Unicamp Hoje - O seu canal da Noticia
navegação

Unicamp Hoje. Você está aquiAssessoria de ImprensaEventosProgramação CulturalComunicadosPublicações na Unicamp
  Assessoria de Imprensa
ramais: 87018 e 87865
rcosta@obelix.unicamp.br
 
Campinas, maio de 2001 - ANO XV - N. 162.........
     
   
 


Fraterno

ÁLVARO KASSAB


Foi uma quarta-feira diferente para Almir da Silva Pinheiro, grafiteiro do Jardim Maria Rosa, periferia de Campinas. Sob um sol inclemente que tomava todo o Teatro de Arena do Instituto de Artes, Almir foi o protagonista do projeto Conversa de Rua, promovido dia 18 de abril pelo Laboratório de Estudos Urbanos da Unicamp (Labeurb). Entre jatos de precisão cirúrgica de spray na tela branca e acordes do grupo Rap Company saídos de um aparelho colocado na beirada do palco, o grafiteiro expôs ao público sua trajetória, um caldeirão de influências cujas raízes estão no trabalho comunitário.

Almir cresceu ouvindo as histórias contadas nas reuniões da Pastoral das Mulheres Marginalizadas, da qual fazia parte sua mãe, catequista da Comunidade Eclesial de Base (CEB) da Igreja Católica, voz dissonante no compadrio beneficente que assola os bairros da região dos DICs, uma das mais pobres e violentas de Campinas. Do engajamento em campanhas da fraternidade e de conscientização à arte foi um pulo. Primeiro, os palcos onde eram encenados os problemas da comunidade. Do teatro, Almir ingressou há três anos no movimento hip hop, celeiro da resistência cultural e porta de entrada do universo do grafite. Muros depois, ele engajou-se na ala mais consciente do movimento, responsável por oficinas em comunidades desassistidas, hospitais e até em unidades da Febem.

Segundo Eni Orlandi, professora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e coordenadora do Labeurb, relatos como o de Almir são a essência do projeto Conversa de Rua, parte de uma ampla pesquisa batizada O sentido público no espaço urbano. O trabalho se propõe a compreender os processos sociais por meio da linguagem, sem dispensar a contribuição de intelectuais de outras áreas. O “ouvir a rua”, na análise de Eni, desmonta, de uma certa forma, os efeitos do discurso linear e batido sobre a violência urbana, mostrando que há formas interessantes de manifestações na cidade.

O grafite, na opinião da coordenadora do Labeurb, é importante por revelar, do ponto de vista da linguagem, a constituição de um sujeito social “diferente”, relacionado às mudanças nas relações entre a sociedade e as novas tecnologias. “Acho que o grafite e outras formas populares de linguagem mostram as novas maneiras de dizer e de significar, que são muito importantes. A gente precisa ficar atenta a elas para compreender que sujeitos somos em relação a essa sociedade”, diagnostica Eni, autora da pesquisa Falas Desorganizadas, trabalho que, segundo ela, “desmancha um pouco a idéia de que a linguagem é uma coisa homogênea”.

Eni não tem dúvidas de que o espaço social está sendo silenciado em nome do entorpecimento dos sentidos e, principalmente, da separação deliberada entre o erudito e o popular, entre o formal e o informal. Esse jogo maniqueísta impede que sejam percebidas novas manifestações gestadas dentro da sociedade, alimentando uma rede de preconceitos e de intolerância que invariavelmente culmina na segregação. Para ela, que trabalhou com poesia urbana e com rap, o exemplo de como o último é visto é emblemático. “Você não pode dizer que o rap é informal. Ele é criativo, muito elaborado. Mexer com isso não deixa de ser uma forma de deslocar, de tentar dar espaço aos sentidos que estão sendo colocados.”

A pesquisadora aposta que, dos sentidos que emergem, vão surgir novas formas de relação com o espaço urbano, que resultarão numa melhor condição de vida, não apenas para seus protagonistas, mas para todos. “O investimento mais forte do Labeurb é quebrar essa coisa de falar para não dizer, falar para não significar, para não deixar significar. É preciso falar para encontrar sentido nessas relações dentro da cidade.” Definição que se aproxima daquela que Almir tem da livre expressão. “A gente é que nem água, onde tem uma fresta a gente está entrando”.

 

 


No laboratório
Eni Orlandi

‘Por meio dos estudos da linguagem você consegue compreender processos sociais importantes, inclusive aqueles que desembocam na violência. Ao invés de tomar a violência como algo já pronto, a gente começa a trabalhar antes, percebendo como no social vão se produzindo sentidos que acabam concorrendo para isso’
‘As pessoas têm razão em querer se proteger, só que no mesmo gesto de proteção, sobretudo nos bolsões, elas estão se expondo, porque o social fica descoberto’
‘Trabalhamos com a linguagem funcionando na sociedade e na história, e não como gramática fechadinha, mas sim como ela é vivenciada pelos sujeitos, dentro do espaço de vivência’ .
‘Precisamos conhecer bem essa coisa sobre a qual estamos falando. Ao invés de a gente tratar as pessoas como objeto de pesquisas, a gente resolveu fazer o inverso, isto é, trazê-las para dentro da universidade, para que elas tenham possibilidade de falar sobre suas experiências, discutindo com a gente o nosso projeto’.

Na rua
‘A criação de uma entidade é uma forma política de a gente cobrar. Se pagamos impostos, se a tinta que a gente compra tem imposto, nada mais justo que a gente exija algo em troca do governo. Seja em espaço ou evento’.
‘A classe média produz e consome cultura enlatada. Quando produz, espera retorno. A gente não faz arte esperando retorno, mas sim para conscientizar’.
‘O contato com a universidade é interessante por que a gente fica próxima de um público que tem outra visão. É um contato que possibilita, também, a troca de idéias com outros artistas’.
‘Tenho um pé atrás com a mídia. Muitas vezes ela distorce tudo, fica apenas no que é interessante para ela, naquilo que está na moda. O grafite não é modismo, é mais que rolo, spray e latex. Modismo é massificação’

 


 
 
 

© 1994-2000 Universidade Estadual de Campinas
Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP
E-mail:
webmaster@unicamp.br