituto de
Economia da Unicamp nos dias 5 e 6 de abril, reunindo
cerca de 100 participantes filiados à Anpur (Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Planejamento Urbano e Regional), entidade que promoveu
o evento.
Apesar
de o seminário propor uma discussão mais
abrangente sobre a situação regional e urbana
do Brasil atual, tomou-se o programa governamental dos
Eixos Nacionais como ponto de partida para os debates
entre um grupo composto por economistas, sociólogos,
geógrafos, antropólogos e outros campos
de conhecimento afins. Idealizados em 1996 para serem
uma espécie de marco do governo FHC, os Eixos têm
planos para executar 385 obras, com investimentos de R$
317 bilhões até 2007 (veja matéria
na página 13).
Mas
seus objetivos enunciados, de integração
nacional e redução das disparidades regionais,
não serão alcançados, pois a ênfase
do programa é em obstruir os gargalos (missing
links) de infra-estrutura para escoar a produção,
basicamente de commodities agrícolas e minerais.
Neste sentido o programa pode aprofundar as desigualdades
entre as regiões ao apenas sancionar os fluxos
econômicos das áreas eleitas pelo processo
de globalização, alerta o professor
Carlos Antônio Brandão, pesquisador do Núcleo
de Economia Social, Urbana e Regional (Nesur) da Unicamp
e coordenador da comissão organizadora do seminário
em Campinas.
O encontro concluiu que os Eixos estão subordinados
passivamente aos desígnios da globalização
financeira e descartam os instrumentos de planejamento
regional e urbano, informa Brandão. A partir
deste verdadeiro consenso entre os participantes buscou-se
discutir alternativas de políticas que possam promover
a integração econômica, territorial
e social do país. Esta reflexão coletiva
será publicada pela Anpur em breve. O evento foi
a sessão conclusiva de uma série de seis
realizadas desde julho do ano passado nas regiões
Sul, Centro-Oeste, Norte/Nordeste, São Paulo e
Sudeste.
Cada
uma das sessões dedicou particular atenção
ao Eixo Nacional de Integração e Desenvolvimento
afeto à região onde se realizavam. Os Eixos
Oeste e Araguaia-Tocantins foram analisados na sessão
de Brasília (Centro-Oeste); o Eixo Sul em Florianópolis;
o Sudeste nas sessões de Belo Horizonte e Campinas;
o Sudoeste em São Paulo; o Transnordestino e o
do São Francisco e ainda o Arco Norte e o Madeira-Amazonas,
na sessão de Salvador.
Com as sessões regionais conseguimos criar
um verdadeiro mosaico do país para contribuir com
os projetos de desenvolvimento do governo federal,
informa Maria Flora Gonçalves, presidente da Anpur
e professora do Instituto de Economia da Unicamp. Tivemos
uma visão do país inteiro. Visualizamos
uma região após a outra, seus problemas
e sua dinâmica. A dimensão das questões
na ótica de um variado campo de conhecimentos,
explica Maria Flora.
Natureza
ambígua Mas, apesar do alcance da entidade
e da abrangência de seus estudos, a Anpur, assim
como o restante da sociedade alvo destes Eixos, não
foi contemplada com uma discussão sobre os impactos
do programa governamental.
O seminário questionou a forma pouco democrática
de elaboração do programa, que não
permitiu uma discussão ampla com as representações
estaduais-regionais, resultando em problemas de organicidade
na sua gerência e agora em sua execução,
diz Brandão.
O
programa dos Eixos é de natureza ambígua
e abrangente. Considerou-se que, ao tempo em que se propõe
a formulação de um novo planejamento regional,
a concepção de eixos é totalmente
estruturada apenas na logística, voltada apenas
à criação de corredores de escoamento
dos produtos de exportação, afirma
o professor. Esta lógica gera uma superconcentração
de investimentos pontuais visando criar uma expectativa
de atração de segmentos do capital privado
e acaba significando um rompimento com a lógica
anterior da articulação entre os investimentos
públicos e privados, analisa Brandão.
A conseqüência desta mudança será
a competição desregrada entre áreas,
cidades e regiões, mobilizadas em torno de um esforço
de atração de investimentos a qualquer custo.
Conteúdo
neoliberal O desprezo do programa com o meio
urbano é explicado pela sua natureza, privilegiadora
da logística, ou seja, da acessibilidade e escoamento.
Por esta razão, os palestrantes diagnosticaram
um conteúdo neoliberal no projeto, uma vez que
aposta simplesmente na estabilização econômica
e nos mecanismos de mercado como solução
dos problemas sociais regionais e urbanos.
Este detalhe levou os participantes a questionarem a adoção
do caminho neoliberal, que tem o comércio externo
como via única e que molda a visão de desenvolvimento
do programa. Brandão lembra que outras vias são
possíveis e afirma que o modelo que a comunidde
européia vem seguindo hoje, tendo por base as preocupações
com a coesão e o fortalecimento do pacto federativo,
apresenta importantes lições para uma política
alternativa em países continentais e desiguais
como o Brasil.
Os
pesquisadores também notaram que o caráter
concentrador e orientado pelas forças de
mercado do programa tende a reforçar as áreas
que dão certo e que sua característica
de modelo concêntrico vai reconcentrar o dinamismo
da economia na região mais rica do país,
o Sudeste, também chamado pelo documento oficial
de rótula.
Em
sua conclusão, o seminário destacou a falta
de um projeto nacional de desenvolvimento no Brasil que
seja capaz de promover efetivamente as integrações
territorial, econômica e social. Apontou a necessidade
de análise das principais falhas do programa, como
ausência de discussões das questões
urbanas, seu caráter concentrador e apenas logístico,
o reforço das áreas que já dão
certo, relega os problemas sociais às soluções
via mercado e a própria ausência de debate
acerca do nacional no sentido de coesão social
e regional e de rearticulação da Federação
Brasileira.
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Economista
faz projeções sombrias
Para
o professor Wilson Cano, do Instituto de Economia da
Unicamp, os Eixos Nacionais de Integração
e Desenvolvimento têm uma tripla definição:
são um ardil, uma ilusão, uma crueldade.
O professor encerrou o seminário Regiões
e Cidades, Cidades na Região, com um pronunciamento
carregado de indignação e de projeções
sombrias para as cidades brasileiras, diante das políticas
de desenvolvimento regional e de metropolização.
Os
Eixos, na verdade, se constituem em mais um ardil, uma
crueldade, mais um ilusionismo de política de
desenvolvimento regional. São incursões
quase que retilíneas para resolver problemas
de dinamização de exportações.
Para quê? Melhorar o emprego? Distribuição
de renda? Não. Para resolver problemas que eles
mesmos criaram com a política neoliberal de comércio
exterior, disse.
Cano argumenta qe, se a questão da pobreza e
da miséria for usada como plano geral de investigação
e de reflexão para a idealização
de políticas públicas, não será
preciso nenhuma delimitação metodológica
do espaço. Simplesmente porque a pobreza
e a miséria são fenômenos extensamente
nacionais, estão disseminados em todo o território
nacional. A favela já deixou de ser, há
quase 50 anos, aquele conjunto de barracões de
zinco que inspiravam compositores e poetas. Hoje é
um fenômeno geral. São Paulo, o estado
mais rico da federação, mostra cabalmente
que o problema não é resolvido na ótica
do espaço.
É
claro que precisamos pensar em política de desenvolvimento
regional, inclusive para o tratamento de uma eqüanimidade
nacional, isto é, de uma eqüidade maior
entre as frações da população
e do poder disseminados pelo território, mas
não desta forma como está sendo tratado,
conclui.
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